quarta-feira, 7 de maio de 2025

Escaladas 6x1


 Por  Leonor Vieira-Motta

                     

            Sou comerciária e trabalho em escala seis por um no caixa de um supermercado. A semana que tem sete dias, para mim, parece esvair-se em horas. Mesmo reunindo os dias de folga dos 15 anos que tenho de casa, eu não conseguiria formar um quebra-cabeça, com o tempo disponível para cuidar de mim e da família. As peças certamente não se encaixariam ou faltariam, assim como acontece com a minha coluna e com as reuniões de escola dos filhos a que nunca pude comparecer.

 

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          Bom dia! Bom dia! Aqui a minha senha do atendimento. Está cedo, sem fila, não precisa. O que a senhora vai querer? Por favor, primeiro preciso de uma sugestão. Claro! Quero uma carne boa e menos cara para estrogonofe. Que tal o acém, se colocar um pouco de pressão, amacia. Seiscentos gramas, então! Seiscentos e trinta, pode ser? Sim, sem problema.

          O “Se colocar um pouco de pressão, amacia” ficou na minha panela mental por uns dias. Voltando ao supermercado, no mesmo horário e dia da semana, estava lá o mesmo bom conselheiro. Após receber o meu pedido, perguntei a ele sobre a sua escala de trabalho e o que ele achava dela. De pronto ele respondeu: 6 × 1, isso não é vida não!

 

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          6×1 é a regra da jornada, mas quando o trabalhador adoece e precisa faltar, é logo substituído por outro que estaria saindo para o 1 da sua escala e ficando repentinamente sem nenhum.

 

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        No primeiro de maio do ano passado, estava escalada para trabalhar. Já faz parte da minha rotina, ajeitar a marmita na noite anterior e, antes de sair às 6:00, tomar um café com pão e ovo mexido para eu me segurar até o meio-dia, o horário do meu intervalo para o almoço.

         Neste meu dia do trabalhador, fui comunicada de maneira imperiosa pela gerente que eu só poderia me ausentar do Caixa às 14:00. Tentei argumentar, mas não era ouvida e fiquei. Às 13:30, minha visão ficou turva e desmaiei, me socorreram, chamaram o SAMU, minha pressão foi às alturas.

          Depois da alta do Hospital, onde permaneci por 24 horas, fui para casa repousar em escala 7 × 1, ou seja, terei sete dias para tentar revigorar uma vida vampirizada pela escala 6×1.

 

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          Fiz a vida no mercado. Explico, trabalhando seis dias na semana e folgando um, mais horas extras, por dez anos, construí casa no terreno do sogro e comprei um carrinho. Se eu continuar nessa batida, meu filho, agora com quatro anos, num piscar de olhos, estará me pedindo a chave do veículo para sair com a namorada e eu vou me surpreender ao vê-lo crescido. Mais um ano e eu começarei em outra profissão do zero. Essa vida não quero mais, aliás, que vida?

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