quinta-feira, 8 de fevereiro de 2024

O papel do Estado na crise política do Equador



 Luis Carvalho*

Os últimos dias os noticiários veicularam notícias sobre a crise política no Equador. Uma questão complexa e intrigante que desperta paixões das mais inflamadas possíveis. De um lado pessoas que acusam governos de corrupção e conivência com o crime. De outro analistas que entende que a questão é fruto de um processo histórico.

A bem da verdade governos adotaram medidas que visaram suprimir algumas questões ligadas ao bem-estar e ressocialização da população carcerária não oportunizando e nem ressocializando as pessoas em situação carcerária. Em sua dissertação, Lausch salienta que algumas reformas estruturais foram feitas no que diz respeito ao sistema carcerário e proibiu que organizações não governamentais atuassem junto aos encarcerados. Contudo, o Estado foi negligente nesse sentido.

O Estado ignora os problemas estruturais que não estão relacionados só com a delinquência organizada, por isso também deixa mais vulnerável a população carcerária. Embora o rol do crime organizado seja forte, foi o estado quem criou as circunstâncias burocráticas, sociais e políticas que produziram os massacres carcerários (Nune et al. 92) (tradução livre) (LAUSCH, 2022, p.22).

 

Nesse sentido a crise equatoriana, portanto, é fruto de um problema crônico que tem na negligência do Estado um dos elementos centrais para sua propiciação. Ao longo dos anos as lacunas deixadas pelo poder público foram preenchidas pelo poder paralelo, que nada mais é do que o crime organizado. Esse poder tende e se fortalecer em setores vulneráveis tanto da sociedade geral como nas estruturas do Estado e corromper setores dos mais diversos. Fruto disso é a crise se segurança e estado de exceção que se tem vivido recentemente.

Quando se trata de narcotráfico é impossível não ponderar sobre a política que têm se implantado em países da periferia do capitalismo como: Brasil, Equador, Venezuela, etc. Por vezes a opção que se tem implantado em tais países no que tange às políticas no combate às drogas são de viés repressor e punitivo sem investir em programas de prevenção e ressocialização de ex-detentos.

Daniel Rojas contribui para nossa reflexão sinalizando que o Equador investe, proporcionalmente, muito pouco em educação quando comparado com o investimento no sistema prisional, por exemplo, e isso não se relaciona com a melhoria de condições dos detentos, mas insere-se na dinâmica da repressão; construção de presídios de segurança; implantação de sistemas tecnológicos voltados a receptação de mensagens e afins. Sendo assim, Rojas destaca que num período de dez anos aproximadamente o país aumentou o investimento tanto na educação quando nos presídios, mas os valores são díspares.

Durante este período, verifica-se que as despesas em ambas as áreas registaram um aumento progressivo em termos nominais. Os gastos do governo com a educação aumentaram de 30 milhões de dólares em 2013 para 38 milhões em 2021, mostrando um crescimento constante ao longo dos anos. Por outro lado, os gastos com prisões tiveram um aumento semelhante, passando de 320 milhões de dólares em 2013 para 400 milhões em 2021 (tradução livre) (ROJAS, 2024).

 

Os gastos com prisões chegam a ser quase dez vezes maiores do que os gastos com educação e isso se reflete na crise política e social em seu ponto central, uma vez que a educação é uma das alternativas para se sanar as questões sociais que demandam atenção e são sistematicamente abandonadas ou tratadas de forma não eficaz.

A questão da criminalidade e do aparente caos no Equador relacionam-se com o modelo de Estado e a proposta neoliberal (inclusive adotada por governos supostamente de esquerda) que é levada a cabo na América Latina quase de forma única.

Há setores do que Estado não pode prescindir. Um deles é a educação. De igual forma o combate às drogas necessita ser pensado de forma contextual e na dinâmica contemporânea de prevenção e direitos humanos. Não se pode em pleno século XXI adotar políticas autoritárias e anacrônicas sem levar em consideração o contexto atual.

Já no que diz respeito à corrupção, o flerte com o poder financeiro e a negligência do Estado em setores estratégicos abrem margem que haja a fragilização de algumas áreas e isso permite valores basilares da democracia sejam postos em xeque.

É necessário que as classes populares tenham consciência do processos social em que estão inseridas e com isso elejam representantes que ajam com espírito público, coerência e guiados para um governo de matriz popular voltado para a equidade, responsabilidade social e justiça para que o Estado efetivo e forte possa fazer frente ao poder paralelo – favorecido pelo mercado, afinal, o comércio de drogas insere-se numa cadeia bilionária que favorece setores de diversas áreas (segurança, metalurgia, indústria bélica, etc.) que beneficiam-se do caos para vender a segurança.

Por fim é necessária uma formação política forte que seja capaz de mostrar que por trás do aparente caos e insegurança existem interesses querendo “vender” a paz. Somente com um trabalho coerente a superação será efetuada.

 

REFERÊNCIAS:

LAUSCH, Ava. La crisis carcelaria en el Ecuador: las causas, manifestaciones y algunas recomendaciones  (2022). Independent Study Project (ISP) Collection. 3473.

 

ROJAS, Daniel. La delicuencia en el Ecuador: un problema complejo con soluciones complejas. Disponível em: <http://cadiec.oe.espol.edu.ec/2023/08/20/la-delincuencia-en-el-ecuador-un-problema-complejo-con-soluciones-complejas/.> Acesso em 29 jan 2024.

 

 * Filósofo