quarta-feira, 15 de dezembro de 2021

POR QUE DEVEMOS NOS ENVOLVER COM AS MUDANÇAS CLIMÁTICAS E FICAR DE OLHO NA REALIZAÇÃO DA COP 26? - PARTE 2

Por Angelo José Rodrigues Lima

No primeiro artigo sobre o tema, tratamos de explicar o que são mudanças climáticas e o que são e para que servem as Conferência das Partes (COPs).

Neste artigo, antes de tratarmos das metas e objetivos da COP 26, é importante deixar claro que toda a sociedade brasileira e mundial deve se envolver com este tema porque as mudanças climáticas já são uma realidade e estão impactando enormemente a vida das pessoas e ampliarão ainda mais os problemas sociais, econômicos e ambientais do Brasil e do Mundo.

Em segundo lugar, em um país e um mundo com tamanha desigualdade social e econômica, as mudanças climáticas irão ampliar estas desigualdades e continuar impactando as populações mais vulneráveis social e economicamente falando.

Portanto, devemos nos envolver, porque as mudanças climáticas e as COPs estão relacionadas com a nossa qualidade de vida.


E as metas da COP 26? Quais eram?

Considerando os vários estudos realizados e apresentados pelos diversos relatórios elaborados pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) que é o órgão científico para assessorar a realização das Conferências, segundo o artigo “Quais são as metas da COP26 e o que elas representam na atualidade”**, as metas eram:

1. Promover a rede zero global em meados do século 

A redução de emissões será um dos principais pontos abordados. A meta é que os governos apresentem estratégias de impactos positivos para diminuir os gases poluentes até 2030 e alcançar emissões líquidas zero até 2050. Outra questão é a diminuição do aquecimento global e a manutenção de 1,5 grau de aumento ao alcance até o final do século, já que a previsão na conferência em Paris, era atingir bem acima de 3 graus até 2100. Segundo a agenda oficial do evento, para que isso aconteça, os países precisarão de:

    • Acelerar a eliminação do carvão;

    • Reduzir o desmatamento;

    • Acelerar a mudança para veículos elétricos;

    • Expandir o mercado de crédito de carbono;

    • Incentivar o investimento em energias renováveis.

2. Adaptar-se para proteger as comunidades e habitats naturais

As mudanças climáticas vêm causando retrocessos para a sociedade e a biodiversidade. A frequência de temperaturas extremamente elevadas, incêndios ocasionados por secas e o aumento das doenças respiratórias são alguns dos episódios alarmantes que têm ocorrido. Espera-se que, na COP26, iniciativas sejam desenvolvidas para mitigar os prejuízos a curto prazo e que os países produzam uma comunicação de adaptação com as práticas e planejamentos. Para isso, os governos devem:

    • Favorecer a adaptação aos efeitos da mudança climática;

    • Proteger e restaurar ecossistemas;

    • Construir defesas e sistemas de alerta;

    • Infraestrutura resiliente e agricultura para evitar a perda de casas;

    • Meios de subsistência e qualidade de vida.

3. Mobilizar finanças 

Segundo o plano de ação da COP26, para que as duas primeiras metas sejam de fato concretizadas, é necessário que os países cumpram a promessa de "mobilizar pelo menos US $100 bilhões em financiamento climático por ano", imposta na última conferência realizada em 2015. Além disso, também precisam investir e promover finanças sustentáveis. Toda decisão financeira precisa levar em consideração o clima, expandindo:

    • Alianças entre empresas e investidores;

    • Cadeias de suprimentos resilientes;

    • Parcerias com o terceiro setor;

    • Financiamento dos setores público e privado aos países mais pobres e a cooperação internacional.

4. Trabalhar juntos

Por fim, para que a agenda seja efetiva é fundamental que os países trabalhem juntos. A colaboração deve moldar os resultados, acordos e negociações entre governos, empresas e a sociedade civil. Espera-se que além dos planos estratégicos contra as mudanças climáticas, parcerias sejam feitas entre os países e soluções estipuladas. Para isso, é preciso:

    • Garantir que a voz de todos seja ouvida;

    • Ter transparência e transformar ambição em ação;

    • Incentivar todos os países a cumprir seus compromissos;

    • Finalizar o Livro de Regras de Paris (as regras detalhadas que tornam o Acordo de Paris operacional).


Quais foram as metas alcançadas na realização da COP 26?

