sexta-feira, 14 de maio de 2021

VOTO IMPRESSO: O QUE ESTÁ POR TRÁS DESSA BOMBA?

 Por Alvaro Britto


Recentemente participei de um debate sobre a volta do voto impresso, motivo de uma proposta de Emenda à Constituição em tramitação na Câmara dos Deputados desde 2019 e defendida pelo presidente da República e seus aliados.  Coincidentemente, ela voltou a ser prioridade na agenda dos apoiadores do governo a partir do acordo para eleger o atual presidente da Câmara Arthur Lira e da aproximação das eleições de 2022. 

O principal argumento é a defesa da segurança do voto e da lisura do pleito, através da checagem do voto eletrônico com sua versão impressa. Entretanto, estudando a história do Brasil é fácil identificar que a totalidade das grandes fraudes e crimes eleitorais aconteceram justamente antes da implantação da urna eletrônica nas eleições municipais de 1996. 

As fraudes do voto impresso 

Duas práticas fraudulentas, desde o período imperial, eram conhecidas como “bico de pena” e a “degola”. A primeira consistia em manipulações realizadas pelas mesas eleitorais, que falsificavam assinaturas e até mesmo o preenchimento de cédulas. Já a segunda prática consistia na exclusão de adversários de forma deliberada do páreo eleitoral, como se o candidato tivesse sido degolado. 

Apresentar-se como outra pessoa, usando os documentos dela; votar mais de uma vez na mesma eleição, aproveitando do alistamento múltiplo; passar documentos falsos a fim de inclusão ou exclusão do alistamento eleitoral, eram outras práticas comuns.

Na República

Já no período republicano, temos o voto de "cabresto", que era o controle por coronéis e grandes figuras da época, que abusavam do poder e usavam até ameaças pra comprar votos de cidades inteiras. Cabresto é aquele arreio de corda para controlar animais.

Outras fraudes da época: reter título de eleitor, impedindo assim o voto; alegar idade falsa para poder votar; tentar votar mais de uma vez, ou no lugar de outra pessoa falecida; comprar, vender ou estabelecer qualquer outro tipo de troca pelo voto.

Emblemático foi o Caso Proconsult , uma tentativa de fraude nas eleições de 1982 ao governo do RJ para impossibilitar a vitória de Leonel Brizola, candidato de oposição, de modo a favorecer Moreira Franco, apoiado pelo regime militar. A fraude consistia em transferir votos nulos ou em branco para que fossem contabilizados para Moreira.  

Urna eletrônica

A urna eletrônica foi implantada no Brasil nas eleições municipais de 1996. Mais de 32 milhões de brasileiros, um terço do eleitorado da época, votaram nas mais de 70 mil urnas eletrônicas produzidas para aquelas eleições. Participaram 57 cidades com mais de 200 mil eleitores, entre elas, 26 capitais. 

Ao longo desses 25 anos, nunca houve comprovação de fraude. Pelo contrário, o sistema de votação eletrônico brasileiro é modelo para diversos países do mundo, pela garantia de eleições limpas, seguras, transparentes e auditáveis. Em 2020, foi realizada pesquisa que verificou que 73% dos brasileiros aprovam o uso da urna eletrônica.

Muito diferente dos EUA, cujo sistema de voto impresso tem sido proclamado como modelo pelos defensores da mudança no Brasil. As eleições estadunidenses de 2020 tiveram inúmeros problemas, com vários pedidos de recontagem, recursos judiciais e, para dificultar ainda mais, a inexistência de uma autoridade eleitoral nacional, como é a Justiça Eleitoral brasileira. Lá, cada estado tem sua regra própria e é a mídia que anuncia o resultado do pleito.

Sistema híbrido

Na verdade, a proposta em tramitação no Congresso e defendida pelos aliados do governo prevê que a urna eletrônica tenha acopladas uma impressora e uma urna transparente onde o voto impresso seria depositado para conferência do eleitor que assim desejar.

Já houve experiência com urnas híbridas no Brasil nas eleições de 2002 em Brasília, Tocantins e Sergipe. Na época, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) decidiu implementar o voto impresso em 5% das urnas para auditar o resultado da votação eletrônica. Ao final do processo, foi confirmada a eficiência e a segurança eletrônica. 

