quinta-feira, 17 de junho de 2021

Existe um mito no Brasil e ele não é o presidente da República

Ilustração Clóvis Lima

Por Leandro Marins Sarmento

A filósofa brasileira Marilena Chauí nos ajuda a entender que um mito, mais do que um herói com feitos alegóricos, fantásticos e inimagináveis, pode ser compreendido no seu sentido antropológico, em que a “narrativa é a solução imaginária para tensões, conflitos e contradições que não encontram caminhos para serem resolvidos no nível da realidade.” Um mito é uma narrativa que tem um vínculo com o passado e se mantém de forma tênue no presente. Vai além do que um único evento histórico pode explicar. A psicanálise também justifica como “um impulso à repetição de algo imaginário, que cria um bloqueio à percepção da realidade e impede lidar com ela.

Cabe aqui, ainda, um breve parênteses. O diálogo é a arte dos contrários, do grego dia, por intermédio de, e logos, que significa palavra. Mais do que por meio das palavras, o significado da palavra diálogo pode ser concebido pela mediação entre pessoas, grupos sociais, instituições. Esse conceito nos ajuda a entender o que significa a Dialética. Nos estudos das Ciências Sociais, de forma bem resumida, podemos admitir a evolução do pensamento teórico e metodológico partindo do positivismo, passando pelo historicismo e chegando até ao marxismo, ou materialismo dialético. Todo referencial teórico evolui a partir desses três paradigmas e possui também “fertilizações recíprocas” de modo de ver o mundo.

O historicismo partia da crítica ao positivismo clássico de causa e efeito, de ação-reação, do modo de observar a sociedade a partir das mesmas regras que podemos observar as Ciências Naturais.  O progresso moral e científico e a hierarquização do conhecimento eram nortes para Auguste Comte (1798-1857), que o movimento historicista criticava. Para os historicistas, todas as experiências sociais poderiam ser respondidas pela sua história. Repare, há aqui uma oposição entre a razão científica e a razão histórica. Tanto uma quanto a outra, não conseguem responder às multiplicidades de fatores que uma experiência humana possibilita para o decorrer do processo histórico. O pensamento positivista, por tentar ordenar e hierarquizar o conhecimento e o historicismo por não compreender que, nas Ciências Sociais, o gênero humano é o observador e o objeto em si. 

A dialética supera essa dicotomia por conceber a contradição como o real observável. Para a dialética materialista, por exemplo, as contradições não são antagônicas e, dependendo do modo de ver - princípio do mirante, Michael Löwy, se complementam. O materialismo dialético propõe observar a paisagem, percebê-la na simplicidade, de forma imediata, à primeira vista. Em um segundo momento, a dialética convida o observador a percorrer o trabalho para além da intuição. Estamos agora experimentando diferentes pontos de vista. O que há por detrás daquela casa de janelas azul e chaminé da tela? Se o pintor não se der ao trabalho de percorrer outros horizontes, outros mirantes, jamais vai descobrir.

A razão de perceber o que há para além do ponto de partida é a centralidade do pensamento dialético materialista. Ou seja, o marxismo admite ponto de vista, ainda que os órfãos de Stalin não admitam. Fecha parênteses.

Perceber as forças armadas brasileiras ou as instituições militares como instituições de Estado, com respeito e obediência plena à Constituição cidadã de 1988 é um equívoco (do ponto de vista positivista, historicista e dialético) que acomete grande parcela da sociedade brasileira e até da esquerda. É uma narrativa sem qualquer relação com a realidade. Ou seja, um mito. A nossa República, coisa pública, governada para todos, foi fundada a partir da queda da monarquia em um arranjo entre a oligarquia (aristocracia agrária), pequenos comerciantes provincianos e, para surpresa da mitologia em questão, dos militares. O primeiro presidente da nossa democracia foi, para espanto das mesas, um militar. Marechal Manuel Deodoro da Fonseca, entusiasta do positivismo de Comte e que perpetuou o pensamento por gerações na escola militar brasileira.

Florestan Fernandes, no brilhante “Revolução Burguesa” (1976), aponta que, diferente das experiências revolucionárias na América e na Europa, a queda da monarquia não se deu por uma ruptura com a oligarquia. Ou seja, a classe burguesa no Brasil - para reforçar, pequenos comerciantes provincianos e o movimento tenentista, não “assume o papel de paladina da civilização ou de instrumento de modernidade”. Ela não rompe com o passado, com a aristocracia agrária escravista, com a oligarquia das províncias e, deste modo, não rompe com o Estado, se apropria dele deixando a maioria da sociedade brasileira às margens de todo o processo de desenvolvimento da novidade da democracia.

Para o professor Lincoln de Araújo Santos, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, fazendo uso político do monopólio da força coercitiva, a instituição militar assumiu durante a história da nossa República, “a função importante na condução do país e, mais uma vez, acentuando o projeto autoritário de nação”.