Para uma grande maioria de especialistas e ambientalistas, a principal avaliação dos resultados alcançados pela COP 26 realizada agora em novembro de 2021, é de que as metas estabelecidas são insuficientes para dar conta dos impactos das mudanças climáticas.

Por exemplo, em relação aos recursos estabelecidos, o rascunho do acordo prevê US$ 100 bilhões até 2023 para ações contra as mudanças climáticas em países em desenvolvimento. Este valor é o mesmo previsto no acordo de 2009, que não foi cumprido e hoje é visto como insuficiente, pois os problemas só aumentaram de 2009 para 2021.

Segundo, por exemplo, Carlos Nobre, “os países ricos têm colaborado muito pouco”.

Outra questão apontada por Nobre, “é que o Brasil apresentou metas desafiadoras na COP-26 e precisa “de um gigantesco esforço” para cumpri-las. O País se comprometeu a zerar o desmatamento ilegal até 2030 e reduzir as emissões de carbono e metano. As metas, porém, foram recebidas com desconfiança devido às posturas do governo na COP de 2019, que foi um entrave para as negociações”.


Que acordo, podemos dizer significativo, foi alcançado na COP 26?

Para não ficar somente dizendo que as metas foram insuficientes, a COP 26, enquanto não apresentou metas de corte de emissões compatíveis com o Acordo de Paris, líderes de mais de uma centena de países assinaram na COP26, em Glasgow, documentos em que se comprometem a deter a derrubada de florestas e a reduzir em 30% as emissões de metano até 2030.

Talvez, este seja o único ponto positivo da COP 26.


Por que seria importante e urgente chegar a um acordo substancial de redução de metas na COP 26?

Porque estamos atrasados. A ciência aponta os riscos há décadas e o último relatório do IPCC é a continuidade disso. Não falamos mais do que pode acontecer, mas do que já ocorre e do que precisamos fazer para tentar impedir que se agrave. Passar de 1,5° C de elevação de temperatura será terrível. Para evitar que isso aconteça, teríamos que reduzir as emissões em 50% até o fim desta década.


Qual a posição da sociedade? 

Primeiro, todos nós que trabalhamos com a questão ambiental, científica, etc; precisamos cada vez mais popularizar a discussão sobre o tema, incluindo a questão das mudanças climáticas.

O Brasil e o Mundo já têm um passivo ambiental, social e econômico bastante suficiente para sabermos que temos de agir, os relatórios do IPCC e outros relatórios no Brasil, como o caso dos relatórios do MAP Biomas, apontam o aumento do desmatamento dos biomas brasileiros; por exemplo, foram derrubadas 24 árvores por segundo em 2020 e a perda de 15,7% da superfície de água no Brasil.

Além disso, com a concentração de renda aumentando, temos cada vez mais uma economia voltada somente para os mais ricos, com isso, aumenta o desemprego no Brasil e o mapa da fome, portanto, sem emprego e com fome.


Como a grande maioria da sociedade irá tratar do tema ambiental e das mudanças climáticas?

É fundamental que saibamos demonstrar que tudo está interligado, ou seja, o aumento da desigualdade, o aumento da fome, termos crise hídrica e energética, termos as mudanças climáticas, acontecem pelo fato de termos um modelo de desenvolvimento que foca apenas no crescimento econômico e não no desenvolvimento humano e na sustentabilidade ambiental, social e econômica.

No centro do debate para resolvermos isso, está o modelo de desenvolvimento. A sociedade precisa ser convocada e mobilizada não só para enfrentar as questões pontuais, mas especialmente para tratar sobre qual o modelo de desenvolvimento nós queremos.

É preciso ficar claro que caso não consigamos discutir o modelo de desenvolvimento, só conseguiremos correr atrás do prejuízo, ou seja, não resolveremos os desafios de acabar com a fome, com o desemprego e os impactos das mudanças climáticas.

O modelo de desenvolvimento é o centro do debate para de fato resolvermos a questão da fome, das mudanças climáticas, do aumento do desemprego e de tantos outros que temos até hoje.


