Recentemente participei de um debate sobre a volta do voto impresso, motivo de uma proposta de Emenda à Constituição em tramitação na Câmara dos Deputados desde 2019 e defendida pelo presidente da República e seus aliados. Coincidentemente, ela voltou a ser prioridade na agenda dos apoiadores do governo a partir do acordo para eleger o atual presidente da Câmara Arthur Lira e da aproximação das eleições de 2022.
O principal argumento é a defesa da segurança do voto e da lisura do pleito, através da checagem do voto eletrônico com sua versão impressa. Entretanto, estudando a história do Brasil é fácil identificar que a totalidade das grandes fraudes e crimes eleitorais aconteceram justamente antes da implantação da urna eletrônica nas eleições municipais de 1996.
As fraudes do voto impresso
Duas práticas fraudulentas, desde o período imperial, eram conhecidas como “bico de pena” e a “degola”. A primeira consistia em manipulações realizadas pelas mesas eleitorais, que falsificavam assinaturas e até mesmo o preenchimento de cédulas. Já a segunda prática consistia na exclusão de adversários de forma deliberada do páreo eleitoral, como se o candidato tivesse sido degolado.
Apresentar-se como outra pessoa, usando os documentos dela; votar mais de uma vez na mesma eleição, aproveitando do alistamento múltiplo; passar documentos falsos a fim de inclusão ou exclusão do alistamento eleitoral, eram outras práticas comuns.
Na República
Já no período republicano, temos o voto de "cabresto", que era o controle por coronéis e grandes figuras da época, que abusavam do poder e usavam até ameaças pra comprar votos de cidades inteiras. Cabresto é aquele arreio de corda para controlar animais.
Outras fraudes da época: reter título de eleitor, impedindo assim o voto; alegar idade falsa para poder votar; tentar votar mais de uma vez, ou no lugar de outra pessoa falecida; comprar, vender ou estabelecer qualquer outro tipo de troca pelo voto.
Emblemático foi o Caso Proconsult , uma tentativa de fraude nas eleições de 1982 ao governo do RJ para impossibilitar a vitória de Leonel Brizola, candidato de oposição, de modo a favorecer Moreira Franco, apoiado pelo regime militar. A fraude consistia em transferir votos nulos ou em branco para que fossem contabilizados para Moreira.
Urna eletrônica
A urna eletrônica foi implantada no Brasil nas eleições municipais de 1996. Mais de 32 milhões de brasileiros, um terço do eleitorado da época, votaram nas mais de 70 mil urnas eletrônicas produzidas para aquelas eleições. Participaram 57 cidades com mais de 200 mil eleitores, entre elas, 26 capitais.
Ao longo desses 25 anos, nunca houve comprovação de fraude. Pelo contrário, o sistema de votação eletrônico brasileiro é modelo para diversos países do mundo, pela garantia de eleições limpas, seguras, transparentes e auditáveis. Em 2020, foi realizada pesquisa que verificou que 73% dos brasileiros aprovam o uso da urna eletrônica.
Muito diferente dos EUA, cujo sistema de voto impresso tem sido proclamado como modelo pelos defensores da mudança no Brasil. As eleições estadunidenses de 2020 tiveram inúmeros problemas, com vários pedidos de recontagem, recursos judiciais e, para dificultar ainda mais, a inexistência de uma autoridade eleitoral nacional, como é a Justiça Eleitoral brasileira. Lá, cada estado tem sua regra própria e é a mídia que anuncia o resultado do pleito.
Sistema híbrido
Na verdade, a proposta em tramitação no Congresso e defendida pelos aliados do governo prevê que a urna eletrônica tenha acopladas uma impressora e uma urna transparente onde o voto impresso seria depositado para conferência do eleitor que assim desejar.
Já houve experiência com urnas híbridas no Brasil nas eleições de 2002 em Brasília, Tocantins e Sergipe. Na época, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) decidiu implementar o voto impresso em 5% das urnas para auditar o resultado da votação eletrônica. Ao final do processo, foi confirmada a eficiência e a segurança eletrônica.
Segundo o TSE a implantação do sistema em todo o Brasil teria um custo aproximado de R$ 2,5 bilhões. Em plena pandemia, com falta de vacinas, valor reduzido do auxílio emergencial, aumento do desemprego, diminuição dos investimentos públicos em diversos setores, como a educação, quebradeira de micro e pequenas empresas, essa proposta é no mínimo irresponsável.
Onde está a fraude eleitoral?
Na verdade, as denúncias de crime e fraude no processo eleitoral de 2018 na disputa presidencial do Brasil, amplamente comprovadas e documentadas e que são investigadas em CPI Mista do Congresso Nacional e por Inquérito no Supremo Tribunal Federal são a veiculação das chamadas fake news e do disparo ilegal de mensagens em massa realizados pela campanha do então candidato Jair Bolsonaro.
O que está por trás dessa proposta de voto impresso é a tentativa de desqualificar o processo eleitoral e colocar em dúvida o resultado das eleições de 2022, como buscou fazer Donald Trump nas eleições de 2020 nos EUA. Com a possibilidade real de derrota, os bolsonaristas tentarão criar um clima de instabilidade e de desconfiança para tentar uma virada de mesa. Mas estamos atentos. O Pavio Curto também! Não passarão!
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