terça-feira, 9 de novembro de 2021

Milton Santos - Intelectual da Periferia, Pensador do Mundo


 Ilustração Cacinho 

Por Jorge Luiz Barbosa*

Milton Santos nasceu no interior da Bahia, em Brotas de Macaúbas, em 3 de maio de 1926. Educado pelos pais, professores do ensino básico, Milton Santos segue para Salvador ainda muito moço para completar seus estudos em um ginásio-internato. Ali, já começou a lecionar, aos 15 anos de idade, para os alunos mais novos. 

Seu interesse dedicado à geografia, à filosofia e à história já começaria a formar sua cultura científica, social e humanística.  Formou-se em Direito, em 1948, na UFBA, formação/ profissão praticamente exclusiva para famílias brancas, abastadas e de mando na sociedade baiana e brasileira. 

O advogado estava apenas no diploma. O caminho seguido era mesmo o de professor de geografia, consolidado em 1958, com a sua Tese de Doutorado O Centro da Cidade de Salvador, defendida na Universidade de Estrasburgo (França).  Sua habilidade para ensinar foi sempre acompanhada da qualidade de sua escrita. Daí ter combinado o exercício de redator do jornal A Tarde com o de docente de geografia humana da Universidade Católica de Salvador e da Universidade Federal Bahia, até ser preso e exilado com o Golpe Civil-Militar em 1964. 

Crítica ao capitalismo

O exílio, com seus sofrimentos de solidão e de imposição de ausências, fez Milton Santos viver em desassossego. Morar em cidades diferentes (Paris, Bordeaux Toulouse, Nova York, Toronto, Lima, Dar-es-Salaam, Caracas) para ensinar em universidades diferentes, vivendo situações instáveis de trabalho, acabaram por forjar o intelectual e cidadão cada vez mais atento, ousado e profundamente crítico às condições sociais vividas em geografia plurais. 

Seus livros As cidades do Terceiro Mundo e o Espaço Dividido: os dois circuitos da economia nos países dos subdesenvolvidos — publicados em 1971 e 1975, respectivamente, em francês e inglês, originados no nomadismo — são demonstrativos da consolidação de um intelectual que afina a leitura do Brasil e da América Latina para entender o mundo.  

Sua construção intelectual defendia um território de fala e de escuta do conhecimento tão bem expressa na obra ético-política O Trabalho do Geógrafo nos Países do Terceiro Mundo. Intelectual do mundo fazendo da periferia a centralidade da crítica ao capitalismo. 

Milton Santos retorna ao Brasil no fim dos anos de 1970 (inclusive para que seu filho Rafael nascesse baiano). Volta a lecionar nas universidades brasileiras (UFRJ, USP e UFBA, onde recupera sua cátedra interrompida), trazendo uma bagagem de livros e artigos publicados em diversos idiomas. Todavia, seu olhar para mundo e para Brasil torna-se cada vez mais apurado, sensível e inventivo. 

Globalização

Milton Santos revoluciona a geografia brasileira com o seu livro Por uma Geografia Nova (1978) e daqui atiça reflexões originais para a geografia mundial (recebeu, em 1994, o Prêmio Internacional de Geografia Vautrin Lud; além dos títulos de doutor honoris causa em mais de 20 universidades pelo mundo ao longo de sua carreira). Seus estudos, pesquisas e ensaios se multiplicam em livros, artigos (inclusive em jornais) e conferências. 

Seu empenho em compreender as relações sociais, os meios técnicos e a produção do espaço geográfico revelam-se em seus mais recentes trabalhos Técnica, espaço, tempo: globalização e meio técnico-científico informacional (1994), Da totalidade ao lugar (1996), Metamorfose do espaço habitado (1997), que desembocam na sua obra maior: A Natureza do Espaço (1996), no qual buscou “a criação de uma teoria geral do espaço humano como uma contribuição da geografia à reconstrução da teoria social“.

Em 2000, publica Por uma outra globalização, do pensamento único à consciência universal. Pensador da Periferia colocando o mundo sob a crítica à globalização: “o estágio atual da globalização está produzindo mais desigualdades (...) crescem o desemprego, a pobreza, a fome a insegurança do cotidiano, num mundo que se fragmenta e onde se ampliam as fraturas sociais”.

Herança escravocrata

O debate ardorosamente crítico da globalização não deixa em segundo plano as profundas contradições da cidadania mutilada em nosso país: “O modelo cívico brasileiro é herdado da escravidão, tanto o modelo cívico cultural como o modelo cívico político. A escravidão marcou o território, marcou os espíritos e marca até hoje as relações sociais. “

  A coragem crítica esteve sempre envolvida com a criação de sínteses para desvelamento da sociedade e seu espaço produzido. São referenciais importantes os conceitos de formação socioespacial, território usado, espaço como sistema de objetos e ações, meio técnico científico-informacional que se envolvem decisivamente com as questões relativas à cidadania, ao direito e à justiça em seus escritos publicados e falas públicas.  E assim alimentava sua convocação às utopias: “O mundo é formado não apenas pelo que já existe, mas pelo que pode efetivamente existir. “

A crença nas possibilidades da mudança estava depositada nos lentos, justamente homens e mulheres que viviam seus territórios comuns, suas esperanças compartilhadas, suas lutas cotidianas por direitos.  Favelas e periferias ganhavam o centro do debate do legado intelectual, ético e político de Milton Santos. 

 

“Ser negro no Brasil é, com frequência, ser objeto de um olhar enviesado.”

“O poder da geografia é dado pela sua capacidade de entender a realidade em que vivemos.”

“A força da alienação vem dessa fragilidade dos indivíduos, quando apenas conseguem identificar o que os separa e não o que os une.”

Milton Santos

 

* Professor Titular de Geografia da UFF/RJ; fundador do Observatório de Favelas e do Instituto Maria e João Aleixo

* Cacinho é formado pela Faculdade de Cinema e TV da Universidade Salgado de Oliveira – UNIVERSO/ Juiz de Fora, em 2006, foi responsável pelo Núcleo de Animação da Groia Filmes, até o ano seguinte, quando abriu sua própria produtora, a AGente QUE FEZ – ANIMAÇÕES, também em Juiz de Fora/MG, tem mais de 20 curtas metragens e muitos prêmios em festivais de cinema e animação. Ministra oficinas e cursos de animação em escolas, universidades, clubes e festivais de cinema e vídeo. Foi chargista do jornal impresso TRIBUNA DE MINAS, durante o ano de 2018. Em 2019, funda em sociedade com o chargista André Ribeiro a revista digital DUAS BANDAS E UM CUJUNTINHO, que é uma homenagem a extinta revista BUNDAS do Ziraldo e em 2020 junto com o Coletivo PAVIO CURTO do qual é coordenador, iniciou os trabalhos de charges, caricaturas, ilustrações e animações para a revista digital de mesmo nome.

1 comentário:

  1. Excelente sinopse sobre vida e obra de Milton Santos e de suas premissas.

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