sábado, 3 de julho de 2021

Ainda é cedo para sonhar com impeachment

Por Marlucio Luna 

Desde que os irmãos Miranda incendiaram a CPI da Covid com a implícita acusação de prevaricação de Jair Bolsonaro no processo de compra da vacina Bharat e a suspeita de corrupção na aquisição de imunizantes – o famoso US$ 1 por dose –, a chance de impeachment do genocida ocupante da cadeira presidencial tornou-se algo real. Para o cidadão minimamente consciente, isso representou um alento. Dourando o quadro de esperança, o presidente da Câmara, Arthur Lira, recebeu o super pedido de impeachment, endossado por 46 entidades da sociedade civil e unificando os argumentos apresentados em 123 outras solicitações de afastamento do presidente.


Ainda que a esperança mova e alimente o sonho de mudança rápida, pero no mucho, do cenário político, a realidade aponta um horizonte não tão auspicioso. Em Brasília, há setores da oposição a Bolsonaro que jogam para a plateia e trabalham para que a proposta de impeachment não se torne realidade. Para tais atores políticos, um afastamento do presidente votado pelo Congresso este ano daria margem para – usando um termo da moda – favorecer a “construção de uma narrativa”, na qual o Kid Cloroquina se colocaria no papel de vítima de um sistema político que ele buscou combater.


Tal discurso faria muito sentido para aquela parcela do eleitorado que segue fielmente o presidente, o típico bolsonarista raiz. Pior ainda, o transformaria em uma espécie de mártir. Para completar, seria o elemento deflagrador de um (pouco) provável movimento de resistência por parte de grupos com um pé no fascismo, notadamente policiais militares e membros de baixa patente das Forças Armadas. 


Logo no início desta semana, duas manifestações públicas de importantes atores políticos deram a entender, por diferentes motivos, que o impeachment não está no radar. O primeiro foi o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes, destacando que o instrumento “impeachment” não pode ser usado em qualquer situação, pois “o remédio pode matar o doente”. De certa forma, foi um alerta de que solicitar o afastamento do presidente da República neste momento significa colocar em risco a estabilidade da democracia – ainda que todas as instituições estejam funcionando normalmente. Mas isto é apenas Gilmar Mendes sendo Gilmar Mendes. 


Pior foi a água fria jogada pelo segundo personagem político a dar declarações pouco animadoras aos defensores do impeachment: o ex-presidente e favorito em dez entre dez pesquisas para as próximas eleições, Luís Inácio Lula da Silva. Nesta quarta-feira, 30 de junho, Lula disse que apoia o superpedido de afastamento de Bolsonaro, mas acredita que não vai dar em nada. O líder petista poderia até ter tal análise, mas jamais deveria expressá-la de forma tão explícita. Depois dessa manifestação pública, eu não aposto uma camisa do Bonsucesso no sucesso da iniciativa de tentar afastar o pai de Carluxo do Palácio do Planalto.


O que há por trás desta inapetência pelo impeachment demonstrada por parte expressiva da oposição? Em primeiro lugar, a ideia de que seria melhor sangrar Bolsonaro até outubro de 2022 e vê-lo chegar politicamente anêmico no pleito. Tal perspectiva conta com a simpatia de setores da esquerda, que sonham com uma vitória acachapante no primeiro turno. O problema é o outro lado. Um grupo expressivo da direita dita civilizada (aquela que sabe usar os talheres à mesa) e da centro-direita tenta ganhar tempo para buscar o tal nome da terceira via, jogando com a alta taxa de rejeição do governo e o discurso da polarização entre Bolsonaro e Lula. Assim, o calendário dará chance para manter a busca ativa por um (cada vez menos provável) nome de centro.


A não ser que surjam provas irrefutáveis dos crimes de corrupção que já são de conhecimento de todos, a tendência é deixar que Bolsonaro se transforme em um cadáver insepulto a vagar pelo Palácio do Planalto. Ele perdeu a confiança da entidade mitológica chamada “mercado”; criou atritos com o alto comando das Forças Armadas; associou-se ao Centrão, aquele agrupamento político disforme para o qual lealdade e respeito a acordos sempre foram peças de ficção (Dilma que o diga); e enfrenta o ataque sistemático da imprensa burguesa, a mesma que colaborou de forma decisiva para elegê-lo. Todos querem vê-lo como um zumbi político se arrastando em outubro de 2022.


A pergunta que fica no ar: o Brasil aguentará até outubro de 2022? Qual o preço a ser pago pela população em meio à maior crise sanitária da história e à pior crise econômica já vivida pelo país? Cálculos políticos à parte, não é possível fechar os olhos para o número de mortes causadas pela Covid, nem para os alarmantes índices de desemprego e miséria. Esperar as próximas eleições pode representar o agravamento incontrolável da situação.


2 comentários:

  1. Ainda há, como fato novo, a reforma tributária que irritou o mercado. Talvez os donos queiram morder o cachorro.

    ResponderEliminar