A partir da nossa Revolução Burguesa às avessas, sejamos diretos: por uma ideia de nação, onde a maioria da população está excluída, condenada a trabalhar e gerar riqueza para uma minoria dirigente, a instituição militar golpeia a república cercando o palácio Guanabara em outubro de 1930, prendendo o então presidente Washington Luís. Com Vargas, em novembro de 1937, fecham as casas legislativas e decretam a ditadura do Estado Novo. Depois do protagonismo de 37, Vargas vira alvo dos militares e renuncia em 1945, quando os tanques apontaram seus canhões para a residência presidencial. Não podemos perder a conta: Fundação da República, Golpe de 1930, interferência direta em 1945 e não paramos de contar e ordenar as ações das instituições brasileiras contra a própria república. Do ponto de vista positivista, mito.

A última grande contribuição dos militares para o desenvolvimento da nossa democracia foi o golpe de 1964 e a gestão desastrosa dos 21 anos de ditadura que perseguiu, prendeu, torturou, estuprou, matou e sumiu com significativa parcela do seu próprio povo. É nesse momento que os militares forjaram a narrativa absurda de “revolução democrática”, “democracia relativa”, “golpe preventivo”, que sustenta toda a narrativa de instituição em defesa do povo brasileiro, instituição de Estado, “braço forte, mão amiga”. Até hoje a data é comemorada como data oficial nos quartéis militares. Todos os anos, a ordem do dia 31 de março é comemorar os incontáveis crimes contra a humanidade. Do ponto de vista historicista, mito. Covarde, mas ainda um mito.

Vejam, não estamos contando as inúmeras tentativas de golpes malsucedidas, interferências militares no Executivo, legislativo e até no Judiciário como a ameaça ao STF admitida pelo General Villas Boas às vésperas do julgamento do habeas corpus de Lula pela corte “suprema”. Nem mesmo fizemos qualquer referência às invasões e mortes nas comunidades populares Brasil adentro pelas operações das polícias militares. Só estamos falando dos comportamentos oficiais, institucionais das forças armadas enquanto “instituições de Estado”.

Agora, aqui um alerta, precisamos olhar para a história e perceber onde estamos neste momento. Perceber como essa narrativa fora da realidade nos aprisiona ao passado e nos impossibilita de falar por nós. De sermos sujeitos de nossas próprias vidas. No último dia 6 de junho, o Exército brasileiro impôs 100 anos de sigilo ao processo em que a justiça militar absolveu o ex-ministro Eduardo Pazuello das acusações de crime militar. O que de tão grave pode ter ocorrido nesse julgamento? Porque uma instituição que se coloca a serviço de seu povo se esconde de forma medíocre? O que foi dito e que o povo não pode saber?

Em 1954, os militares realizaram o Inquérito policial Militar para apurar o assassinato do major Rubens Florentino Vaz no atrapalhado atentado ao Carlos Lacerda e opositor de Vargas.  A investigação caberia à Polícia Civil, mas os militares tomaram as investigações para o seu comando e, de forma autônoma, desenharam o golpe nos salões do Clube da Aeronáutica, informando o resultado do inquérito primeiro às Forças. No mesmo local, assinaram um manifesto exigindo a renúncia do Presidente da República. Como sabemos, Vargas adiou a escalada autoritária com um tiro no peito. Os militares recuaram diante da revolta popular que tomou as ruas. 

Hoje, a instituição militar se vê refém de suas próprias narrativas, o anacronismo das forças armadas brasileiras é flagrante e vai de encontro aos anseios de um governo completamente descolado da trágica realidade do povo brasileiro. Em 1954, uma morte causou uma revolta popular e puseram fim ao projeto autoritário de uma instituição derrotada por suas próprias limitações. Em 2021 não temos um suicídio. Temos, até o dia 9 de junho, 477 mil mortes.

 Não há, na história do nosso processo de democratização, uma única fonte que sustente a tese de que a instituição militar se qualifique como uma instituição a serviço da democracia. As Forças Armadas não estão acovardadas, não estão se apequenando, não estão sendo usadas por um projeto autoritário de um aventureiro idiotizado subletrado. Os militares se confundem com o projeto bolsonarista. Não é risível, como alguns companheiros escolheram adjetivar, a condição de avalista que as Forças Armadas se apresentam ao bolsonarismo, não é surpresa a participação dos militares em todas as desventuras da nossa democracia. Não é patético o Eduardo Pazuello ser considerado um especialista em logística, é uma tragédia institucional o Exército Brasileiro formar quadros a partir de um marco filosófico do século XIX. O Exército Brasileiro é um mito. Do ponto de vista dialético, não mais que um mito.

O pensamento social das Forças Armadas precisa ser modernizado, precisamos de uma profunda reforma das nossas forças armadas, que estejam em dia com seu papel constitucional e com as reais necessidades da sociedade brasileira. Não cabe mais, no mundo moderno, negar uma pandemia, negar o conhecimento científico, negar a maior crise climática do planeta, negar o direito à vida e à liberdade. A democracia é um processo, não um fim. O cientista político Luís Felipe Miguel, da UnB, gosta de usar Gilberto Gil para dizer que “estamos vivendo as ruínas de uma democracia em construção!”. Do meu ponto de vista, até o dia em que eu puder dizer, a democracia nunca recua, não encontra barreiras, não teme por suas contradições, não vai ser uma instituição estagnada nas suas limitações, e que não entende o próprio papel constitucional, que poderá interromper o processo histórico. Não conseguiram ontem, com as armas. Não conseguirão amanhã, sem Educação.