Segundo o TSE a implantação do sistema em todo o Brasil teria um custo aproximado de R$ 2,5 bilhões. Em plena pandemia, com falta de vacinas, valor reduzido do auxílio emergencial, aumento do desemprego, diminuição dos investimentos públicos em diversos setores, como a educação, quebradeira de micro e pequenas empresas, essa proposta é no mínimo irresponsável. 

Onde está a fraude eleitoral?

Na verdade, as denúncias de crime e fraude no processo eleitoral de 2018 na disputa presidencial do Brasil, amplamente comprovadas e documentadas e que são investigadas em CPI Mista do Congresso Nacional e por Inquérito no Supremo Tribunal Federal são a veiculação das chamadas fake news e do disparo ilegal de mensagens em massa realizados pela campanha do então candidato Jair Bolsonaro. 

O que está por trás dessa proposta de voto impresso é a tentativa de desqualificar o processo eleitoral e colocar em dúvida o resultado das eleições de 2022, como buscou fazer Donald Trump nas eleições de 2020 nos EUA.   Com a possibilidade real de derrota, os bolsonaristas tentarão criar um clima de instabilidade e de desconfiança para tentar uma virada de mesa. Mas estamos atentos. O Pavio Curto também! Não passarão!







DISSERTANDO E SAMBANDO COM MARTINHO

 Por Mani Ceiba



Felicidade, passei no vestibular

Mas a faculdade é particular...

Livros tão caros tanta taxa pra pagar

Meu dinheiro muito raro

Alguém teve que emprestar


Não é novidade pra ninguém que a sociedade é racista e a questão é estrutural. Não há como existir um projeto de desenvolvimento sem que todos os grupos estejam incorporados. Sabemos que negros, pobres, mulheres e indígenas não estão. Segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), 36% dos jovens brancos entre 18 e 24 anos estão cursando ou terminaram a graduação. Entre pretos e pardos, este percentual cai pela metade: 18%.

Outros dados fornecidos pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) informam que – entre 2010 e 2019 – o número de alunos negros no ensino superior cresceu quase 400%. Os negros chegaram a 38,15% do total de matriculados, percentual ainda abaixo de sua representatividade no conjunto da população, que é de 56%. Em cursos como Medicina, Design Gráfico, Publicidade e Propaganda, Relações Internacionais e Engenharia Química, o número de negros é ainda menor. 

Isso me fez lembrar uma vez que estava na sala de espera de um ginecologista. O médico chegou, pegou as fichas e foi pra sua sala começar os atendimentos, quando duas mulheres se dirigiram até o balcão e perguntaram:

 - Ele é o médico?

 Diante da confirmação da recepcionista, elas disseram claramente: 

- Mas ele é preto! 


Morei no subúrbio, andei de trem atrasado

Do trabalho ia pra aula, sem

Jantar e bem cansado

Mas lá em casa à meia-noite tinha

Sempre a me esperar

Um punhado de problemas e criança pra criar


Acesso à universidade sempre foi um grande desafio para estudantes negros e periféricos.  Apesar de vivermos em um país recordista em desigualdade social e a TV fingir que não, quem vive fora da sua bolha sabe que os desafios são imensos e reais: dinheiro, acesso aos locais de estudo ou internet. Muitos, principalmente mulheres, dividem seus estudos com trabalho, tarefas domésticas, cuidar de filhos ou dos irmãos.

Sempre lembro da minha avó dizendo que tudo começa de verdade depois do “foram felizes para sempre”. Uma vez dentro da universidade, outros desafios aparecem para que se consiga permanecer nela. Além dessas dificuldades que enfrentam desde o ingresso na universidade, as e os jovens ainda se deparam com um choque de realidade cultural, social e econômica que, com o passar do tempo, vai permear a sua vida acadêmica. Os próprios professores fazem cobranças como se não conhecessem a realidade. Érica Belon, doutora em Administração de Negócio, mestre em Educação, especialista em Comportamento Humano, ouviu de seu professor, nos meados da década de 1990 na sua primeira graduação:

- Ah, querida! Você ainda não entendeu? Pobre não faz faculdade, pobre compra máquina de costura em vez de um computador! Faça isso! Não posso fazer nada por você!


