Por Sylvio Costa Jr.
Após o golpe de 2016, o
SUS foi gravemente ferido com a aprovação da emenda de teto de gasto — a famosa
PEC da Morte — que promove uma perversão no financiamento do sistema, pois o
SUS, que era subfinanciado, passou a ser desfinanciado. Somado a isso, tivemos
um conjunto de políticas econômicas e sociais que tentaram restringir a
participação social, como o duro ataque ao sindicalismo nacional e a constante
hipertrofia do judiciário, sempre pronto a decidir pela ilegalidade das greves
dos trabalhadores, quando não a própria prisão das lideranças sindicais e sociais.
Durante o governo
Bolsonaro o SUS não poderia ter caído em piores mãos. O presidente,
irresponsável do ponto de vista social e sem apreço pela gestão da máquina
pública, nomeou como seu primeiro ministro da Saúde o deputado Luiz Henrique
Mandetta, autointitulado “amigo da ciência”. O amicíssimo da ciência, em seu
pouco mais de um ano à frente do Ministério da Saúde, implantou o famigerado
Previne Brasil (PB). Como já escrito em outro artigo nesse veículo, o PB é um
cavalo-de-pau no financiamento da atenção básica, pois promove a regulamentação
da PEC da Morte na atenção básica. Esse foi o papel do autoproclamado “amigo da
ciência” em sua passagem pelo Ministério da Saúde.
Despois tivemos nomeado
como ministro o empresário do setor saúde Nelson Teich, conhecido como “Teich,
o breve”. Após ficar alguns poucos meses à frente do Ministério, com seu
aspecto sempre de cansaço e fadiga, a única coisa que se percebeu foi que ele
era o homem errado, no lugar errado e no momento errado.
Em seguida, tivemos o
general trapalhão Eduardo Pazuello, os escândalos das vacinas superfaturadas,
testes estragando em estoques federais, as mortes em massa por Covid, e o
Ministério da Saúde gastando sua energia alterando bula de remédio antiparasitário
para ser consumido como antiviral, normas técnicas sendo emitidas de forma
apócrifa e o país em estado de choque. A CPI da Covid mostrou um show de
aberrações em meio à pandemia — como, por exemplo, um PM malandro de Pouso
Alegre, em Minas Gerais vendendo vacina ao Ministério mediante pagamento de R$ 1
de propina por frasco vendido — e a estranha compra da vacina Covaxin sem
aprovação da Anvisa e, ao mesmo tempo, o boicote a compra da vacina da Pfizer e
da Coronavac.
Após a saída do general de
estimação do capitão, assume o Ministério o médico Marcelo Queiroga, uma
espécie de Pazuello de jaleco. Óbvio que nada disso deu certo, e o Ministério
da Saúde se encontra ao longo de quase quatro anos paralisado, sem programas
robustos ou iniciativas de proa, apenas com patrulhamento ideológico a
servidores e movimentos sociais. Chegado agora o período eleitoral, é sempre
bom lembrar esses fatos, pois como se diz popularmente: na eleição até satanás
se fantasia de sacristão.
Importante notar o papel
de destaque em defesa da vida, da vacina e do interesse do conjunto da
população que os movimentos sociais tiveram e tem até hoje. O Conselho Nacional
de Saúde teve um papel de destaque no combate ao obscurantismo, à negação da
ciência, na defesa do SUS e de seu financiamento adequando.
Na pandemia de Covid-19,
foi clara a importância do controle social nos municípios e nos estados,
fiscalizando governos locais na compra de vacinas, pressionando gestores para
rápida aquisição dos imunizantes e rechaçando o uso de cloroquina para uso na
população como antiviral, ou ainda, auxiliando municípios na organização da
população para distribuição de vacinas. O controle social se mostrou vivo e
presente no momento mais difícil da pandemia, cumprindo assim seu papel
fundamental e que será lembrado na historiografia nacional, a defesa do
interesse popular. O controle social
mostrou que a sociedade brasileira está viva e atuante.
Ao que tudo indica,
passado o momento mais duro da pandemia, estamos em um momento chave para o
controle social: a organização da 17ª Conferência Nacional de Saúde, em 2023.
As conferências são espaços vitais para o SUS, pois, antes da Conferência
Nacional, são organizadas conferências estaduais. O conjunto da sociedade
brasileira se organiza ao longo de mais de um ano no debate sobre qual saúde pública
queremos para o pais.
Paralelas à conferencia de
saúde, outras conferências também vão acontecendo para desembocar na Conferência
Nacional de Saúde ou ser pautada no
encontro nacional. Cito três exemplos dessa natureza: a Conferencia de Saúde
Mental, que movimentou em 2022 um grande contingente de usuários e
trabalhadores no debate referente a luta antimanicomial e como essa rede de
cuidados deve ser organizar. Mesmo com o boicote do governo federal cancelando
o encontro nacional em 2022, o debate e a organização popular já foram colocados
e dados. O adiamento do encontro nacional só mostra o medo que o governo tem da
organização popular e como essa pauta da saúde mental é importante e não será
esquecida. O assunto e a pauta estão postos, queira o governo goste ou não.
Outro exemplo é a saúde
bucal. Há quase 20 anos, em 2004, foi realizada a última Conferência Nacional
de Saúde Bucal e, de lá para cá, muita coisa mudou na organização da rede de
saúde bucal no SUS. Acredito que urge a necessidade de iniciarmos o processo de
organização da IV Conferência Nacional de Saúde Bucal no Conselho Nacional de
Saúde, entendendo seus desafios, obstáculos, mas também sua necessidade. Cabe
ao controle social organizar trabalhadores, gestores e usuários para debater
que saúde bucal deve ser levada para população brasileira, e inserida em qual
modelo de sistema de saúde. Sempre aguardando o momento ideal, há quase 20 anos
não se realiza uma conferência de saúde bucal. Quando o momento ideal virá? É
necessário colocar a saúde bucal em movimento. Já!
Finalizando, não poderia
deixar de falar da Conferência Nacional Livre, Popular e Democrática de Saúde.
A Conferencia é uma atividade preparatória para a 17ª Conferência Nacional de
Saúde e envolve na sua construção uma série de movimentos populares,
instituições e organizações comunitárias. A Conferência Livre surge da
iniciativa da Frente pela Vida, criada em 2020 por várias entidades que militam
na saúde pública e no SUS. Elas se constituíram para oferecer respostas
efetivas durante pandemia de Covid-19 diante do desastre na coordenação ao
enfretamento da pandemia pelo governo Jair Bolsonaro.
Normalmente problemas
complexos tem respostas simples e erradas. É necessário ouvir e debater com os
diversos setores sociais para que a construção do modelo de sistema saúde que
desejamos saia dessa energia social. A construção do SUS foi assim. Sem o povo
na rua, sem o povo em movimento, o SUS será entregue de bandeja ao setor
privado. No conforto da vida de classe média, dentro de casa, ou ficando
horrorizado com as loucuras do governo Bolsonaro não avançaremos. O grosso da
população está se virando para sobreviver. A pergunta que fica é: se os setores
mais progressistas da sociedade, mais conscientes, e mais organizados não foram
setores de vanguarda, capazes de iniciar as mobilizações, vamos cobrar a
mobilização dos setores mais despolitizados e fragmentados do nosso tecido
social? Por isso: vamos as conferencias,
vamos as ruas e, principalmente, vamos nos organizar, porque o paraíso não é
perto.
Ilustração: Cristóvão Vilella
Sem comentários:
Enviar um comentário