REFERÊNCIAS:

BARROS, José D´Assunção. A Construção da teoria nas Ciências Sociais. Petrópolis, 2018.

CHAUÍ, Marilena. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo. Coleção História do Povo Brasileiro, 2000.

FERNANDES, Florestan. A Revolução Burguesa no Brasil. 1976. São Paulo.

LÖWY, Michael. As Aventuras de Karl Marx contra o Barão de Münchhausen,. São Paulo: Editora Cortez. 1998.

Memorial da Democracia, Instituto Lula, Fundação Perseu Abramo. Acesso em 09/06/2021. Memorial da Democracia


quarta-feira, 16 de junho de 2021

Brasil é mesmo “o país das cantoras”?

 

Ilustração Mani Ceiba


Chris Fuscaldo e Leandro Souto Maior 


Muito se diz que o Brasil é o país das cantoras, mas quase nunca se pergunta se isso de fato é uma verdade, e raramente se analisa o contexto no qual as mulheres se inserem no mercado da música brasileira. As cantoras que se destacaram ao longo da história surgiram com tanta força que acabaram chamando muito a atenção, a começar pelas mulheres que desfilavam suas vozes exuberantes nas rádio, as famosas “cantoras do rádio”, passando por Elis Regina, Maria Bethânia e, tempos depois, Ivete Sangalo e tantas outras intérpretes que fizeram a crítica nos convencer de que vivíamos no “país das cantoras”.  

Fato é que sentimos um imenso carinho pelas vozes femininas que embalaram nossas vidas, mas a verdade nua e crua é que o Brasil não é o país das cantoras. No nosso país, as mulheres são menos de 8% dos arrecadadores de direitos autorais, segundo dados de 2020 do ECAD (Escritório Central de Arrecadação e Distribuição). Esses dados dão conta de todo tipo de profissional da música, mas afunilando para cantoras e compositoras, a porcentagem muda muito pouco e segue abaixo dos 8%. Isso nos mostra que as mulheres se destacam como intérpretes, mas mesmo assim ainda não ocupam os mesmos espaços de protagonismo que os artistas do sexo masculino. 

A maior parte das cantoras foi historicamente tratada como “musa”, mulheres que brilham na frente do palco. Muitas bandas querem ter uma mulher à frente porque mulheres chamam a atenção pela beleza, pela atitude, pelo figurino... É isso que muitos músicos esperam de uma mulher, e não exatamente uma voz ativa. Por que as mulheres têm que usar a própria imagem, mas são tão impedidas de produzir, compor, tocar? As mulheres sofreram para fazer valer suas vontades, isso sem falar que muitas ainda eram apagadas por seus companheiros, ouviam comentários ofensivos de familiares e eram tratadas com preconceito em reportagens tendenciosas. 

Chiquinha Gonzaga

A primeira delas foi Chiquinha Gonzaga, que no início do século XIX precisou abrir mão da família para conseguir impor seu talento, chegando a ser a primeira mulher a reger uma orquestra no Brasil. Compositora e pianista popular quando essas áreas eram reservadas aos homens, além de ter participado do movimento pela libertação dos escravos através de sua música, vendendo suas partituras para angariar fundos destinados à causa, Chiquinha foi a responsável pela criação da primeira associação de arrecadação de direitos autorais no Brasil. A pianista não cantava – só tocava – mas até hoje mulheres e homens devem agradecer a ela por terem lucro pela execução de suas composições. Tudo isso, ela fez lutando, claro. 

Marlene, uma das mais famosas cantoras da história da música brasileira, cantava na rádio escondida. Quando a mãe descobriu, levou uma surra: “Você é a vergonha da família. Artista, você. Isso é até pecado”, dizia a mãe, enquanto batia nela. Marlene tinha 19 anos e vivia em uma época na qual se acreditava que mulher que se dedicasse a este tipo de atividade não passava de uma prostituta. Ela acabou fugindo de casa. Na história do samba, também tentaram esconder as mulheres: Dona Ivone Lara, primeira mulher compositora de samba-enredo cantado na avenida, teve suas primeiras composições creditadas como sendo de seu primo, mestre Fuleiro. 

No rock, território predominantemente masculino, Rita Lee foi expulsa dos Mutantes por Arnaldo Baptista, baixista e seu marido na época. “Machismo? Sim, havia muito. E ainda existe, ainda que mais velado”, diz a pioneira guitarrista Lucinha Turnbull, que sabe do que está falando: em um universo repleto de rapazes, ela desbravou e fez história como o grande nome feminino da guitarra brasileira.