Mas felizmente eu consegui me formar

Mas da minha formatura, não cheguei participar

Faltou dinheiro pra beca e também pro meu anel

Nem o diretor careca entregou o meu papel


Olhe na sua sala de faculdade, quantos negros há? Olhe para seus professores, quantos são negros? Olhe para seus colegas de trabalho, quantos são negros e quais cargos ocupam? 

E você, já tinha reparado nisso?


E depois de tantos anos

Só decepções, desenganos

Dizem que sou um burguês

Muito privilegiado

Mas burgueses são vocês

Eu não passo de um pobre-coitado

E quem quiser ser como eu

Vai ter é que penar um bocado


Assim termina o samba de Martinho da Vila. Estamos acostumados a cobrar e julgar a pessoa que alcançou algo como um privilegiado – como se nosso país fosse igualitário e justo e não houvesse classes sociais tão diferentes e, principalmente, não houvesse racismo.

Racismo se combate no dia a dia e na desconstrução. É no ouvir e no aceitar, observar e aprender. Os sinais do racismo aparecem não apenas nas limitações ao acesso de negras e negros às universidades, mas também quando o conhecimento produzido por eles é desconsiderado. Quantos pesquisadores e cientistas negros não se destacam por não terem visibilidade como os brancos?

A cultura do brasileiro, que pensa superficialmente, é baseada no eurocentrismo. A visão de mundo de que tudo o que vem da Europa, dos brancos – cultura, artes, línguas, religiões, política – é superior ao que tem origem nos povos da América, África, Ásia e Oceania. Os europeus em suas invasões subjugaram as demais culturas, mas o pior é o povo dominado acreditar que pertence a esse povo dominador e também virar as costas para a sua origem e identidade. E no momento presente chamam isso de patriotismo.


Referências: samba pequeno burguês Martinho da VILA/;  Ericabelon-escoladecarreiras/Unicamp/ almapreta/IBGE/IPEA

Para conhecer a história da música O pequeno burguês, de Martinho da Vila, acesse https://musicasbrasileiras.wordpress.com/2014/07/02/o-pequeno-burgues-martinho-da-vila/ 


XUXA, A RAINHA DO FASCISMO

 Por Sylvio da Costa Junior


Não poderia deixar de comentar uma situação ocorrida em meados de abril e que ronda a mente da direita fascista: o nosso famigerado sistema prisional. O Brasil conta, em números absolutos, com quase 800 mil presos, uma das maiores populações carcerárias do mundo, atrás apenas dos EUA (população de 350 milhões de habitantes) e da China (1 bilhão e 300 milhões de habitantes). A política de encarceramento remonta ao período do Brasil colônia e em nada de substancial foi alterada. As polícias, e em especial a militar, foram concebidas na esteira das Divisões Militares da Guarda Real de Polícia do Rio de Janeiro, e se constituíram em guardas pretorianas que usam a repressão para manter as populações mais pobres ‘calmas’, sem se rebelarem contra os sistemas social e econômico. A política de repressão se dá diariamente nas incursões policias nos bairros mais pobres e levou ao encarceramento de enormes contingentes populacionais formados majoritariamente por afro-brasileiros pobres. Somado a isso temos hoje no Brasil 40% de toda população carcerária em prisões provisórias, ou seja, sem julgamento e majoritariamente por crimes como o tráfico de pequenas quantidades de drogas (25%) e roubos (30%). O homicídio corresponde a apenas 11% do total, segundo os dados divulgados pelo Conselho Nacional de Justiça, o CNJ.


Mesmo com a 3ª maior população carcerária do mundo, a sensação e os indicadores de segurança em nada melhoraram, levando-nos a crer que estamos no caminho errado. Mas estranhamente a direita acredita que devemos ter mais leis repressivas e mais incursões policiais nas periferias, em uma crença absurda, descolada da realidade e de exemplos exitosos no mundo. Política de segurança se faz com combate à desigualdade social, nossa maior ferida aberta, com programas robustos de geração de emprego, aumento da renda, radicalização de políticas universais de educação, de saúde e de assistência social. 