DEZEMBRO DE 2021


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

** Artigo pode ser acessado pelo link: https://origoenergia.com.br/blog/quais-as-metas-da-cop26

https://www.ipcc.ch/report/ar6/wg1/downloads/report/IPCC_AR6_WGI_Full_Report.pdf - último relatório do IPCC.

https://s3.documentcloud.org/documents/21097010/global_methane_pledge_final_text79.pdf

https://ukcop26.org/glasgow-leaders-declaration-on-forests-and-land-use/

https://mapbiomas.org/superficie-de-agua-no-brasil-reduz-15-desde-o-inicio-dos-anos-90 

https://mapbiomas.org/pais-perdeu-24-arvores-por-segundo-em-2020



 

Kakistocracia, Teoria da Estupidez e bolsonarismo

Por Marlucio Luna


A kakistocracia é definida como o país ou estado governado pelos piores, pelos menos qualificados e menos escrupulosos de seus cidadãos. A palavra deriva dos vocábulos gregos kakistoi (piores) e kratos (poder). Há dúvidas sobre quem formulou o conceito: alguns apontam o sociólogo inglês Frederick M. Lumley; outros o atribuem ao filósofo italiano Michelangelo Bovero. Independentemente de quem seja o “pai” do termo, o fato é que ele se aplica perfeitamente ao atual (des)governo brasileiro.

Desde a posse, em janeiro de 2019, Bolsonaro procurou se cercar dos piores e menos competentes quadros. Um juiz corrompido foi para o Ministério da Justiça; um diplomata alvo de chacota entre seus pares subiu ao mais alto posto do Itamaraty; o Ministério da Educação caiu nas mãos de um economista medíocre e portador de graves distúrbios no uso adequado da língua portuguesa; um defensor do desmatamento e da liberdade para exploração predatória (e ilegal) dos recursos naturais aboletou-se no comando da pasta do Meio Ambiente; um general incompetente (com perdão do pleonasmo) e sobre o qual pairam dúvidas acerca do republicanismo assumiu as rédeas do genocídio na pandemia de Covid. Isso também vale para áreas como Direitos Humanos, Cultura, Reforma Agrária e Infraestrutura, entre outras. Mas para coroar a ascensão dos ineptos ao poder, a economia nacional passou a ser pilotada por um ultra-hiper-mega-superneoliberal, mais reconhecido pela desastrosa carreira acadêmica e por ser um especialista na especulação financeira.

Os resultados dessa seleção de craques da kakistocracia podem ser vistos e sentidos nas ruas, nos supermercados, nos postos de combustíveis, nos hospitais, nas escolas e universidades públicas, na Amazônia, em toda a sociedade. O país entrou oficialmente em recessão no dia 2 de dezembro, quando o IBGE anunciou queda do PIB pelo terceiro trimestre consecutivo. A inflação acumulada nos últimos 12 meses já supera a casa dos 10% e o desemprego fechou o mês de novembro em 12,6%. A Amazônia registra sucessivos recordes de desmatamento. O Enem de 2021 teve 44% menos inscritos na comparação com o anterior, sendo que o número de candidatos pobres foi 77,4% menor. O desmonte do estado se mostra visível até para um cego. E, para quem não se impressiona com a frieza dos números, basta flanar pelas avenidas das grandes e médias cidades brasileiras. Terá a oportunidade de verificar de perto o aumento brutal do número de famílias vivendo sob marquises ou em praças.

Então, por que, diante do fracasso retumbante em todas as áreas, o (des)governo Bolsonaro ainda registra nas pesquisas de opinião a média robusta de 15% de avaliações como ótimo ou bom? A análise política, a História e a Sociologia fornecem alguns indícios que justificam o fenômeno. Entretanto, são insuficientes para explicá-lo de forma mais consistente. É aí que a Psicologia entra.

Orgulho da estupidez — O alemão Dietrich Bonhoeffer, um teólogo e membro da resistência antinazista, analisou as condições que propiciaram a ascensão de Hitler ao poder na década de 1930. Ao constatar a adesão incondicional da população alemã, incluindo a maioria das lideranças religiosas, às ideias no nacional socialismo, ele fez um alerta: “A estupidez é um inimigo pior que o mal. Diferente da estupidez, o mal tem as sementes da sua própria destruição”. Bonhoeffer acredita que, ao contrário do canalha e do mal-intencionado, o estúpido não peca pela falta de caráter ou por uma repentina perda da razão. Insere-se em uma categoria sociopsicológica, algo mais complexo — e muito mais perigoso.

