Por Leonor Vieira-Motta
Sou comerciária e trabalho em escala seis por um no caixa de um supermercado. A semana que tem sete dias, para mim, parece esvair-se em horas. Mesmo reunindo os dias de folga dos 15 anos que tenho de casa, eu não conseguiria formar um quebra-cabeça, com o tempo disponível para cuidar de mim e da família. As peças certamente não se encaixariam ou faltariam, assim como acontece com a minha coluna e com as reuniões de escola dos filhos a que nunca pude comparecer.
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Bom dia! Bom dia! Aqui a minha senha
do atendimento. Está cedo, sem fila, não precisa. O que a senhora vai querer?
Por favor, primeiro preciso de uma sugestão. Claro! Quero uma carne boa e menos
cara para estrogonofe. Que tal o acém, se colocar um pouco de pressão, amacia.
Seiscentos gramas, então! Seiscentos e trinta, pode ser? Sim,
sem problema.
O “Se colocar um pouco de pressão,
amacia” ficou na minha panela mental por uns dias. Voltando ao supermercado, no
mesmo horário e dia da semana, estava lá o mesmo bom conselheiro. Após receber
o meu pedido, perguntei a ele sobre a sua escala de trabalho e o que ele achava
dela. De pronto ele respondeu: 6 × 1, isso não é vida não!
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6×1 é a regra da jornada, mas quando o trabalhador adoece e precisa
faltar, é logo substituído por outro que estaria saindo para o 1 da sua escala
e ficando repentinamente sem nenhum.
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No primeiro de maio do ano passado,
estava escalada para trabalhar. Já faz parte da minha rotina, ajeitar a marmita
na noite anterior e, antes de sair às 6:00, tomar um café com pão e ovo mexido
para eu me segurar até o meio-dia, o horário do meu intervalo para o almoço.
Neste meu dia do trabalhador, fui
comunicada de maneira imperiosa pela gerente que eu só poderia me ausentar do
Caixa às 14:00. Tentei argumentar, mas não era ouvida e fiquei. Às 13:30, minha
visão ficou turva e desmaiei, me socorreram, chamaram o SAMU, minha pressão foi
às alturas.
Depois da alta do Hospital, onde
permaneci por 24 horas, fui para casa repousar em escala 7 × 1, ou seja, terei
sete dias para tentar revigorar uma vida vampirizada pela escala 6×1.
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Fiz a vida no mercado.
Explico, trabalhando seis dias na semana e folgando um, mais horas extras, por
dez anos, construí casa no terreno do sogro e comprei um carrinho. Se eu
continuar nessa batida, meu filho, agora com quatro anos, num piscar de olhos,
estará me pedindo a chave do veículo para sair com a namorada e eu vou me
surpreender ao vê-lo crescido. Mais um ano e eu começarei em outra
profissão do zero. Essa vida não quero mais, aliás, que vida?
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