Nesse cenário caótico e com parte da sociedade brasileira tendo uma mentalidade de senhor de escravos, as cadeias brasileiras exercem a função de fazer o preso ‘’pagar pelo seu crime’’ e não recupera o indivíduo. Assim, as cadeias passaram a ser locais de crueldade e de crimes mais cruéis que a maioria dos crimes cometidos por quem está por algum motivo preso. Nesse abandono, organizações como PCC, CV, dentre outras, passaram a gerir a vida cotidiana das cadeias com seus códigos e leis próprios. Não por acaso, diferente de cartéis colombianos, mexicanos, etc., os grupos ligados ao narcotráfico no Brasil surgiram de dentro das cadeias, característica ímpar, verdadeira jabuticaba, como organizações oriundas do interior do Estado e sob sua tutela. Surgiram basicamente porque esse grande contingente humano de encarcerados foi entregue à própria sorte.


Como exemplo do argumento sustentado quando analisada a população carcerária no Brasil, os indicadores de saúde apresentam números assustadores: 0,6% da população brasileira é portadora do vírus HIV; entre os presos a taxa de incidência é 60 vezes maior que na população geral; a tuberculose é de altíssima incidência dentro dos presídios e casas de custódia, assim como outras doenças, que vão de sarna à desnutrição.


Isto posto, em audiência pública de uma Comissão da Assembleia do Estado do Rio de Janeiro, a Alerj, que debatia cuidados com animais e pets em geral, a ex-apresentadora infantil Xuxa Meneguel fez uma proposta exótica referente aos cuidados com animais. Segundo Xuxa, como os cachorrinhos, gatinhos e outros pets estariam servindo de cobaias para a indústria de fármacos. Então propôs, para proteger os animais, que se usasse presos como cobaias humanas nesse setor da indústria. Ao longo da audiência na comissão ela diz: “O pessoal dos direitos humanos não vai gostar muito”. Por que será? Não precisa ser esquerdista para não gostar; basta estar de acordo com a Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU, de 1948, que afirma que “(...) ninguém será submetido à tortura, nem a tratamento ou castigo cruel, desumano ou degradante”, ainda mais sob a tutela do Estado. Assim, a declaração da Xuxa é pré 1948. Não satisfeita com a polêmica frase, ela acrescentou que “assim eles poderiam ser úteis para sociedade”. Recordo-me de um famoso médico com doutorado em antropologia e medicina, chamado José, que deve ter servido de inspiração para a ex-apresentadora. Certa vez, para continuar seus estudos antropológicos e pesquisas sobre a hereditariedade, ele usou prisioneiros para a experimentação humana. Os experimentos realizados por José, por exemplo, em gêmeos, abrangiam a amputação desnecessária de membros, a infecção intencional de um gêmeo com tifo ou outras doenças e transfusão de sangue de um gêmeo no outro. Esse jovem medico José ficou conhecido por seu nome em sua língua natal, o alemão Josef Mengele. Depois, com o fim do nazismo, regime do qual ele era um destacado entusiasta, seus experimentos científicos foram na realidade denunciados como um dos mais cruéis crimes praticados nas prisões nazistas.  


Em janeiro de 2001, em uma gravação de um programa da Xuxa, ocorreu um incêndio no qual 26 pessoas ficaram feridas, sete delas em estado grave. A menor T.G.V., de apenas 7 anos na época, sofreu as mais graves queimaduras (de 2º e 3º graus). Como as crianças estavam sob tutela dos organizadores do evento e com responsabilidades legais sobre sua guarda, não é difícil imaginar que o ocorrido poderia levar à cadeia os responsáveis. Nesse caso, se a ex-apresentadora infantil fosse responsabilizada judicialmente e consequentemente condenada, ela manteria seu posicionamento sobre utilização de presos para experimentos? Ou seria apenas para presos afro-brasileiros?


Xuxa Meneguel teve seu dia de Xuxa Menguele, a rainha dos fascistas.




OPERAÇÃO POLICIAL NO JACAREZINHO: Um ato de desafio à democracia

Por Edson Diniz



A ação da polícia civil do Rio de Janeiro, na favela do Jacarezinho, na zona norte da cidade, no dia 6 de maio, começou como um ato de desafio político e terminou como uma vingança, deixando um rastro de morte e terror. A entrada de 250 policiais na favela já poderia ser considerada uma afronta às determinações do Supremo Tribunal Federal, que havia proibido operações policiais nas favelas durante a Pandemia. Porém, com a morte de um dos policiais, logo no início das ações, o que já era grave, por ser tratar de uma desobediência à justiça, virou uma tragédia, pois os policiais partiram para uma vingança que resultou na morte de mais 27 pessoas.