O teólogo alemão recorre aos mecanismos de funcionamento do cérebro para explicar a estupidez. A mente humana atua de forma heurística, sempre buscando atalhos por meio de vieses cognitivos. A estupidez, então, se aproveita do fato de o homem ser um animal social e usa essa sociabilidade como base. Surge então o efeito rebanho. O estúpido orgulha-se de si mesmo, pois tem a chancela do grupo, de seus pares, da “sua maioria”.

A análise de Bonhoeffer sobre o período da consolidação do poder nazista e da escalada bélica alemã mostra como a estupidez funciona no sentido de tornar “naturais” ideias já ultrapassadas pela civilização. Qualquer semelhança com os tempos atuais na frágil democracia brasileira não será mera coincidência.

“Contra o estúpido não temos defesa. Nem os protestos nem a força podem afetá-lo. O raciocínio é inútil. Fatos que contradizem preconceitos pessoais podem simplesmente ser desacreditados — na verdade, ele pode contra-atacar criticando-os e, se forem inegáveis, podem simplesmente ser deixados de lado como exceções triviais. Portanto, o estúpido, diferentemente do canalha, está completamente satisfeito consigo mesmo. (...) Nunca mais tentaremos persuadir a pessoa estúpida com razões, pois isso é sem sentido e perigoso.”

Desta forma, quando o grupo age de forma estúpida, o indivíduo se sente empoderado e se orgulha de sua própria condição. Respostas simples para questões complexas lhe bastam. A repetição de slogans, clichês e chavões sem qualquer conexão com a verdade alimenta o comportamento do rebanho. No fundo, apenas reproduzem a escalada irracional de compromisso, conceito psicanalítico que aponta a persistência em uma decisão que já causou prejuízos à pessoa apenas por já ter investido muito nessa decisão.

O bolsonarismo se alimenta do comportamento de rebanho e, principalmente, da estupidez enraizada nos seguidores do incapaz inquilino do Palácio do Planalto. Eles interditam o debate e saúdam a kakistocracia em vigor como a “salvação” contra as ameaças de sempre: comunismo, destruição dos valores tradicionais — tais como pátria, família, cristianismo — o perigo do globalismo, entre outros despropósitos carentes de qualquer fundamento lógico.

Mais uma vez, Bonhoeffer traça o perfil do estúpido, o nazista raiz — figura hoje tida como caricata, porém extremamente semelhante àquele tio do churrasco da família ou àquele colega de trabalho que se informa apenas pelos grupos de WhatsApp.

“Em uma conversa com ele, quase se sente que não se trata de maneira alguma de uma pessoa, mas de slogans e coisas do gênero que se apoderaram dele. Ele está enfeitiçado, cego, maltratado e abusado em seu próprio ser. Tendo assim se tornado uma ferramenta irracional, a pessoa estúpida também será capaz de qualquer mal e ao mesmo tempo incapaz de ver que isso é mau.”

Fenômeno expandido — A kakistocracia bolsonarista é filha dileta do governo Trump. Representa cópia fidedigna do modelo gestado nas eleições de 2016 nos Estados Unidos — desde as estratégias torpes da campanha presidencial até a fixação pela escolha dos piores quadros. O discurso calcado na “pós-verdade”, um eufemismo para mentiras descaradas, também é um pastiche das ideias disseminadas por Donald Trump.

Bolsonaro colocou no mesmo patamar “verdade” e “mentira”. Fatos, dados estatísticos, evidências científicas, estudos, nada disso importa para esses 15% de fiéis seguidores, os estúpidos aos quais Bonhoeffer se referiu. O país chegou a um nível tão baixo que, comparando-se as equipes ministeriais, até o governo golpista de Michel Temer parece uma reunião de luminares.

O economista italiano Carlos Cipolla, em seu livro “As leis básicas da estupidez humana”, parte do pensamento de Bonhoeffer para diferenciar os “bandidos” (não no sentido estritamente criminal da palavra) dos estúpidos. No primeiro caso, os indivíduos desfrutam diretamente de vantagens materiais ou pessoais derivadas de ações indevidas. Estes são os beneficiários — e muitas vezes os líderes — do sistema kakistocrático. Já “estúpido” causa transtornos sem qualquer ganho para si, tendo apenas a satisfação de ostentar a estupidez e se sentir parte o rebanho. 

O “bandido” se utiliza de ferramentas como boatos, discursos de ódio, discriminação e assédio para atacar seus opositores. Já o estúpido as reproduz de forma automática, sem qualquer tipo de análise racional sobre a veracidade do que dissemina. O fato de isso gerar ganhos e vantagens a terceiros não importa para o membro do rebanho. Ele se compraz em buscar a anulação da opinião divergente, daquele que não se parece com ele ou o silenciamento de quem não compartilha a sua estupidez.

