Por Sylvio da Costa Junior
A saúde como campo de pesquisa e trabalho dialoga com um conjunto de áreas que fogem do escopo strictu sensu da saúde, propriamente dita. A saúde quando olha apenas para si mesma se reduz ao campo da prática clinica, com suas condutas, protocolos e manejos assistenciais. Porém, não se faz saúde pública sem dialogar com o campo da educação, com o campo do meio ambiente, com o campo da economia e etc.
Como bem colocada em nossa Constituição Federal, no Artigo 196: “A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas SOCIAIS e ECONÔMICAS que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”. Ou seja, não se faz nem se produz saúde sem olharmos e dialogarmos com outras áreas distantes, em um primeiro olhar, com a prática clínica.
Exemplos para isso não faltam, entre os quais podemos citar a mortalidade materna ou as cáries dentais. Na mortalidade materna, a variável que mais influi no aumento do indicador é o grau de escolaridade da mãe. Quanto menor a escolaridade da mãe, maior a mortalidade materna; assim como a cárie dentária, quanto menor o grau de escolaridade do indivíduo, maior a prevalência de cárie dental. Ou seja, duas variáveis fora do escopo da saúde com claros marcadores sobre não apenas a saúde da população, mas com desdobramentos sobre a organização dos serviços de saúde.
Principais ameaças — Isto posto, estamos há varias décadas convivendo com epidemias causadas pela expansão da vida humana sobre o meio ambiente, que vai desde do aumento das grandes cidades até a alimentação de animais nem sempre próprios para o consumo humano. Como diria Monteiro Lobato no conto “Cidades Mortas”, o Brasil não é um pais de grandes animais, grandes mamíferos ou enormes predadores, como os países africanos ou nos campos gelados da Rússia, aqui nossas florestas têm como principais ameaças ao homem animais diminutos, pequenos, como mosquitos e fungos. Nossas grandes e exuberantes florestas quentes e úmidas são meios naturais e milenares de um enorme conjunto de arbovirus (vírus que naturalmente vivem em artrópodes ou mosquitos).
A ampliação desordenada sobre a floresta provocou no inicio do século XX a famosa guerra da vacina, uma guerra contra a rápida expansão da febre amarela silvestre, principalmente na cidade do Rio de Janeiro. Passados mais de cem anos, hoje a febre amarela é uma doença endêmica na região Centro-Oeste e na Amazônia. O que dizer então da dengue? Mosquito da fauna silvestre que, quando contaminado pelo vírus da dengue, não só tem levado a população ao sofrimento, e até a morte, como desorganizado sistemas municipais de saúde em surtos quase sempre nos meses de março e abril.
Há mais exemplos, como chikungunya e zika, vírus transmitido pelo mesmo mosquito da dengue. Hoje a região da Serra do Mar, que vai do litoral do Paraná até o Rio de Janeiro, pode ser considerada uma região endêmica dessas arbovirozes. Vieram para ficar.
Viemos há quase dois anos uma pandemia por Covid-19, que foi precedida por duas outras —Sars e Mers, com origens similares: o consumo e convívio com animais sem a devida avaliação sanitária, onde mais uma vez o meio ambiente, em seus animais silvestres e nativos, convivem de maneira nada harmoniosa com a espécie humana.
Qualquer um que tenha vivido os anos de 2020 e 2021 sabe o custo da sanha humana sobre o meio ambiente para os sistemas de saúde, para a economia e em vidas perdidas. A Covid-19 é uma doença que também veio para ficar. Doença respiratória, de fácil transmissão e adaptada nossa espécie. Mais uma de dezenas, porém nada nos aponta que será a última.
Não vivemos no planeta Terra, somos o planeta Terra, assim como todas as formas de vida aqui existentes. Assim, não é sábio a expansão desenfreada sobre a natureza, quer pelo avanço criminoso sobre a florestas para criação de gado ou quer pela falta de planejamento sobre a vegetação nativa das grandes cidades, para citar dois exemplos bem brasileiros. Para citar um exemplo brasileiro mais atual ainda, é um péssimo caminho nosso atual presidente (infelizmente) incentivar o garimpo ilegal na região Amazônica, com destruição da floresta e despejo de metais pesados, como mercúrio, nos rios da região.
Degradação ambiental — Reforçando essa tese, no 11º Congresso Brasileiro de Epidemiologia da Associação Brasileira de Saúde Coletiva Abrasco), realizado nos dias 18 e 19 de novembro, foi divulgado um documento intitulado “Carta dos Epidemiologistas à População Brasileira”, no qual são denunciados os riscos à sociedade brasileira e à sociedade global os crimes ao meio ambiente promovidos pelo governo protofascista brasileiro, e suas as consequências reais para saúde e para vida.
Não temos outra casa, não temos outro planeta e não temos saída, senão a convivência harmoniosa com todas as formas de vida aqui existentes. A saúde sozinha não dá conta de cuidar das pessoas adoecidas pela degradação ambiental provocada pelo homem. Indo mais além: ou revemos nosso modo de produção capitalista ou seremos mais um animal em vias de extinção.
Nosso modo de produção capitalista, gerador de uma irracional poluição que atinge a todos, promotor de um claro esgotamento de nossos recursos naturais e, principalmente, pai da miséria e pobreza econômica da maioria da população do planeta, está nos levando ao penhasco, a todos, sem exceção, até mesmo aos pouquíssimos beneficiados pelo capitalismo global, hoje altamente financeirizado. Não há investimento em saúde que dê conta de cuidar dos doentes advindos da ganância do modo de capitalista, no qual a ética do individual se sobrepõe a ética do coletivo.
O homem pode ser extinto do planeta, mas a vida não. A vida é mais ampla e de infinitas possibilidades.
Sem comentários:
Enviar um comentário