terça-feira, 9 de novembro de 2021

Dignidade menstrual: uma urgência para o Brasil

 

Ilustração Carol Cospe fogo

Por Marília Arraes* 


Uma em cada quatro adolescentes brasileiras não tem um pacote de absorventes à mão quando a menstruação chega. Quase 20% não têm acesso à água em casa e mais de 200 mil estudam em escolas com banheiros sem condições de uso. Garantir a dignidade menstrual para meninas e mulheres brasileiras sempre foi uma das minhas preocupações. 

E foi por isso que desde que cheguei à Câmara Federal, em 2019, iniciei uma série de ações, pesquisas e articulações que culminaram com a uma proposta que nos levou a criação de um programa nacional que garante o acesso a produtos de higiene menstrual e ações de educação e divulgação de informações sobre a saúde menstrual.

Em 2019, apresentamos o primeiro projeto com foco no tema. Na ocasião, focamos na distribuição gratuita de absorventes para estudantes, em situação de vulnerabilidade, de escolas públicas de todo o país. Na sequência, outras dezenas de propostas se somaram à proposição inicial. 

No dia 14 de setembro deste ano, o projeto - que já havia sido aprovado na Câmara dos Deputados – foi votado e aprovado no Senado. Estava criado o Programa Nacional de Promoção e Proteção à Saúde Menstrual, uma iniciativa inédita, que tem como objetivo central garantir a saúde e a dignidade para milhares de meninas e mulheres.

Tabu e desinformação

O programa atenderá, inicialmente, estudantes de baixa renda matriculadas em escolas públicas; mulheres em situação de rua ou em situação de vulnerabilidade social extrema; presidiárias e apreendidas, recolhidas em unidades do sistema penal e pacientes internadas em unidades para cumprimento de medida socioeducativa.

A menstruação é um processo natural do ciclo reprodutivo feminino, começando na puberdade — em média, aos 13 anos — e encerrando por volta dos 50. Apesar de ser algo rotineiro, ocorrendo uma vez por mês (caso não haja fecundação), o assunto ainda é tabu para muitas pessoas, cercado de desinformação e falta de acesso a absorventes e outros itens de higiene.

O relatório Pobreza menstrual no Brasil: desigualdades e violações de direitos, publicado recentemente pelo Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA) e pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), evidencia a urgência em políticas públicas de saúde para zelar pela dignidade humana de meninas e mulheres que sofrem cotidianamente com a escassez de condições adequadas para o período menstrual.

Falta de acesso e infraestrutura

Pobreza menstrual é uma expressão utilizada para denominar a falta de acesso a produtos de higiene menstrual, de infraestrutura sanitária adequada em casa e na escola e de conhecimentos necessários para esse período do ciclo reprodutivo. As brasileiras que mais sofrem com essa situação são as que vivem em condições de pobreza e vulnerabilidade em ambientes rurais ou urbanos.

 O levantamento analisou dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de meninas entre 10 e 19 anos por meio da Pesquisa Nacional de Saúde (PNS 2013), da Pesquisa Nacional de Saúde Escolar (PeNSE 2015) e da Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF 2017-2018), totalizando 15,5 milhões de brasileiras.

 Em se tratando dos domicílios, cerca de 713 mil meninas vivem sem acesso a banheiros, 900 mil não têm acesso a água canalizada e 6,5 milhões não possuem redes de esgoto em casa. Quando o assunto é infraestrutura escolar, 321 mil alunas estudam em estabelecimentos que não possuem banheiros em condições de uso. Mais de 4 milhões de meninas não possuem à sua disposição algum requisito mínimo de higiene, como papel, água ou sabão.

Problemas de saúde e evasão escolar

Quase 50% das garotas analisadas enfrentam, ainda, algum grau de insegurança alimentar. Cerca de 1 milhão delas vivem em situação de precariedade alimentar grave. Nesses casos, as famílias priorizam o consumo de alimentos em detrimento dos gastos com absorventes e outros produtos de higiene menstrual.

 Quando não há o acesso adequado a esses produtos, muitas mulheres improvisam permanecendo com o mesmo absorvente por muitas horas ou utilizando pedaços de pano, roupas velhas, jornal e até miolo de pão, resultando em problemas que variam desde alergia e candidíase até a síndrome do choque tóxico potencialmente fatal. A saúde emocional também é outro problema sério, ocasionando um aumento de evasão escolar.

 A pobreza menstrual é uma triste constatação de negligência por parte das autoridades para garantia mínima da dignidade feminina. É urgente investimentos em infraestrutura e acesso aos produtos de menstrual. Os absorventes poderiam ser disponibilizados em postos de saúde, por exemplo, assim como já é feito com preservativos e medicamentos — e a taxação de impostos poderia ser reduzida para baratear esses produtos. O saneamento básico em escolas deveria ser uma obrigação, assim como nos lares brasileiros. 

Os dados apresentados demonstram a necessidade prioritária de políticas públicas para reverter o problema e é isso que estamos fazendo e continuaremos a fazer!



*Marília Arraes é deputada federal (PT-PE) em primeiro mandato e a única mulher da bancada pernambucana na Câmara.  Antes foi por três vezes vereadora do Recife, onde iniciou sua atuação política no movimento estudantil e de juventude. É advogada formada pela Universidade Federal de Pernambuco e neta do ex-governador Miguel Arraes. 

*Carol Andrade é conhecida como Carol Cospe Fogo, trabalhou em agências de publicidade como diretora de arte e ilustradora. Cartunista e chargista. É a primeira mulher a receber o prêmio Angelo Agostini como melhor cartunista/caricaturista do Brasil em 2019. Colaboradora do coletivo Pavio Curto

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