Maysa

A cantora Maysa foi outra que teve que escolher entre vida pessoal e profissional quando começou, na década de 1950. A cantora Joyce, em 1967, apresentou a autoral Me disseram em um festival da canção e foi vaiada por sua letra feminista. Era uma época em que as mulheres ainda não tinham voz como compositoras. Como instrumentistas, a coisa piorava: a própria Joyce conta que a vida inteira ouve as pessoas falarem que ela “toca que nem homem”. 

Anastácia, que foi namorada e parceira de Dominguinhos, antes via seu primeiro companheiro, que era também seu produtor, rasgar suas composições e jogá-las no lixo. A forrozeira era tinhosa e remendava os pedaços de papel. Já para Roberta Miranda, muitas vezes foi oferecido o registro de sua composição por alguma dupla famosa em troca de ela incluir o crédito de mais alguém na canção. Ela nunca aceitou e isso tornou sua jornada mais difícil no mundo sertanejo. 

A história dessas mulheres que se destacaram mostra uma série de dificuldades que elas passaram para conseguir viver de música (e terem que aceitar que o lugar canônico não era para elas). A revista Rolling Stone Brasil publicou em 2017 uma lista dos 100 maiores artistas da música brasileira, apenas 16 eram mulheres. O meio musical é machista e nunca foi um espaço livre para as mulheres, reflexo da nossa sociedade patriarcal. E o preconceito se alastra: até as jornalistas mulheres têm seu profissionalismo contestado, eventualmente são tratadas como groupies e assediadas sexualmente ou moralmente por integrantes de bandas, produtores e até seus próprios colegas de trabalho. 

Oito por cento ainda é muito pouco. O que podemos fazer para mudar essa realidade? Primeiro, parar para pensar na relevância das mulheres e, simplesmente, respeitá-las e considerá-las para novas oportunidades de trabalho. O resto, vamos debatendo depois. Esse é um assunto que não acaba aqui.

Ilustração Cristovão Villela

Quantas mulheres você tem na estante?

Ilustração Cacinho


Por Giovana Damaceno

Inicio este texto com um título nada original. Ele é copiado de uma campanha que poucos anos atrás chamava a atenção de leitoras e leitores sobre a autoria feminina e suas várias ausências, além das prateleiras domésticas. Foi dessa forma que o Leia Mulheres começou um trabalho que já tem sete anos, está consolidado no país e tende a crescer, pois estimula braços em todos os municípios. 

Em 2014, com a escritora Joanna Walsh, o projeto consistia basicamente em conclamar a todos e todas a lerem mais escritoras, já que no restrito mercado editorial mulheres não possuem tanta visibilidade. A partir de 2015, Juliana Gomes, Juliana Leuenroth e Michelle Henriques levaram o Leia Mulheres para espaços físicos, como livrarias e casas de cultura. Hoje, homens e mulheres leem mulheres em cerca de 150 municípios de todos os estados brasileiros e, ainda, na Alemanha, Portugal e Suíça.

Pelo mesmo motivo de ausência da mulher na literatura, foi fundado no Brasil, em 2017, o Movimento Feminista Literário Mulherio das Letras, que atualmente conta com mais de sete mil integrantes, todas escritoras, profissionais de Letras ou que fazem parte da produção de livros, como capistas, designers, diagramadoras, ilustradoras, editoras, etc. 

O Movimento foi fundado por um grupo de escritoras, reunidas em Paraty durante a Festa Literária Internacional (Flip) de 2016, convictas de que não só as autoras eram menos contempladas no mercado literário, como tinham menor visibilidade e não eram convidadas para os grandes eventos, até hoje dominados e ocupados por homens. Já no ano seguinte o movimento reuniu mais de quinhentas escritoras em um primeiro encontro nacional, em João Pessoa/PB e não parou mais. Teve encontro em 2018, em Guarujá/SP e, em 2019, em Natal/RN. Em 2020, por causa da pandemia, o encontro aconteceu on line. 

O Mulherio das Letras não tem coordenadora. Funciona de modo coletivo e horizontal e os eventos são discutidos e decididos por meio de enquetes em um grupão fechado no Facebook, exclusivo para mulheres. Há ainda grupos regionais no Brasil e no exterior, que desenvolvem suas atividades individual e autonomamente.

Movimentos e projetos como o Leia Mulheres e o Mulherio das Letras vêm surgindo cada vez mais e com maior força nos últimos anos, motivados pela constatação de que a literatura no Brasil ainda é refém do machismo estrutural. E há registro sério a respeito. Pesquisa iniciada em 2003 pelo Grupo de Estudos em Literatura Brasileira Contemporânea da Universidade de Brasília, coordenada pela professora Regina Dalcastagnè, concluiu que o perfil do autor de romances no país, publicado pelas grandes editoras (Record, Companhia das Letras e Rocco), manteve-se o mesmo por mais de quarenta anos: esse autor é homem, branco, de classe média, nascido no eixo Rio-São Paulo. Os narradores também estão no mesmo lugar em que estão seus autores, sejam protagonistas ou coadjuvantes, na maioria são homens, brancos, de classe média, heterossexuais e moradores de grandes cidades.