Este modelo de governo inepto e corrupto, baseado em ataques à democracia e no desprezo pelas mais elementares noções de respeito à dignidade humana, continua sendo “ótimo/bom” para um vasto contingente de eleitores. Buscar o debate com os zumbis bolsonaristas, além de ineficaz, pode estimular o recrudescimento da violência latente no rebanho. 

Bonhoeffer terminou seus dias no campo de concentração de Flossenbürg. Foi enforcado uma semana antes da libertação dos prisioneiros pelas tropas aliadas. Naquele momento, os alemães já tinham percebido o erro cometido. No entanto, “os 15%” de Hitler continuavam fiéis ao führer e ainda dispostos a seguir o rebanho, “a sua maioria”. Não será diferente com o gado bolsonarista. Mesmo com a provável derrota eleitoral, permanecerão defendendo empedernidamente a kakistocracia. Se necessário, recorrerão a qualquer expediente ilegal, ilícito ou imoral. Afinal de contas, apenas a “verdade” deles pode prevalecer.

O próximo ano, ao contrário das visões otimistas da parcela significativa das forças progressistas, será duro. Seria bom não esquecer do alerta que Dante colocou na entrada do inferno: “Abandone toda a esperança aquele que por aqui entrar”.

A urgência de uma reforma agrária ampla no Brasil

Por Mario Lucio Machado Melo Junior

Esse assunto é tão complexo e profundo, envolto em nebulosos preconceitos que, só ao falar as palavras “REFORMA” e “AGRÁRIA”, as pessoas viram a página ou ensurdecem,  certamente achando que já sabem tudo, pois sua formação ideológica já tem um rótulo para isso, levando a um ledo engano.

A proposta de reforma agrária, resumidamente, surgiu na Europa, no período de transição entre o feudalismo monárquico e o republicanismo burguês, da luta direta entre os senhores feudais e seus vassalos pela posse do meio de produção de alimentos, vulgarmente chamada de TERRA. Sabemos o resultado dessa disputa: os senhores feudais perderam seu domínio político, econômico e social e os governos republicanos da Europa, agora nas mãos da burguesia comercial e industrial promoveram, entre outras ações, a reforma agrária em seus territórios, que provocou uma revolução tecnológica, industrial, trazendo riqueza, conforto, saúde e educação, principalmente para as populações urbanas, mas indiretamente e em menor grau para as rurais.

Em muitas das colônias europeias, isso também ocorreu, como nos Estados Unidos da América, Austrália e Nova Zelândia, que promoveram a ocupação de seus territórios, buscando aumentar sua base de produção de alimentos, criando um mercado consumidor de produtos industrializados, obviamente alcançando um rápido processo de desenvolvimento econômico e social. No Brasil, como é fácil de observar, nem a ocupação do campo e a distribuição das terras ocorreu dessa forma. Hoje, a “burguesia” brasileira diz que reforma agrária é sinônimo de socialismo = comunismo, como se a propriedade individual da terra fosse uma coletivização da apropriação do meio de produção. Esses, precisam estudar melhor o que é o capitalismo. 

Já os “socialistas” afirmam que é um processo social revolucionário, como se no comunismo a propriedade das terras não fosse coletiva, do Estado, e só o trabalho individual. Esses precisam estudar melhor o que é o socialismo. Em resumo, esses argumentos, da maneira como são apresentados, revelam generalizações “ideologizadas” (no mundo do imaginário), totalmente desprovidos de fundamentação lógica real.

No Brasil

Aqui no Brasil a luta pela reforma agrária foi capitaneada pelos trabalhadores rurais superexplorados pelos latifundiários, organizados em seus sindicatos; pelos filhos de pequenos produtores rurais em seus minifúndios, principalmente no sul do país, procurando novas fronteiras agrícolas; pelas militância das pastorais de igrejas cristãs em todo o país, buscando uma solução idílica e utópica; e por pessoas pobres, miseráveis, excluídas de todas as oportunidades de acesso a qualquer meio de produção, fora da pirâmide econômica. Ponha-se no lugar dessas pessoas olhando para todos os latifúndios improdutivos do país e o mar de terras devolutas da União, sem nenhum uso produtivo e eles, habituados a produzir para outros, sem nenhuma oportunidade de entrar, pacificamente, nesse processo. 

