sábado, 1 de maio de 2021

O primeiro de maio, desigualdades e a luta das trabalhadoras e trabalhadores

Por Edson Diniz*

Em mais um primeiro de maio, talvez o mais difícil dos últimos anos, cabe nos perguntar novamente se essa data deve ser comemorada ou não. O que os trabalhadores do mundo, em especial as brasileiras e brasileiros, teriam para celebrar diante do que vivem hoje?


Para responder a essa pergunta é preciso, em primeiro lugar, olhar para as transformações pelas quais passou o mundo do trabalho nos últimos anos. Em seguida, precisamos discutir como tais transformações afetaram a vida daquelas e daqueles que verdadeiramente produzem a riqueza do país com seu trabalho diário.

Isso mesmo, são as trabalhadoras e trabalhadores que produzem as riquezas!  É preciso lembrarmos desse fato sobretudo no Dia do Trabalho, pois, apesar de produzirem toda a riqueza do país, as trabalhadoras e trabalhadoras não se apropriam dela. Pelo contrário, são aqueles que exploram o seu trabalho, os donos do capital, que acabam por concentrar em suas mãos a riqueza produzida. Tal fato só aumenta as desigualdades entre capital e trabalho e condena milhões de pessoas a uma vida de dificuldades.

Vejamos: durante a atual crise provocada pela pandemia da COVID-19, houve um aumento da riqueza acumulada pelos bilionários no mundo e no Brasil. Segundo pesquisa realizada pelo Banco Suíço UBS, o aumento da riqueza dos bilionários em 2020 ultrapassou os US$ 10 trilhões. E todo esse montante foi apropriado por apenas 2.189 pessoas,. Se levarmos em consideração que o mundo possui 7,8 bilhões de pessoas, podemos ver claramente o nível de concentração de renda que esses dados denunciam.

 Na outra ponta, a pobreza aumentou em todos os países de forma alarmante. Dados do Banco Mundial estimam que neste ano, chegaremos a 150 milhões de pessoas vivendo abaixo da linha da pobreza, ou seja, vivendo com menos de US$ 1,9 por dia,. Só no Brasil, temos 13 milhões de pessoas nessa situação. É só andar pelas ruas das cidades brasileiras para ver os efeitos concretos desse aumento das desigualdades. Na cidade do Rio de Janeiro, por exemplo, a cada dia aumenta o número de trabalhadoras e trabalhadores sem emprego obrigadas/os a morar nas ruas com suas famílias. O Censo da população em situação de rua realizado em 2020 pela prefeitura carioca, aponta um total de 7.272 pessoas em situação de rua, o que pode ter aumentado com o agravamento da pandemia1. A estimativa do IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) é, pGFeRa PNC sS, por exemplo, fala em pelo menos 222 mil pessoas em situação de rua no país. A maioria dessas pessoas  negra, pobre moradora de periferias e favelas e que, para sobreviver, passa a morar nas ruas do Centro e de bairros nobres para conseguir alguma forma de sustento. A fome, o desemprego e a falta de moradia, portanto, têm um corte racial.

Porém, esse quadro sombrio para as trabalhadoras e trabalhadores não se deve apenas à pandemia. Esta, agravada pela omissão e atitude irresponsável do governo federal, apenas escancarou as desigualdades e injustiças históricas contra aqueles que produzem a riqueza do país.

Na verdade, há um projeto de “modernização” em curso que, entre outras ações, atacou os direitos das trabalhadoras e trabalhadores e os substituiu pela insegurança e precariedade. Começando pelas “novas leis trabalhistas” que retiraram direitos históricos e que, somadas à “reforma da previdência”, deixaram a classe trabalhadora ainda mais desamparada.   

Esse projeto, defendido pelas elites econômicas como a salvação econômica do Brasil, obedece aos preceitos do neoliberalismo. Este, por sua vez, com sua lógica da concorrência de mercado transportada para todos os espaços da vida, recomenda a destruição do Estado de bem-estar social, a retirada de toda rede de proteção ao trabalho e o completo domínio do capital sobre o trabalho vivo. Nesse modelo de funcionamento social, econômico e cultural, o que vale é o lucro e as pessoas são apenas meios de se aumentar a acumulação de capital. 