Sob a justificativa de cumprir a lei e proteger crianças e adolescentes do aliciamento de traficantes, os policiais se sentiram no direito de invadir casas, matar e desafazer as cenas dos crimes, sem qualquer constrangimento. Logo após a ação, ainda no calor dos acontecimentos, os policiais responsáveis pela operação deram uma entrevista coletiva, na qual ficou evidente o recado ao STF. Um dos delegados chegou a falar em “ativismo do judiciário”, numa crítica explicita às decisões da justiça.

Na entrevista se reproduziu o belicismo da operação. Quando confrontados sobre as razões e a letalidade das ações, os policiais reagiram com truculência e suas falas se aproximaram do velho discurso do “bandido bom é bandido morto”. A justificativa para tantas mortes é que todos eram “traficantes” e “homicidas”, abatidos em confronto com os policiais. Porém, testemunhas dizem que, em muitos casos, as pessoas foram executadas depois de rendidas. É o que relata um morador que assistiu à execução de uma pessoa dentro de sua casa, ao lado da filha de 9 anos de idade. 

O mais grave é que o discurso da guerra – naturalizado pelas redes sociais, parcela da mídia, autoridades e pela própria polícia - recebe apoio de parte da população, pois esta, acuada, com medo e sem garantias de políticas sociais inclusivas e preventivas contra o crime, apoia as ações violentas das forças de segurança e sua promessa de solução imediata. Essa percepção se baseia na crença equivocada do uso da violência como caminho para a paz.

Assim, a questão mais importante, a partir do massacre do Jacarezinho, é que a polícia – com apoio do governador, do presidente e a omissão do Ministério Público – dá um passo a mais para se tornar independente de qualquer controle institucional. Foi a partir dessa ideia, por exemplo, que se chegou a propor o “excludente de ilicitude”, defendida por um ex-ministro da justiça, cujo objetivo era eximir de qualquer responsabilidade penal os policiais que matassem em serviço. 

Por trás do massacre do Jacarezinho está um projeto autoritário de país, sustentado por grupos políticos - incluindo aqueles associados à milícia – associados ao presidente da República que desprezam a democracia. Isso se reflete, por exemplo, no modelo de polícia – herdado da ditatura miliar -, em funcionamento no Rio de Janeiro, apoiado por uma elite econômica retrógrada e que deseja a manutenção de uma sociedade desigual, racista e patriarcal. 

O desprezo por parte das forças policiais pelas regras e pressupostos que regulam o Estado democrático de direito é uma séria ameaça ao país. Não é tolerável que a polícia utilize a morte de 28 pessoas como arma política contra as instituições republicanas, em especial o STF. O desafio acintoso foi escrito com sangue espalhado por casas e ruas da favela do Jacarezinho e terminou com a entrevista intimidatória dos policiais em rede nacional de TV. 

Diante desse quadro, é fundamental que as forças democráticas não permitam que massacres como o do Jacarezinho sejam naturalizados ou esquecidos. Sob nenhuma justificativa o que aconteceu no dia 6 de maio, numa comunidade onde moram 40 mil pessoas, pode ser admitido como normal. 

O futuro de nossa democracia depende da capacidade das instituições republicanas em dar respostas a esse gravíssimo atentado ao Estado democrático de direito. A Justiça não pode ser confundida com vingança, e a paz só se constrói com políticas públicas eficientes, com o combate às desigualdades e com uma política de segurança que preserve a vida. 

quinta-feira, 13 de maio de 2021

 

13 DE MAIO DE TODOS OS ANOS

Eduardo Alves 

 




No dia 13 de maio de 1888, a Princesa Dona Isabel, a filha de Dom Pedro II, assinou a reconhecida – e que já deveria ser muito conhecida – Lei Áurea. A tal lei, de número 3.353, ela existiu e existe, então assinada viria para “conceder” a liberdade para todas as pessoas escravas que existiam no Brasil (dizia-se na época que eram mais de 700 mil) e impedir que novas pessoas fossem escravizadas. Mas não é da lei que se molda a realidade, mas da vida e das condições para se viver. Como a vida e as condições para viver são dominadas por poucos que tomaram o comum (águas, terras e coisas feitas), há escravizações que acontecem todos os dias, mesmo depois do tal papel, chamado de lei, ser assinado. Ou seja, pode-se afirmar, sem medo de errar, que a escravidão não acabou e segue oprimindo com novas formas e desenhos. Por isso – também – não há o que comemorar no dia 13 de maio. Mas muito o que fazer há. 