Os resultados da primeira etapa da pesquisa foram divulgados em 2005 e os da segunda etapa em 2018. Foram analisados 692 romances escritos por 383 autores, nos períodos de 1965 a 1979, de 1990 a 2004 e de 2005 a 2014. Os percentuais não surpreendem, no entanto chocam, por se tratar de um registro documental de uma realidade ainda difícil de ser mudada e, pior, ainda negada inclusive por editores.

De 1965 a 1979 foram 82,6% de autores homens contra 17,4% de autoras mulheres; de 1990 a 2004 a maioria masculina baixa para 72,7% contra 27,3% de autoras mulheres; e de 2005 a 2014 livros publicados por homens ficaram em 70,6% e de mulheres em 29,4%. Entre as protagonistas, mulheres também são minoria, e mulheres negras, tanto na posição de autoras como na de personagens protagonistas aparecem abaixo de 10%. Personagens negros, principalmente mulheres, ainda aparecem como serviçais. Os autores são majoritariamente do Rio de Janeiro (33%), São Paulo (27%) e Rio Grande do Sul (9%). 

Registros como esse existem para que mulheres que escrevem – e também as que leem – tenham conhecimento do lugar que (não) ocupam e saibam que necessitam lutar bravamente para garantir no mínimo o que lhe é de direito: o de poder publicar sua(s) obra(s). Em 2015, por exemplo, a escritora Catherine Nichols, depois de ser rejeitada em diversas editoras, resolveu enviar o manuscrito de seu livro sob o pseudônimo de George. Recebeu oito respostas positivas. Nas festas literárias com grande cobertura da imprensa nacional, quando uma mulher é o foco, nunca é pela qualidade do seu trabalho e, sim, pelos atributos físicos. Torna-se musa do evento e ganha fotos de seu rosto e corpo nos jornais, ao invés das capas de seus livros. 

Milhares de mulheres têm dificuldade de escrever/publicar por causa das jornadas domésticas. Tantas outras não alcançam uma editora pelo simples fato de serem mulheres – sim, acontece! Livros escritos por mulheres ainda são considerados literatura feminina, no sentido de romântico, desinteressante para o mercado, sem qualidade literária que assegure sucesso de vendas. 

Convido você, leitora(or) que passe a reparar nos convites/divulgação de eventos literários: quantos homens e mulheres são convidados para as discussões? Há equidade? Com certeza ainda não e muitos esforços são feitos – por mulheres, é claro! – para mudar essa realidade, com pouco sucesso. Leitoras(es) podem colaborar com essas mudanças conferindo suas estantes e equilibrar suas listas de leituras. Quanto mais livros de mulheres são vendidos, maior a visibilidade das autoras e maior será a valorização delas na produção editorial. 


DIA DOS NAMORADOS

Ilustração Cristovão Villela

 Por Mani Ceiba

Sempre achei curioso os motivos das datas. Quando religiosas confesso que tenho uma certa preguiça, já que os santos são sempre heróis pelo ponto de vista de uma religião que se acha a única. Mas em outras datas, sempre procuro saber o porquê. Sei lá, acho que a História, minha segunda matéria favorita na escola, explica muita coisa do presente.

Anos atrás, convivendo com muitos estrangeiros, essa dúvida nasceu. Por que se comemora o dia dos namorados no resto do mundo em 14 de fevereiro e no Brasil em junho? A resposta foi bem decepcionante, principalmente para mim que tenho os dois pés no anticapitalismo.

No mundo se comemora o dia dos namorados no dia 14/02, o chamado Valentine's Day (Dia de São Valentim). Conta a história que um padre de Roma que foi condenado à pena de morte, enviou no dia do cumprimento de sua sentença uma carta de amor à mulher que estava apaixonado. Assim se originou a prática de mandar cartas à pessoa amada no dia 14 de fevereiro e consequentemente o dia dos namorados,

Bom, no Brasil, o motivo foi bem outro. 

O Dia dos Namorados no Brasil é celebrado em 12 de junho desde 1948. A criação da data se deu como estratégia comercial pensada pelo publicitário João Doria, sim, ele mesmo, o pai do João Doria Jr. Ele foi contratado como publicitário para tentar alavancar a vendas em junho, mês em que costumavam ser fracas. Doria pai cogitou criar uma data que estimulasse o consumo, como o Dia das Mães, das crianças, por que não o Dia dos Namorados?

 A escolha do dia (12) também foi estratégica. Porque é um dia antes da celebração de Santo Antônio, o santo casamenteiro e um dos santos mais queridos pelos brasileiros. 

 

O slogan era "não é só com beijos que se prova o amor".

 

Você também ficou decepcionado? Dá até uma vontade de boicotar o dia...

 

Mas sabe qual eu acredito ser o maior boicote? 

