Ilustração Cacinho
Por Giovana Damaceno
Inicio este texto com um título nada original. Ele é copiado de uma campanha que poucos anos atrás chamava a atenção de leitoras e leitores sobre a autoria feminina e suas várias ausências, além das prateleiras domésticas. Foi dessa forma que o Leia Mulheres começou um trabalho que já tem sete anos, está consolidado no país e tende a crescer, pois estimula braços em todos os municípios.
Em 2014, com a escritora Joanna Walsh, o projeto consistia basicamente em conclamar a todos e todas a lerem mais escritoras, já que no restrito mercado editorial mulheres não possuem tanta visibilidade. A partir de 2015, Juliana Gomes, Juliana Leuenroth e Michelle Henriques levaram o Leia Mulheres para espaços físicos, como livrarias e casas de cultura. Hoje, homens e mulheres leem mulheres em cerca de 150 municípios de todos os estados brasileiros e, ainda, na Alemanha, Portugal e Suíça.
Pelo mesmo motivo de ausência da mulher na literatura, foi fundado no Brasil, em 2017, o Movimento Feminista Literário Mulherio das Letras, que atualmente conta com mais de sete mil integrantes, todas escritoras, profissionais de Letras ou que fazem parte da produção de livros, como capistas, designers, diagramadoras, ilustradoras, editoras, etc.
O Movimento foi fundado por um grupo de escritoras, reunidas em Paraty durante a Festa Literária Internacional (Flip) de 2016, convictas de que não só as autoras eram menos contempladas no mercado literário, como tinham menor visibilidade e não eram convidadas para os grandes eventos, até hoje dominados e ocupados por homens. Já no ano seguinte o movimento reuniu mais de quinhentas escritoras em um primeiro encontro nacional, em João Pessoa/PB e não parou mais. Teve encontro em 2018, em Guarujá/SP e, em 2019, em Natal/RN. Em 2020, por causa da pandemia, o encontro aconteceu on line.
O Mulherio das Letras não tem coordenadora. Funciona de modo coletivo e horizontal e os eventos são discutidos e decididos por meio de enquetes em um grupão fechado no Facebook, exclusivo para mulheres. Há ainda grupos regionais no Brasil e no exterior, que desenvolvem suas atividades individual e autonomamente.
Movimentos e projetos como o Leia Mulheres e o Mulherio das Letras vêm surgindo cada vez mais e com maior força nos últimos anos, motivados pela constatação de que a literatura no Brasil ainda é refém do machismo estrutural. E há registro sério a respeito. Pesquisa iniciada em 2003 pelo Grupo de Estudos em Literatura Brasileira Contemporânea da Universidade de Brasília, coordenada pela professora Regina Dalcastagnè, concluiu que o perfil do autor de romances no país, publicado pelas grandes editoras (Record, Companhia das Letras e Rocco), manteve-se o mesmo por mais de quarenta anos: esse autor é homem, branco, de classe média, nascido no eixo Rio-São Paulo. Os narradores também estão no mesmo lugar em que estão seus autores, sejam protagonistas ou coadjuvantes, na maioria são homens, brancos, de classe média, heterossexuais e moradores de grandes cidades.
Os resultados da primeira etapa da pesquisa foram divulgados em 2005 e os da segunda etapa em 2018. Foram analisados 692 romances escritos por 383 autores, nos períodos de 1965 a 1979, de 1990 a 2004 e de 2005 a 2014. Os percentuais não surpreendem, no entanto chocam, por se tratar de um registro documental de uma realidade ainda difícil de ser mudada e, pior, ainda negada inclusive por editores.
De 1965 a 1979 foram 82,6% de autores homens contra 17,4% de autoras mulheres; de 1990 a 2004 a maioria masculina baixa para 72,7% contra 27,3% de autoras mulheres; e de 2005 a 2014 livros publicados por homens ficaram em 70,6% e de mulheres em 29,4%. Entre as protagonistas, mulheres também são minoria, e mulheres negras, tanto na posição de autoras como na de personagens protagonistas aparecem abaixo de 10%. Personagens negros, principalmente mulheres, ainda aparecem como serviçais. Os autores são majoritariamente do Rio de Janeiro (33%), São Paulo (27%) e Rio Grande do Sul (9%).
Registros como esse existem para que mulheres que escrevem – e também as que leem – tenham conhecimento do lugar que (não) ocupam e saibam que necessitam lutar bravamente para garantir no mínimo o que lhe é de direito: o de poder publicar sua(s) obra(s). Em 2015, por exemplo, a escritora Catherine Nichols, depois de ser rejeitada em diversas editoras, resolveu enviar o manuscrito de seu livro sob o pseudônimo de George. Recebeu oito respostas positivas. Nas festas literárias com grande cobertura da imprensa nacional, quando uma mulher é o foco, nunca é pela qualidade do seu trabalho e, sim, pelos atributos físicos. Torna-se musa do evento e ganha fotos de seu rosto e corpo nos jornais, ao invés das capas de seus livros.
Milhares de mulheres têm dificuldade de escrever/publicar por causa das jornadas domésticas. Tantas outras não alcançam uma editora pelo simples fato de serem mulheres – sim, acontece! Livros escritos por mulheres ainda são considerados literatura feminina, no sentido de romântico, desinteressante para o mercado, sem qualidade literária que assegure sucesso de vendas.
Convido você, leitora(or) que passe a reparar nos convites/divulgação de eventos literários: quantos homens e mulheres são convidados para as discussões? Há equidade? Com certeza ainda não e muitos esforços são feitos – por mulheres, é claro! – para mudar essa realidade, com pouco sucesso. Leitoras(es) podem colaborar com essas mudanças conferindo suas estantes e equilibrar suas listas de leituras. Quanto mais livros de mulheres são vendidos, maior a visibilidade das autoras e maior será a valorização delas na produção editorial.
Beleza pura! Encantado com a produção das escritoras contemporâneas! Vamos! que elas dominem nossas estantes!
ResponderEliminarBelo artigo! Se não criarmos uma rede de apoio e impulsionamento entre nós mulheres, o cenário nunca irá mudar.
ResponderEliminarÉ preciso muita resistência e resiliência!! Minha admiração por todas as autoras, principalmente,por ti.
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