 O modo de produção escravista foi superado pelo modo de produção capitalista, mas isso, em pensamentos e ações,não superou a escravidão. Tanto no peso das ideologias dominantes, quanto no peso estrutural da necessária venda da força de trabalho, as escravidões seguem firme em nosso país. E, quando se fala de escravidão, fala-se de pessoas que possuem suas vidas controladas e obstruídas para existirem como vida. Para além da falta total de liberdade para satisfazer materialmente e espiritualmente as existências dos corpos, a grande maioria de pessoas padece ainda mais nos dias de hoje com a genocida política que predomina durante a época da pandemia.  

 Mais do que gritar em todos os cantos e nas múltiplas dimensões, há muito o que se fazer. Muito há para que a venda da força do trabalho, necessária para viver e que escraviza e impõe ao corpo o significado de mercadoria, ao menos possa existir para todas as pessoas. A quantidade de pessoas atoladas no não viver do “exército industrial de reversa” amplia as condições em uma necrodesigualdade sem fim, que chega assustadoramente para um grande grupo sem casa, sem água, sem acesso a higiene, aos elementos de uma saúde básica e uma alimentação necessária. Já era um insulto para as pessoas que pensam quem são, de onde vêm, como vivem e como querem viver a situação em que ser explorado mantém a vida e sem acesso para exploração a vida não se mantém. Agora as desigualdades se ampliam para não haver multidão que consiga conquistar políticas do Estado, seja em que nível for, para equilibrar a progressiva e agressiva exploração. 

Nesse sentido, as pessoas seguem escravizadas e são impostas a perder o direito de viver e ter o tempo da existência diminuída. A necropolítica que predomina força uma escravidão cínica por meio da ideologia que chega a parecer, por meio das mais devastadoras ideologias mentirosas, que impossibilitam os conhecimentos giraram na vida de todas as pessoas. Há quem deslize em condições que não são suas e as consiga considerar como qualificadas assassinar 28 pessoas em uma ação policial criminosa e genocida, como ocorreu no Jacarezinho neste mês de maio de 2021. Necrodesigualdades que chegam no patamar de impor a morte matada para pessoas as quais a escravidão é imposta e no tempo em que seria a vida que deveria existir. 

 

Em todos os sentidos a escravidão predomina das mais variadas formas e são as pessoas empobrecidas, na grande maioria pretas, uma imensa maioria de gente que enfrenta grandes obstáculos. As mesmas pessoas que são pessoas que fazem existir com potência criativa de solidariedade favelas, bairros populares e toda a periferia existente. Mas também são as mesmas pessoas que mais sentem o peso do controle, da exploração, das imposições, das limitações impostas pelo Estado. As mesmas pessoas que sentem as mais duras marteladas para matarem seus corpos e exterminarem todas as frestas para o viver. Longe de falar de dignidade humana, pois, nesse cenário de escravização na multidão, na grande maioria de pessoas, nem o viver, mesmo sem dignidade e com muita exploração, é impedido. 

 Pois então, com nada para comemorar, podemos afirmar que há o que fazer. A superação deste quadro de terror e crueldade só será possível com grandes focos de organização. Organização para conquistar o acesso a todas as condições materiais para fazer a vida viver. Organização com potência para fazer com que o Estado seja para o Bem Viver e para criar frestas que possibilitem a dignidade humana. Organização para o acesso aos saberes e para organizar o saber segundo as necessidades e vontade necessária e desejada para a vida da grande maioria. Organização suficiente para o amanhar ser repleto de comemorações do fim da escravidão que precisamos conquistar unificados nos dias de hoje. Para fazer viver a inteligência coletiva nos mobiliza e nos amplia nos passos UBUNTU em favor da vida.  

 Assim sendo, que se diga e afirme para todas as pessoas na polifonia das múltiplas linguagens do entendimento: DIA 13 DE MAIO É PARA LUTAR, ORGANIZAR, AMPLIAR-SE EM POTÊNCIA E AÇÃO COLETIVA PARA CONQUISTAR A VIDA E A LIBERDADE.