domingo, 1 de maio de 2022

Solidão, depressão, empobrecimento e burnout: a “recompensa” dos millenials

Por Marlucio Luna

A chamada Geração dos Millenials, aqueles hoje com idade entre 30 e 40 anos, vive em um mundo para o qual não se preparou. Filhos diretos da cultura digital e das redes sociais, imaginavam na juventude que usufruiriam de uma sociedade metamorfoseada pela tecnologia, com amplas perspectivas e repleta de oportunidades. A realidade, no entanto, se mostra muito mais dura do que eles poderiam prever. A instabilidade econômica e as transformações no mundo do trabalho tornaram a vida adulta quase que insuportável. Isolamento social, empobrecimento, burnout e depressão compõem o cotidiano de grande parcela dos millenials. O lamento expresso por Dante na Divina Comédia se encaixa perfeitamente nessa situação: “Ó, vós que entrais, abandonai toda a esperança”.

Vistos como “fracassados” pelos mais velhos e cringes (bregas, fora de moda) pelos jovens, os millenials são a geração mais afetada pelo empobrecimento e pela depressão em todos os tempos. Isso se deu por conta de uma série de armadilhas criadas por eles mesmos. O futuro glorioso, que viria com a tão sonhada revolução gestada pela tecnologia, simplesmente não chegou. Em seu lugar, surgiu uma sociedade ainda mais competitiva e concentradora de renda. O estilo de vida hedonista baseado em “experiências” ¹ de consumo se revelou caro demais e insustentável diante das exigências da vida adulta. As postagens sobre viagens a lugares exóticos, jantares em restaurantes caros e roupas de grife desapareceram gradativamente dos perfis nas redes sociais, algo que desperta o sentimento de frustração.


Enquanto os baby boomers — a geração nascida nos pós-guerra — privilegiaram a renda e a estabilidade financeira, os millenials apostaram suas fichas no consumo desenfreado. Ignoraram duas crises econômicas globais, a gradativa perda de direitos trabalhistas, as mudanças no mercado de trabalho, o encolhimento em escala planetária do poder de compra da classe média e as incertezas de uma economia que deixou de crescer em ritmo acelerado. Criaram um universo paralelo, no qual o clima de euforia hedonista das redes sociais se transportaria automaticamente para o mundo real. Faltou apenas combinar isso com a realidade.


Burnout, mas com sorriso nos lábios — As questões de ordem prática da vida foram afetadas pela visão distorcida dos millenials. A partir de uma premissa válida — trabalhar com o que se ama —, estabeleceu-se o discurso falacioso de que passar 10 ou 12 horas no trabalho seria algo prazeroso. O “faço o que gosto” serviu para pavimentar a estrada rumo à dedicação profissional excessiva, mesmo que mal remunerada. As atividades profissionais tornaram-se cada vez mais estressantes; a competitividade deu o tom das relações nos ambientes de trabalho. Nenhum esforço era absurdo, já que “faço o que gosto”.

O resultado de tal distorção foi uma epidemia de burnout, distúrbio de ordem psíquica causado pela exaustão extrema, invariavelmente relacionado ao trabalho do indivíduo. Um estudo publicado em 2019 pelo Yellowbrick Data indicava que 95% dos millenials relataram surtos de burnout e que 75% se sentiam mentalmente exaustos. A pesquisa foi suspensa no ano seguinte por conta da pandemia de Covid. No entanto os especialistas acreditam que o cenário tenha se mantido inalterado. 

Não é à toa que os millenials passaram a ser conhecidos como a Geração Burnout ². A escritora norte-americana Anne Helen Petersen descreve os efeitos do distúrbio: “(...)você sente o burnout quando esgota todos os seus recursos internos, mas não consegue se libertar da compulsão de continuar”. A doença se manifesta em ocupantes de empregos que exigem desempenhos irreais. Ela se torna mais aguda diante da pressão em ostentar uma performance irretocável na vida on-line. Perfis em redes sociais precisam transmitir a mensagem de sucesso profissional, de felicidade na vida pessoal e de realização. Mesmo doente, o millenial deve apresentar-se com um sorriso nos lábios, como se vivesse em um conto de fadas.