Do outro lado está a elite agrária do país, formada por pessoas herdeiras de grandes latifúndios originários do processo de colonização e sustentáculos dos nobres escravocratas do império, bem como de novos grileiros de terras devolutas da União, visando à ocupação de vastas áreas com gado criado extensivamente ou à produção vegetal em larga escala, de produtos voltados para a exportação.

Está aí formada a equação matemática para: a) prosperidade, distribuição de riquezas, fortalecimento social da nação, dignidade cidadã, segurança alimentar; ou b) pobreza, exclusão econômica, concentração de renda, conflitos sangrentos, entre outros.

A reforma agrária é um fato concreto, deve fazer parte de um projeto político nacional para o seu desenvolvimento, deve ser uma decisão tomada conscientemente pela sociedade, com prazos, metas e propósitos definidos. Os resultados devem ser avaliados e as políticas públicas de investimento na infraestrutura e demais meios de apoio devem ocorrer simultaneamente, sem atrasos e descompassos. 

Os ideólogos podem disputar as mobilizações pró ou contra as propostas que acharem corretas e justas, aliás como sempre foi feito na história da humanidade, porém reduzir o destino de uma grande parcela da população brasileira a um cabo de guerra, num jogo de palavras desprovido de sentido fático, ultrapassa os limites do razoável, sensato e aceitável. Por tais motivos, estou absolutamente convencido da importância e urgência de uma reforma agrária para o rápido desenvolvimento econômico, social e político do país, o que certamente possibilitará um aumento de nossas consciências e experiências para alcançarmos formas e estágios de organização superiores, mais condizentes com nossa existência humana. 

Agricultura familiar

Muito bem, se o que já foi apresentado não é suficiente para você entender a importância da reforma agrária, aqui vai o último e mais importante argumento. A agricultura altamente tecnificada, mecanizada, consumidora de insumos importados controlados pelas multinacionais, voltada para a exportação bruta de comodities, que não são consumidas aqui no Brasil, promove riquezas para uma pequena elite que domina o poder político no congresso nacional com a famosa bancada ruralista. 

Já a agricultura familiar é alicerçada no trabalho familiar, com máquinas de pequeno porte, respeitando o meio ambiente, consumindo insumos produzidos em pequena escala de resíduos de outros processos produtivos e integrados da própria propriedade, empregando milhares de pessoas em suas cadeias produtivas e consumidoras. O mais importante é que gera mais de 70% de todos os alimentos consumidos na mesa da população, distribuindo renda e promovendo a segurança alimentar. Sabe o que é o dínamo alimentador da agricultura familiar? A Reforma Agrária!!!

Nos próximos artigos vamos discutir as formas de produção agrícola existentes e como elas impactam o meio ambiente e a saúde de toda a sociedade. Como promover a segurança alimentar da população e o acesso de todos, a preços justos.

A saúde e o meio ambiente

Por Sylvio da Costa Junior

A saúde como campo de pesquisa e trabalho dialoga com um conjunto de áreas que fogem do escopo strictu sensu da saúde, propriamente dita. A saúde quando olha apenas para si mesma se reduz ao campo da prática clinica, com suas condutas, protocolos e manejos assistenciais. Porém, não se faz saúde pública sem dialogar com o campo da educação, com o campo do meio ambiente, com o campo da economia e etc.

Como bem colocada em nossa Constituição Federal, no Artigo 196: “A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas SOCIAIS e ECONÔMICAS que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”. Ou seja, não se faz nem se produz saúde sem olharmos e dialogarmos com outras áreas distantes, em um primeiro olhar, com a prática clínica. 

Exemplos para isso não faltam, entre os quais podemos citar a mortalidade materna ou as cáries dentais. Na mortalidade materna, a variável que mais influi no aumento do indicador é o grau de escolaridade da mãe. Quanto menor a escolaridade da mãe, maior a mortalidade materna; assim como a cárie dentária, quanto menor o grau de escolaridade do indivíduo, maior a prevalência de cárie dental. Ou seja, duas variáveis fora do escopo da saúde com claros marcadores sobre não apenas a saúde da população, mas com desdobramentos sobre a organização dos serviços de saúde. 