O amor

 

Independente de data, de dia ou motivo. As pessoas continuam se apaixonando. Mesmo acreditando que paixão e amor são coisas diferentes, não discuto que um leva ao outro e que paixões podem ser formas de amor também, mais leve e imaturo talvez, mas ainda demonstrações que somos seres que precisam e querem namorar. Carinho, beijo, um toque, um colo, um olhar, ser morada de uma outra pessoa que até ontem não fazia parte da sua vida. Ser invadida por emoções que não se tem controle que se manifestam no corpo com menos controle ainda... suor, lágrimas, tremedeiras, falta de ar... ou ainda respirações ofegantes. 

Nesses nossos tempos de pandemia, o toque se tornou artigo de luxo, se fez tão mais necessário e percebemos, ou devíamos ter percebido, como faz falta!

Mesmo antes da pandemia, quem nunca abraçou sem ser abraçado de volta? Ou esperava um beijo e não ganhou? Sabemos o que é sentir isso! Lidar com formas de traições, quando se perde tanto no outro que não se sabe mais quem é. Quando mesmo querendo não conseguimos ficar juntos ou quando o convívio é terrível, mas o sexo... uau!! Continuamos... 

 

E tentando e insistindo, mesmo quando pensa que não se quer mais passar por isso. Todo adulto já sabe que tudo pode acabar na próxima esquina, que muitos são os desafios num relacionamento, mas isso nunca foi impedimento para algo dentro de nós, que sempre volta a se apaixonar e faz a gente se sentir mais vivo ainda quando isso acontece.

 

Continuamos amando e continuaremos... E mais, todas as formas de amor. Porque amor não tem cor, nem raça, não tem orientação sexual, não tem idade, não tem forma, regra, número, não sei se realmente vence tudo como já ouvi, mas que ele sempre vai existir e sempre terão pessoas se apaixonando por aí, isso eu acredito.

 

Proponho uma vingança a toda essa publicidade de venda do amor, vamos nos beijar escandalosamente de todas as formas nesse dia e mostrar a Família Doria e simpatizantes, que eles estavam errados nisso também – SÓ COM BEIJOS SE PROVA SIM O AMOR 

 

E não coloquem o coitado do Sto. Antônio de cabeça pra baixo!

O novo modelo de Atenção Básica do Bolsonaro dá um cavalo de pau no SUS

 

Ilustração Cristovão Villela


Sylvio Costa Jr.


A Saúde Pública no Brasil conta com milhões de trabalhadores e trabalhadoras que vão desde profissionais de nível superior com Pós-Doutorado até agentes de saúde, muitas vezes com pouca formação curricular, no entanto com o saber que os bancos escolares não ensinam. Nesse sentido, gostaria nesse texto de dialogar com essa massa de trabalhadores e trabalhadoras.


Após o golpe jurídico-midiático-parlamentar que destituiu a ex-presidenta Dilma Rousseff em 2016, houve uma clara inflexão na diretriz ideológica e na condução das políticas sociais dos governos Temer e Bolsonaro, tendo como maior símbolo e instrumento a Emenda Constitucional nº 95 (EC95), chamada de Lei do Teto de Gastos, que congela gastos em Saúde por 20 anos, à revelia do crescimento populacional e das mais variadas demandas de Saúde. A justificativa para implantação da EC95 é a redução do déficit primário do governo, com isso os gastos em Saúde teriam um teto, um limite, em virtude da necessidade dos governos Temer e Bolsonaro de transferir recursos públicos aos bancos, alusivo a uma dívida pública nunca auditada. Resumindo: para pagar bancos privados tiram dinheiro do SUS (Sistema Único de Saúde) e a nova ferramenta para isso é a EC95. 


O SUS, que nunca teve financiamento adequado e sempre foi subfinanciado, agora enfrenta um quadro ainda pior, de “desfinanciamento”.


Como diria Conselheiro Acácio, personagem de Primo Basílio (Eça de Queiroz) “as consequências vêm sempre depois”, pois a EC95 traz consigo efeitos naturais de um contingenciamento financeiro, tais como: ou bem aumento da pressão pela alocação adicional de recursos estaduais e municipais para o financiamento do SUS ou bem diminuição da oferta de serviços. 


Nesse sentido foi sendo criado um arcabouço jurídico para alterar profundamente a organização e o funcionamento do Sistema de Saúde brasileiro. O SUS possui uma robusta rede de serviços, assistência em Atenção Básica com mais de 40 mil equipes de Saúde espalhadas em todo território nacional e financiadas por um modelo de indução, onde o Ministério da Saúde paga pela implantação e pelo custeio das equipes através de repasses fundo a fundo. Assim, o financiamento desse modelo se organizou em seis antigos blocos. Toda expansão de nossa rede de atenção à Saúde se deu nesse modelo e foi também nesse modelo que o país conseguiu diminuir a mortalidade infantil, obteve sucesso em Programas de Imunização, oferta de serviços dos mais variados e melhora de diversos indicadores de Saúde, em um trabalho cotidiano e de formiguinha, mas com claro resultado na melhoria da vida da população. 


