segunda-feira, 8 de novembro de 2021

Derrota de Bolsonaro em 2022 não acabará com o bolsonarismo

 


Texto Marlucio Luna

Ilustração Cacinho


Salvo uma catástrofe de proporções apocalípticas, as eleições de 2022 provavelmente marcarão o fim do ciclo de Jair (o falso) Messias Bolsonaro à frente da Presidência da República. O país levará décadas para se recuperar dos estragos causados pelo miliciano nas áreas econômica e social. Derrotar o Rei das Rachadinhas é a tarefa menos complexa. O maior desafio para o próximo ocupante do Palácio do Planalto será derrotar não capitão, mas o bolsonarismo — essa variação tupiniquim do fascismo, que mistura aporofobia, racismo, misoginia, lgbtfobia, fundamentalismo neopentecostal, interesses econômicos e uma boa dose de oportunismo canalha por parte dos militares.

Uma parcela significativa do eleitorado brasileiro — que, dependendo da pesquisa, varia entre 20% e 25% — permanece fiel a Asmodeu e aos desvarios cometidos por ele na condução do país. Desemprego recorde, 600 mil mortos na pandemia, elevação dos níveis de miséria, fome, corrupção, fake news e ameaça de recessão econômica parecem não ser suficientes para afastar a horda fascista de seu líder. O contingente de seguidores está consolidado em um patamar extremamente perigoso, o que coloca em risco a democracia e os avanços sociais conquistados a duras penas nas últimas décadas.

Os setores democráticos da sociedade ainda menosprezam o risco representado pelo bolsonarismo. Em uma análise com a profundidade de um pires, preferem encarar esse fenômeno político e social como se fosse apenas fruto da despolitização ou de um momento de crise econômica e política. Tal leitura incorre nos mesmos erros cometidos durante a ascensão de Mussolini na Itália e de Hitler na Alemanha. Ambos eram vistos como bufões, capazes de atrair parcelas pouco representativas das sociedades em que estavam inseridos. Deu no que deu.


Presença no cotidiano

A matéria-prima do bolsonarismo sempre esteve presente na sociedade — e, por mais difícil que seja admitir — e no cotidiano de todos nós. O futuro bolsominion nos acompanhava nas reuniões familiares, no trabalho, na escola ou faculdade, nas peladas de fim de semana. Podia ser visto ao volante dos táxis e dos carros de aplicativo. Era aquele tio que se comprazia com piadas racistas; o colega que, entre uma aula e outra, defendia a pena de morte e criticava a mais simples menção a direitos humanos; o conhecido que se recusava a participar de qualquer mobilização puxada pelo sindicato e acusava a representação dos trabalhadores de ser “coisa de comunista”; ou o parceiro de futebol que considerava normal tratar as mulheres com desrespeito. 

Os bolsominions estiveram o tempo todo ao nosso lado. Nós os subestimamos, classificando-os como “malucos”, “equivocados” ou simplesmente alguém que não merecia ser levado a sério — no máximo, motivo de chacota nas rodas de conversa. A partir de 2017, com a estruturação das redes de disseminação de fake news e a preparação da campanha eleitoral do ano seguinte, a manada de idiotas encontra canais para expressar o seu fascismo latente. Logo percebem que não são poucos. Passam a exibir aquilo que costumo definir como “ignorância ostentação”. Desaparece qualquer sentido lógico de argumentação. A negação da ciência, a mentira disseminada em larga escala, a religiosidade extremada, a defesa de valores superados há muito pelo processo civilizatório e a crença em uma suposta superioridade moral servem de base para o discurso vazio dos seguidores do Presidente Cloroquina.

A filósofa Márcia Tiburi escreveu um livro intitulado Como conversar com um fascista, no qual ela propõe estratégias de diálogo com justamente aquele que despreza o diálogo. Creio que ela não obteve sucesso, pois recebeu ameaças de morte e precisou sair do país. Este é apenas um exemplo de ingenuidade por parte de alguns setores do espectro político progressista. O fascista interdita qualquer canal de debate, pois apenas o ponto de vista dele deve prevalecer. Se tiver oportunidade, aniquila seu oponente e ainda se vangloria disso.

Militância de base

Então, o que resta às oposições do campo progressista fazer, já que não há possibilidade de diálogo com um bolsonarista raiz? Principalmente, rearticular os espaços de organização e mobilização da sociedade. Sindicatos, associações de moradores, grupos representativos das minorias (que hoje são maiorias) e entidades dos mais variados movimentos sociais precisam trabalhar arduamente para conter o avanço do fascismo. Retomar a boa e velha militância de base é o caminho para o despertar da consciência de classe. Não é o mais fácil, porém é o que garante resultados concretos.

As eleições de 2022 podem servir como polo aglutinador das lutas em defesa da cidadania plena. A questão é que ela deve ir além da mera disputa eleitoral. Reconstruir as bases de intervenção dos setores organizados da sociedade se coloca como ação vital para o enfrentamento com o bolsonarismo. Não há como repetir o erro de estimular apenas a criação de “consumidores”. É preciso apostar na formação de “cidadãos” capazes de compreender a dimensão dos seus direitos e a necessidade de defendê-los de ataques fascistas.

As mobilizações de 2 de outubro mostraram que ainda há uma longa caminhada pela frente. Mesmo com o relativo sucesso das manifestações, constatou-se que o campo progressista continua pregando para convertidos. Como pontapé inicial, valeu. No entanto, há urgência em ampliar os níveis de participação popular. O próprio modelo definido para os atos merece uma revisão. A sucessão de oradores repetindo os mesmos chavões, slogans e informações torna os atos enfadonhos e afasta quem não dispõe de um mínimo de formação política.

Enfrentamento

Aquele que derrotar Bolsonaro em 2022, seja quem for, encontrará um país destroçado. A população cobrará respostas rápidas para os problemas do desemprego, da fome e da falta de investimentos públicos. Muitas ações governamentais demorarão a surtir efeito. Nesse hiato, mora o perigo. O bolsonarismo vai se aproveitar da situação e voltar às ruas com suas camisas da CBF, dancinhas idiotas e discursos raivosos — isso sem falar na manutenção do discurso de ódio disseminados em grupos de WhatsApp, canais de YouTube e perfis falsos nas redes sociais. Esse será o momento do enfrentamento entre o campo progressista e a turba liderada por milicianos, pa$tore$ neopentecostais, militares entreguistas, latifundiários, grileiros, especuladores, oportunistas interessados em reconquistar espaços de atuação política e outros tipos de criaturas desprovidas de caráter.

Caberá ao campo progressista privilegiar o trabalho de militância nas bases, disputar o espaço de ação política nas favelas e periferias, no campo e na cidade. É possível conter e reverter o avanço da extrema direita em todo o país. Para tanto, basta sair às ruas e militar. É simples, mas dá trabalho.


3 comentários:

  1. Análise precisa, principalmente sobre o intervalo entre a pose do próximo ocupante do planalto e os primeiros resultados em meio aos destroços da atual e catastrófica gestão e o rombo deixado pela PEC dos precatórios.

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  2. A paródia é oportuna: Nunca tão poucos fizeram mal a tantos! Em referência ao que disse Sir Winston Leonard Spencer-Churchill, em 20 de agosto de 1940, em agradecimento aos integrantes da RAF (Real Força Aérea) pela vitória na Batalha da Grã-Bretanha: "Never was so much owed by so many to so few (Nunca tantos deveram tanto a tão poucos)". Lamentavelmente não temos, ainda, alguém do nipe de Churchill para defenestrar o cover tupiniquim de Hitler.

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