Principais ameaças — Isto posto, estamos há varias décadas convivendo com epidemias causadas pela expansão da vida humana sobre o meio ambiente, que vai desde do aumento das grandes cidades até a alimentação de animais nem sempre próprios para o consumo humano. Como diria Monteiro Lobato no conto “Cidades Mortas”, o Brasil não é um pais de grandes animais, grandes mamíferos ou enormes predadores, como os países africanos ou nos campos gelados da Rússia, aqui nossas florestas têm como principais ameaças ao homem animais diminutos, pequenos, como mosquitos e fungos. Nossas grandes e exuberantes florestas quentes e úmidas são meios naturais e milenares de um enorme conjunto de arbovirus (vírus que naturalmente vivem em artrópodes ou mosquitos). 

A ampliação desordenada sobre a floresta provocou no inicio do século XX a famosa guerra da vacina, uma guerra contra a rápida expansão da febre amarela silvestre, principalmente na cidade do Rio de Janeiro. Passados mais de cem anos, hoje a febre amarela é uma doença endêmica na região Centro-Oeste e na Amazônia. O que dizer então da dengue? Mosquito da fauna silvestre que, quando contaminado pelo vírus da dengue, não só tem levado a população ao sofrimento, e até a morte, como desorganizado sistemas municipais de saúde em surtos quase sempre nos meses de março e abril. 

Há mais exemplos, como chikungunya e zika, vírus transmitido pelo mesmo mosquito da dengue. Hoje a região da Serra do Mar, que vai do litoral do Paraná até o Rio de Janeiro, pode ser considerada uma região endêmica dessas arbovirozes. Vieram para ficar.

Viemos há quase dois anos uma pandemia por Covid-19, que foi precedida por duas outras —Sars e Mers, com origens similares: o consumo e convívio com animais sem a devida avaliação sanitária, onde mais uma vez o meio ambiente, em seus animais silvestres e nativos, convivem de maneira nada harmoniosa com a espécie humana.

Qualquer um que tenha vivido os anos de 2020 e 2021 sabe o custo da sanha humana sobre o meio ambiente para os sistemas de saúde, para a economia e em vidas perdidas. A Covid-19 é uma doença que também veio para ficar. Doença respiratória, de fácil transmissão e adaptada nossa espécie. Mais uma de dezenas, porém nada nos aponta que será a última. 

Não vivemos no planeta Terra, somos o planeta Terra, assim como todas as formas de vida aqui existentes. Assim, não é sábio a expansão desenfreada sobre a natureza, quer pelo avanço criminoso sobre a florestas para criação de gado ou quer pela falta de planejamento sobre a vegetação nativa das grandes cidades, para citar dois exemplos bem brasileiros. Para citar um exemplo brasileiro mais atual ainda, é um péssimo caminho nosso atual presidente (infelizmente) incentivar o garimpo ilegal na região Amazônica, com destruição da floresta e despejo de metais pesados, como mercúrio, nos rios da região. 

Degradação ambiental — Reforçando essa tese, no 11º Congresso Brasileiro de Epidemiologia da Associação Brasileira de Saúde Coletiva Abrasco), realizado nos dias 18 e 19 de novembro, foi divulgado um documento intitulado “Carta dos Epidemiologistas à População Brasileira”, no qual são denunciados os riscos à sociedade brasileira e à sociedade global os crimes ao meio ambiente promovidos pelo governo protofascista brasileiro, e suas as consequências reais para saúde e para vida.

Não temos outra casa, não temos outro planeta e não temos saída, senão a convivência harmoniosa com todas as formas de vida aqui existentes. A saúde sozinha não dá conta de cuidar das pessoas adoecidas pela degradação ambiental provocada pelo homem. Indo mais além: ou revemos nosso modo de produção capitalista ou seremos mais um animal em vias de extinção. 

Nosso modo de produção capitalista, gerador de uma irracional poluição que atinge a todos, promotor de um claro esgotamento de nossos recursos naturais e, principalmente, pai da miséria e pobreza econômica da maioria da população do planeta, está nos levando ao penhasco, a todos, sem exceção, até mesmo aos pouquíssimos beneficiados pelo capitalismo global, hoje altamente financeirizado. Não há investimento em saúde que dê conta de cuidar dos doentes advindos da ganância do modo de capitalista, no qual a ética do individual se sobrepõe a ética do coletivo.

O homem pode ser extinto do planeta, mas a vida não. A vida é mais ampla e de infinitas possibilidades.