A despeito disso, no inicio de 2018, o Ministério da Saúde acaba com os blocos de financiamento da Atenção Básica e condensa todos esses blocos em apenas dois: Custeio e Investimento, dando ao gestor local total liberdade de gastos, desconsiderando o forte componente político-eleitoral na organização dos serviços. Em outras palavras, o Brasil é o único país do mundo com sistema universal, como o SUS, que se organiza em base municipal. Em países como Canadá, Inglaterra, Espanha e Portugal há a figura da autoridade sanitária, que responde por uma região de saúde de base estadual ou provincial, com orçamento, política de provimento e etc. Na medida em que colocamos a base do nosso Sistema de Saúde na mesma base em que se organiza o calendário eleitoral, que é o município, a cidade, as programações de Saúde passam a obedecer a uma lógica eleitoral. Ou seja, em tese, se em um município X a melhor ação em Saúde pode ser aumentar a rede de Atenção Básica, mas o calendário e as pressões eleitorais criam vasos comunicantes com a Saúde, pode ser que a inauguração de uma UPA seja escolhida porque possa dar mais votos. Nesse sentido, o financiamento da Atenção Básica em seis blocos blindava esses gestores, que agora podem fazer os gastos que lhes convierem. 


Como se já não bastasse, essa realidade é contextualizadaainda pela pressão dos custos da Atenção Hospitalar e Especializada que não param de aumentar mês a mês e que, na maior parte do país, são serviços privados contratados. É ou não é verdade que uma gama enorme de serviços hospitalares e especializados em medicina é comprada pelo SUS no setor privado? Como exemplo, mais da metade dos leitos hospitalares do SUS são privados, sem contar serviços especializados de Oftalmologia ou Dermato. A pergunta que faço é: na nossa realidade, que não é a realidade do Canadá ou do Reino Unido, a ampla liberdade para prefeitos gastarem em Saúde foi boa? Ou ainda, foi boa para quem?


Ainda na esteira da EC95, em 2019 o governo Bolsonaro e o Ministro Mandetta (que se autointitula “amigo da ciência” e “defensor do SUS”), impulsionados por um componente ideológico de extrema-direita, criam o Programa Previne Brasil (PPB), em consonância e no bojo da EC 95. O PPB não é um raio em céu azul, um programa que vai alocar mais recursos financeiros e de melhor forma na saúde, como dizem seus ideólogos, mas sim tem como objetivo político uma adequação à Lei do Teto de Gastos. O autointitulado “amigo da ciência” e “defensor do SUS”, quando Ministro da Saúde do Bolsonaro, buscou regulamentar na Saúde a EC95 através do PPB.


Importante ressaltar o caráter do financiamento do PPB e a radical mudança de como os recursos da Atenção Básica (AB) serão feitos. O PPB financiará a AB a partir de três componentes:


1. Pagamento por Captação Ponderada


Fim dos Pisos de Atenção Básica (PAB) Fixo e Variável pela CAPITAÇÃO PONDERADA. O que é isso?


1.1. Acabam repasses regulares de base populacional (PAB Fixo) e incentivos para custeio de eAB, Núcleo Ampliado de Saúde da Família (Nasf) e o PMAQ-AB (PAB Variável) pela lógica do financiamento por indução. Passa a ser considerado para financiamento o cadastramento dos usuários na UBS correspondente e não mais um valor por cada cidadão ou por programas implantados. O conceito de acesso universal é substituído pelo conceito de acesso cadastral, ou lista de pacientes por médico.


1.2. O governo Bolsonaro e o ex-ministro Mandetta, amicíssimo da Ciência e “superdefensor do SUS” (sic), alegaram que haveria aumento de recursos, pois vislumbraram uma paisagem fantasiosa, uma verdadeira miragem, com cadastramento de toda a população e alcance máximo das metas de indicadores que sequer foram pactuados.


1.3. A alegada ineficiência do cadastramento atual por parte das eAB desconsidera os problemas organizativos e de provimento das prefeituras para a manutenção de equipes completas e perdas de registros, como nas implantações do Sistema de Informações em Atenção Básica (Sisab) ou da estratégia E-sus, e de outros municípios que possuem sistemas próprios.


2. Pagamento por Desempenho.


Incentivos do PMAQ, que avaliavam estrutura física, processo de trabalho e um conjunto de indicadores, serão substituídos por repasses condicionados ao desempenho em sete indicadores a partir de 2020. Com isso...


2.1. Serão avaliados apenas indicadores à revelia dos processos de trabalhos, processos autoavaliativos, estruturas físicas e composição de equipes.


2.2. Embora a população mais vulnerável seja tida como prioritária, não se buscam indicadores como o Acompanhamento das Condicionalidades do Bolsa Família, por exemplo.


2.3. Como contratar metas com municípios sem o devido cadastramento? Houve um esforço do “científico” (sic) Mandetta para acabar com os Agentes Comunitários de Saúde. A Portaria nº 2.539, de 26 de setembro, de 2019, institui a equipe de Atenção Primária (eAP) que permite e favorece a criação de equipes compostas somente por médicos e enfermeiros. Será que o médico vai à rua atrás de cadastro, de porta em porta?


