terça-feira, 19 de dezembro de 2023

Vale o escrito: um raio-x do Brasil

Luis Carvalho*


Há quem pense que máfia é algo que está distante de nós e acredite que, de fato, interesses escusos não façam parte das relações que envolvem Estado e interesses privados. Contudo, o documentário da GloboPlay, “Vale o escrito” é um balde de água fria.

Muito além de mostrar questões sobre a estrutura da contravenção do Rio de Janeiro, a série aprofunda questões sobre como pessoas envolvidas com contravenção e acusadas de violências brutais como tortura e assassinato circulam na alta sociedade sem constrangimento algum e frequentam os mesmos locais que políticos, autoridades policiais e judiciárias.

Um dos palcos frequentes dos contraventores é o carnaval. A chamada “Liga” das escolas, que envolve as mais famosas escolas do Rio de Janeiro é comandada por contraventores conhecidos da polícia há décadas. Todos esses, juntamente com seus familiares, são vistos pelo Brasil e pelo mundo como “artífices do carnaval”.

Alguns questionamentos emergem: como os políticos que dizem combater a corrupção convivem com a contravenção? Seria ético policiais, parte do judiciário e pessoas das altas cúpulas governamentais socializar com criminosos confessos? Tudo isso fica nítido ao longo do documentário que não deixa dúvidas de uma relação, minimamente, promíscua entre Estado, crime, contravenção, conglomerados midiáticos, carnaval, etc.

A coisa pode parecer perdida e sem esperança, contudo, as soluções podem vir por meio de mecanismos que fomentem a organização coletiva e privilegiem um tipo de ética que não vise lucro e poder em primeiro lugar.

Uma das coisas que é necessário problematizar é uma espécie de “ética capitalista” que ignoram os meios pelos quais se adquire dinheiro e influência e centra-se na ostentação; benesses do sistema; glamour e luxo. Por vezes isso vem às custas de muito sangue. Somente uma contraproposta coletiva nascendo das bases e comprometida com a ética pode subverter esse sistema.

Nesse caso iniciativas de vestibulares, cursos preparatórios e outros mecanismos centrados no protagonismo das populações periféricas, formadas com bases sólidas é capaz de suplantar tal modelo.

Fica a provocação.



*Filósofo

Fonte: https://i.ytimg.com/vi/aL4KpOGjiw0/hqdefault.jpg