O desequilíbrio psíquico não se restringe apenas aos casos de burnout. Estudo publicado pelo Journal of Community Health aponta que, desde 2013, os millenials tiveram um aumento de 47% nos diagnósticos de depressão. A situação é ainda mais grave quando se analisa os dados referentes à população negra. Entre 2001 e 2017, as taxas de mortalidade por suicídio de jovens negros do sexo masculino, na faixa etária entre 13 e 19 anos, cresceu 60%. No sexo feminino, a elevação chega a espantosos 182%.


Solidão — Empresas especializadas em pesquisa de mercado já identificaram um traço característico dos millenials: a solidão. Cerca de 30% da geração do milênio se sente solitária com muita frequência ou sempre, índice duas vezes maior que o registrado entre os boomers. Já deu para perceber que interação social não é o forte dessas pessoas. Criada na dinâmica do jurássico Orkut, do Facebook, do Instagram, do Twitter, da TV a cabo e das plataformas de streaming, essa é a geração mais solitária do planeta. Em vez do contato pessoal, prefere passeios virtuais pelos perfis de amigos igualmente virtuais, maratonas de séries na TV a cabo ou em algum Netflix da vida.

Por conta da falta de interação social e da ausência de perspectiva de estabilidade financeira, até mesmo as relações afetivas são afetadas. O crescimento dos sites de relacionamento como o Tinder apenas confirma a dificuldade por parte dos millenials de manutenção de vida social fora do espaço digital. E, mesmo quando ocorre, ela enfrenta todo tipo de limitações (tempo escasso, dinheiro curto, entre outros), o que representa um desestímulo adicional.

Para enfrentar a solidão, muitos investem na companhia de pets. Três em cada quatro norte-americanos têm um animal de estimação ³. A principal justificativa é a necessidade de companhia. Já que o futuro é incerto e a instabilidade financeira aflige, a saída encontrada é a adoção de filhos de quatro patas, pois estes não necessitam de vultosos investimentos em educação, requerem gastos menores com alimentação e não exigem gastos adicionais com moradia. Desta forma, a conexão humana é mais uma vez colocada em segundo plano.


E o futuro? — A maturidade coloca um desafio para os millenials. Os avanços na área da medicina indicam que haverá aumento da longevidade. Como será a velhice sem bons empregos, direitos trabalhistas, políticas sociais amplas, estabilidade financeira e emocional? Restará a eles apenas as lembranças de uma juventude repleta de “experiências”, solitária e depressiva? Cães e gatos serão seus únicos companheiros?

Porém as dúvidas acerca do futuro vão além dos millenials. A Geração Z, aqueles que hoje têm entre 18 e 25 anos, cairá nas mesmas armadilhas, se contentará em viver com menos ou adotará o consumismo insustentável como estilo de vida? E os filhos dos millenials, a Geração Alfa, terão como enfrentar o mercado de trabalho cada vez mais exigente e menos recompensador? A dúvida se coloca devido ao fato de seus pais não disporem de recursos para investir pesadamente em educação. 

O futuro não é nada auspicioso, a não ser que uma grande transformação ocorra em escala planetária. A concentração de renda se intensifica nas nações do chamado Primeiro Mundo. Já nos países periféricos, ela sempre existiu, porém assumiu nos últimos anos patamares insustentáveis. A lógica millenial de um mundo no qual a fruição viria em primeiro lugar se mostrou equivocada. Depressão, empobrecimento, burnout e solidão foram o preço a ser pago. E a fatura chegou...


1 — https://valorinveste.globo.com/objetivo/gastar-bem/noticia/2019/11/10/52percent-dos-millennials-brasileiros-preferem-gastar-em-experiencias-do-que-em-bens-materiais.ghtml

2 — PETERSEN, Anne Helen. Não aguento não aguentar mais: como os millenials se tornaram a geração burnout. São Paulo: HarperCollins, 2021.

3 — https://www.newyorker.com/magazine/2021/06/28/what-will-become-of-the-pandemic-pets

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