2.4. A lógica do pagamento por desempenho deixa de ser complementar, como no PMAQ-AB, e firma-se como um de seus eixos centrais.


3. Pagamento por Ações Estratégicas


Adesão a programas estratégicos, como os Programas Saúde na Hora e Programa de Formação em Residência Médica ou Multiprofissional em Odontologia e Enfermagem na Saúde da Família. E aí...


3.1. O credenciamento (e financiamento) de equipes com carga horária semanal de 10 horas aponta para o emprego médico como “bico” no SUS, ao invés da criação de instrumentos e incentivos para formação de equipes de 30 ou 40 horas semanais. Portanto, é dado o sinal claro por essa nova política que o SUS pode sim ser complementar ao sistema privado e não o contrário.


3.2. O fim do financiamento para custeio do NASF e a consequente exclusão de nutricionistas, fisioterapeutas e demais profissões de nível superior do Programa de Residência Multiprofissional da Saúde, com exceção de médicos, enfermeiros e dentistas, põe em discussão a integralidade do cuidado em uma rede assistencial de serviços de Saúde Pública. Assim, reforça a imagem de que os profissionais médico, enfermeiro e odontólogo são suficientes para compor uma equipe multiprofissional na Atenção Básica, de nível superior.


O cenário do SUS é de uma disputa dura e acirrada por seus recursos. O estado da arte hoje do PPB, no dia 09/06/2021, é que o programa está em espera em função da pandemia, em stand-by, por isso, no orçamento de 2020, comparado com 2019 ainda não houve perdas significativas de recursos federais, pelo contrário, houve em função da pandemia a alocação de recursos extras para enfrentamento do Covid e para a compra atrapalhada que o governo está fazendo das vacinas. Além disso, é importante destacar que o governo tenta jogar fumaça nos olhos do povo afirmando que “houve incremento de mais R$ 2 bi no orçamento de 2020,” dizendo assim que o programa “traz mais recursos imediatos ao SUS”. Isso é um truque, pois o que houve foi um acréscimo realmente de R$ 2 bi para que os municípios se adequassem ao programa, não que o programa em si trouxesse mais recursos. É um incremento artificial, na lógica d’ “o dia de muito é a véspera do dia de pouco”, porque no ano seguinte esses R$ 2 bi não mais existirão, haja vista que foi uma dotação orçamentária excepcional para adequação ao PPB.


No mundo real, o orçamento da Saúde em 2020 foi de R$ 168 bi e a previsão orçamentária de 2021 é de R$ 145 bi, num claro desfinanciamento de R$ 23 bi. Imaginem vocês falar de aumento de recursos no SUS com a vigência da EC95? Alguém acredita nisso? Como prova cabal do desfinanciamento do SUS o Governo Bolsonaro solicitou ao pleno do Conselho Nacional de Saúde uma revisão do Plano Nacional de Saúde para 2020-2023. A pergunta é: a revisão que o governo pede em metas, metas essas que vão impactar no orçamento, é para cima, aumentando os recursos do SUS? Não, o pedido de revisão do governo é para baixo. Elenco aqui alguns pontos apresentados ao Conselho Nacional de Saúde: 


  • Redução da cobertura populacional da APS de 72,7% para 59,5%;

  • Redução da cobertura populacional de Saúde Bucal de 46%% para 40,2%;

  • No total, a proposta de revisão do PNS do governo reduz 16 metas das 92 previstas.



Nem mesmo uma criança ingênua acreditará que o PPB trará mais recursos ao SUS. Até mesmo uma afetuosa criança já tem a clareza de que é possível acreditar na Chapeuzinho Vermelho, na Branca de Neve, nos Três Porquinhos ou em outras fantasias, mas aprendem também que nunca se deve confiar no Lobo Mal, mesmo quando em pele de cordeiro. Abastados em retórica e apoiados em uma oratória rebuscada com aparência modernizadora, os defensores desse novo modelo de Saúde inaugurado a partir do golpe de 2016 e, em particular pela EC95, não conseguem ocultar o verdadeiro sentido atrás das palavras, que é de um modelo medico centrado, voltado ao atendimento clínico e a produção ambulatorial, para populações especificas, abrindo mão do território e de seu sentido de universalidade, isso tudo facilitando a precificação de serviços de Saúde para posterior entrega ao setor privado de assistência à Saúde no SUS. Essa intenção não é mera especulação ou teoria conspiratória, pois estão explícitas em artigo publicado pelos ideólogos e apoiadores do PPB, em 2015, intitulado “Bases para um Novo Sanitarismo”, suas intenções. Logo, faz sentido entender o PPB como fio condutor de um modelo de Saúde explícito nesse artigo. Mesmo assim, se essa suposição for apenas uma teoria conspiratória ou uma mania de perseguição, eu parafraseio Millôr Fernandes, que em certo momento afirmou: “não é porque eu tenho mania de perseguição que eu não estou sendo perseguido”.