Por Mario Lucio Melo
Muitos me perguntam e outros afirmam categoricamente: “no meio desses sem-terra não tem gente só interessada em GANHAR TERRA para vender e depois ficar com o dinheiro?”
Sim! Certamente tem gente mal intencionada, burra, gananciosa, mau-caráter ou que nunca vai ser punida quando transgride a Lei em todos os lugares, instituições e qualificações profissionais. Não seria razoável acreditar que alguém imbuído dessa intenção não se infiltrasse nesse tipo de temática e tentasse aplicar a Lei de Gerson: “Quero levar vantagem em tudo”. Porém quem tentar tem que passar por diversos filtros. O primeiro deles é o do convívio com os colegas interessados, pois a reforma agrária é um processo coletivo. Nele, os próprios futuros beneficiários filtram os candidatos e se organizam por grupos de interesse. O segundo é que durante a fase de inscrição, em uma era informatizada, os dados pessoais são checados com os bancos de dados de controle oficial e um bom número de pessoas é identificada como proprietária de negócios, imóveis e rendas financeiras incompatíveis para este Programa, entre outros impeditivos. Não raro foram descobertas pessoas com mandados judicias de detenção ou mesmo foragidos de penitenciárias. Claro, foram encaminhadas à justiça para as devidas providências.
As terras desapropriadas pelo Governo Federal são pagas aos antigos proprietários que não as utilizavam cumprindo o previsto na Lei. Depois, o novo assentamento é dividido em lotes, segundo a capacidade do uso da terra e são abertas ruas e estradas para permitir o acesso dos assentados. Tem o custo da eletrificação, da construção das moradias e outras benfeitorias. Tudo isso é contabilizado para o cálculo das prestações que o beneficiário do Programa Nacional de Reforma Agrária irá pagar ao Governo Federal até a emancipação final do assentamento, quando então são emitidos os títulos definitivos, muitos anos depois.
Você pode dizer: “E o caso de venda de lotes? Eu soube de um caso...”. Essa situação é igual á compra de imóvel urbano pelo Plano Nacional de Habitação/ Caixa Econômica Federal. Existem regras para a aquisição de imóveis urbanos, seu pagamento e quitação. Em tese, quem compra está amarrado ao imóvel até sua quitação final, 30 ou até mais de 40 anos depois. Não importa se as prestações subirem além do salário do mutuário ou se ele precisar mudar de cidade para acompanhar a saúde de familiares idosos ou ainda se o casamento não der certo etc e tal. Existem mil e um motivos para a vida nos fazer mudar de rumo no meio de um caminho.
Pois bem, na reforma agrária acontece a mesma coisa. O beneficiário do Programa NÃO recebe o lote de graça; ele assume um compromisso com regras e normas bem claras. Quem, por um motivo humano justificável, precisar sair do assentamento tem que procurar o órgão responsável e devolver o lote, podendo receber pelas benfeitorias e investimentos feitos no lote, pelo novo ocupante. Existem outras formas de legalizar quem precisa sair do Programa ou mesmo trocar de assentamento, dependendo da sensibilidade do gestor do órgão responsável e dos assessores jurídicos. Para as coisas corretas sempre é possível encontrar soluções com sustentação administrativa e jurídica.
Infelizmente existem pessoas que tentam burlar essas regras — e não são poucas. Já vi alguns que não têm perfil de agricultor, e muito menos de sem-terra, tentar comprar lotes para terem “um sítio de fim de semana”. Nesses casos, perde quem vendeu, pois fica automaticamente excluído, em todo o território nacional, de entrar em outro grupo de selecionados para o Programa Nacional de Reforma Agrária, já que seu nome fica como já beneficiado e irregular no cadastro único. Por sua vez, quem comprou perde duas vezes. Perde primeiro o dinheiro que pagou, irregularmente, ao antigo beneficiário e perde depois, quando é despejado do lote por mandado judicial de reintegração de posse. O lote, judicialmente retomado, é destinado a outro beneficiário que está regularmente aguardando na lista dos interessados.
Você pode dizer que conhece alguma exceção ou caso irregular. Eu também conheço, mas sei que foram cometidos por dirigentes e/ou funcionários corruptos, sem nenhum compromisso com a verdadeira reforma agrária. Isso não invalida a proposta, mas sim que devemos criar sistemas de vigilância, controle e corregedoria das instituições e programas públicos, seus dirigentes e funcionários.
Em um governo popular e democrático, voltado para realizar as políticas públicas validadas pelas instituições representativas da sociedade e cientificamente comprovada pelas instituições de ensino e pesquisa, tal projeto pode e deve ser implementado como prioridade, pois a reforma agrária é uma usina geradora da agricultura familiar, fundamentada no respeito á agroecologia. Somente dessa forma teremos justiça social e alimentação saudável.
Sem comentários:
Enviar um comentário