sexta-feira, 17 de junho de 2022

Reforma Agrária, uma importante fábrica de agricultores familiares

Por Mario Lucio M. Melo Jr.

(engenheiro agrônomo)


A frase exaustivamente repetida em um canal de TV “o agro é isso, o agro é aquilo” mostra principalmente exemplos de agricultura exportadora (produtos que são vendidos para fora do Brasil) ou agroindustrial (que vão para a indústria de grande porte, são transformados em um ou mais subprodutos e, em grande parte, são também exportados). Depois de uma chuva de críticas e caricaturas, vindas de vários setores da sociedade (brasileiro faz piada de tudo), o tal canal de TV mudou o rumo e passou a mostrar importantes setores da agricultura de alimentos abastecedores de nosso mercado, que ainda não havia citado — e, por último, mais recentemente, trata das “pessoas” que fazem o agronegócio funcionar.

Todas as pessoas que trabalham nos mais diversos ramos da atividade são, sem sombra de dúvida, muito importantes. Porém o tijolo básico dessa catedral é a agricultura familiar. Ela é a base em que se assentam a força e a inteligência dessa atividade básica para a nossa sobrevivência. Sem isso, passaríamos fome e não teríamos matérias-primas para tocar importantes setores de agroindústrias básicas para nossa segurança alimentar. A propriedade agrícola familiar, onde trabalham o/a cabeça da família e seus agregados, alicerça e sustenta toda a cadeia de atividades dos alimentos que vão para a nossa mesa; melhor ainda, alimentos limpos e saudáveis.

Nesta altura do artigo você deve estar se perguntando: “Meu Deus, mas qual será a diferença entre essas agriculturas?”. Vamos listar, lado a lado, as principais diferenças:

Pelas evidentes diferenças reveladas por cada forma de produzir, pode-se deduzir as grandes forças que fazem uma verdadeira e desproporcional queda de braço na imprensa, na mídia e na política governamental quando é aprovada ou rejeitada cada “Política Pública” para o setor. Imagine os bilhões que são disputados pelos serviços de transporte das safras (empresas de caminhões, trens, barcos, portos etc); os bilhões que são disputados pela indústria de maquinário agropecuário (caminhões, camionetes de serviço, equipamentos para irrigação, estufas, armazéns, destilarias etc.); i os bilhões que são disputados pelos donos dos pacotes tecnológicos de herbicidas, sementes transgênicas, agrotóxico e adubos químicos, todos patenteados por empresas multinacionais. Essa lucrativa engrenagem gringa distribui uma pequena migalha para uma parcela do “Agro”, que afirma, aos quatro ventos, ser o setor que sustenta positivamente o PIB do Brasil. 

Imagine, você leitor, se TODO o lucro que sangra para a corrupção política e as indústrias estrangeiras ficassem no país para financiar um processo de agricultura agroecológica e a reforma agrária, que aproveitasse os milhares de brasileiros que desejam produzir alimentos saudáveis e garantir a sua renda e de seus familiares em suas próprias terras diretamente e indiretamente de outros milhares de empregos indiretos; que isso acarretaria para fortalecer indústrias e comércios, movimentando riqueza interna dentro do nosso país. 

Todos os países desenvolvidos e de economia forte fizeram sua reforma agrária, que é uma verdadeira fábrica de agricultores familiares. Os Estados Unidos fizeram a sua durante o século XIX, com a “Marcha para o Oeste”, culminando com o Homestead Act, ou Lei do Povoamento, em 1862. Essa lei, instituída durante o governo de Abraham Lincoln, ofertava lotes de terra no Oeste a um preço baixíssimo para americanos interessados e exigia em troca que a terra vendida fosse habitada e cultivada. Já na Europa, com o fim das monarquias e do feudalismo, na transição para a revolução industrial, os pequenos agricultores tiveram acesso à terra. Esses são apenas dois exemplos entre outras experiências de reforma agrária em todo o Mundo. Porém, como a história funciona em ciclos e nem tudo que é bom dura para sempre, com a concentração financeira nos bancos, que financiam as safras e os investimentos, em cada momento de crise econômica ou desastre climático, as instituições financeiras tomam as terras dos pequenos e as entregam em blocos maiores para os seus investidores. Esta situação gera então uma rápida e crescente concentração de terras e uma simultânea luta por uma reforma agrária agroecológica e sustentável em todo o planeta.

No próximo artigo discutiremos o que é uma Reforma Agrária agroecológica e sustentável.

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