Um dos resultados da política neoliberal é o processo de “uberização do trabalho”: As pessoas trabalham cada vez mais, recebem cada vez menos e não controlam mais suas vidas; tudo está a serviço do lucro das grandes empresas. E mesmo aqueles que trabalham a partir das demandas de um “app”, e que, portanto, têm em seu cotidiano a sensação de maior autonomia por não ter a figura de um “chefe”, se enganam. Essas trabalhadoras e trabalhadores são totalmente dependentes do poder de um aplicativo sobre o qual não têm qualquer controle. Essas pessoas não têm direitos trabalhistas, pois nem são reconhecidas como empregadas das companhias que estão por trás dos serviços que prestam, para onde vai o lucro principal. Tal situação só é possível porque temos no Brasil de hoje 14 milhões de desempregados e mais de 40% de nossa população no trabalho informal. 

Ainda temos os “terceirizados”, cujo trabalho é explorado ao extremo por organizações que prestam serviços a outras organizações que, por sua vez, cometem todo tipo de abusos contra as trabalhadoras e trabalhadores. Um caso recorrente é o das chamadas O.S. (Organizações Sociais) na área da saúde, no Rio de Janeiro, que oferecem salários baixíssimos, atrasam os pagamentos, e que, em muitos casos simplesmente desaparecem sem pagar seus empregados.

A saída oferecida pelo ideário neoliberal? Seja um empreendedor! Conceito que virou moda entre a classe média – outra vítima da crise – que realmente acredita que a solução dos problemas do mundo do trabalho passa apenas pelo “esforço individual”. Mas como imaginar alguém que vive com menos de R$ 10,00 por dia ter condições de virar um empreendedor? A solução para a precarização do trabalho, obviamente, não pode ser individual, mas sim coletiva. 

Diante desse quadro, e para não perdermos a esperança, precisamos manter e aprofundar a luta por direitos e trabalho digno. Para tanto, devemos fazer uma crítica à sociedade capitalista, reconstruir a união dos trabalhadores em torno de programas políticos de classe, e caminhar juntos a partir da ideia do “Comum”:. Ideia baseada no reconhecimento de que a humanidade só tem futuro se for capaz de superar as marcas do capitalismo e construir outra sociedade firmada na solidariedade, cooperação e humanização do trabalho

Por fim – e  embora isso não seja uma novidade, pois um velho pensador alemão já o dizia há mais de 170 anos – sempre é bom reafirmar: “trabalhadores de todo o mundo, uni-vos”! 1 3 4 5 6 DSEsSESPH FDH


Referências:

https://g1.globo.com/economia/noticia/2020/10/07/riqueza-dos-bilionarios-cresce-durante-a-pandemia-e-atinge-marca-recorde-de-us-102-trilhoes.ghtml   (Acessado em 27/04/21)

2 https://www.bbc.com/portuguese/internacional-54470607. (acessado em 27/04021)

https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/2020/12/31/censo-mostra-que-rio-tem-mais-de-7-mil-pessoas-em-situacao-de-rua.ghtml. (acessado em 27/04/21)

https://www.ipea.gov.br/portal/index.php?option=com_content&id=35811 (acessado em 27/04/21)

DARDOT, Pierre; LAVAL. Christian. Comum: ensaio sobre a revolução no século XXI. São Paulo: Boitempo,2017.

MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. O manifesto do Partido Comunista. Porto Alegre: L&P,2006.


Sobre o autor:

*Edson Diniz, 50 anos, morou na Favela da Maré por 40 anos, historiador, outor em ociologia da ducação pela PUC-Rio. Cofundador da Redes de Desenvolvimento da Maré, criador do Núcleo de Memória e Identidade dos Moradores da Maré (NUMIM). Desenvolve pesquisas nas áreas de sociologia da educação, segurança pública, história das favelas e direitos humanos.


Termos para Glossário: Capital, donos do capital, direitos históricos, Reforma da Previdência, Neoliberalismo, Estado de bem-estar social, domínio do Capital sobre o trabalho vivo, trabalho vivo, app, trabalho informal, terceirizados, ideário, sociedade capitalista

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