Por Eduardo Alves
É fundamental iniciar esta conversa informando as marcas ainda mais danosas do capitalismo no Brasil. Não bastassem todas as perversas dores impostas às pessoas que são empobrecidas pela força danosa dos preconceitos, do controle e das múltiplas explorações organizadas pelo Estado, o sistema penal joga aos cárceres privados a maioria do povo. O abolicionismo penal, ainda que não seja sinônimo do abolicionismo social que buscamos conquistar a cada dia com o fim das explorações, do racismo e das discriminações, é parte desta mesma história e possui muito peso em escala mundial. Aqui as veias abertas que ardem não permitem equívocos e nos conclamam a ser assertivos: afinal, das pessoas encarceradas, 66,7% são não brancas, segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública publicado em 2021. Segundo o mesmo anuário, “em 15 anos, a proporção de negros no sistema carcerário cresceu 14%, enquanto a de brancos diminuiu 19%”.
Mas, cravando de onde falamos, vale destacar o papel que têm os meios de comunicação nesse processo profundamente danoso levado pela PUNIÇÃO. Thomas Mathiesen, um norueguês nascido em 1933, começou a formular na década de 1950, sem olhar para América Latina e o Brasil, elementos fundamentais que nós do PAVIO CURTO precisamos chamar ainda mais atenção. Afinal, para esse teórico crítico da linha do ABOLICIONISMO PENAL, “A irracionalidade verdadeira da prisão é um dos segredos mais bem guardados em nossa sociedade. Se o segredo fosse revelado, destruiria as raízes do sistema atual e implicaria o começo de sua ruína”. Ou seja, nós da comunicação temos um papel fundamental em uma questão com profundo peso social, histórico, cultural e ideológico. São informações que as pessoas não podem ser impedidas de ter, as quais precisamos garantir para que o papel das punições em prisões seja evidenciado em todos os seus aspectos, tonalidades, espaço de ocupação social e condições de viver.
Acompanha a comunicação, bem próximo, o direito à educação para as pessoas. Combinando os astros, todas as pessoas mais punidas, as que mais se amontoam nos cárceres, são empobrecidas, negras, da periferia, com os direitos a sobrevivência e a educação impedidos pelo Estado. O Estado, principalmente em países que sofreram o peso danoso da neocolonização, faz valer sem restrição para a grande maioria da população os IMPOSTOS E AS PUNIÇÕES. Herança imposta do Iluminismo, existente desde o século XVIII, que ganhou mais “canhões de luzes” no liberalismo e no que é chamado de neoliberalismo. A guerra, tão facilmente reivindicada e implementada pelo capitalismo, possui também desde os iluministas, liberalistas, até os mais autoritários que predominam em países de capitalismo tardio como o Brasil, rios bravos de punições que se aproveitam do discurso mais mentiroso e ideologizado sobre “as pessoas perigosas”. Afinal, quem são as pessoas perigosas do Brasil? Há essas pessoas ou o perigo está no lugar que ocupam nas formações sociohistóricas com o controle do capital, com a apropriação do comum e com o Poder do Estado?
Edwin Sutherland, sociólogo e pesquisador estadunidense, espantou-se com as consequências da crise de 1929, quando alguns homens considerados “bem sucedidos” passaram a ser processados criminalmente. Sutherland iniciou uma pesquisa que envolvia dezenas de grandes corporações empresariais, profissionais liberais entre outros grupos compostos por pessoas consideradas “cidadãos acima de qualquer suspeita”, constatando que, apesar de nunca terem sido alvo do sistema de justiça criminal, de forma generalizada, cometiam inúmeros crimes, condutas ligadas à posição privilegiada de suas atividades profissionais, porém proibidas e criminalizadas. Ou seja, as pessoas que cometem aquilo que é classificado como crime na sociedade não são as pessoas consideradas “estragadas”. Não se trata da “outra pessoa defeituosa” ou qualquer tom pejorativo que se constitua para falar das pessoas que são dos grupos mais explorados, marginalizadas, criminalizadas das diversas formas que o poder capitalista encontra.
Assim sendo, é mais que importante que todos os grupos sociais comprometidos com a superação do capitalismo ou com o enfrentamento das desigualdades enfrente necessárias ações para o abolicionismo penal. Desde proposições como RENDA BÁSICA UNIVERSAL E INCONDICIONAL para fazer com que o Estado garanta a subsistência de todas as pessoas e não se baseie no poder da cobrança, do controle e da punição, até a divulgação de ideias e notícias comprometidas com o verdadeiro são ações fundamentais que acumulam nesse campo.
Nós temos assertividade sobre o grupo social do qual fazemos parte e o grupo político de qual, como sujeitos, construímos em formas de representação. Neste sentido, não temos dúvidas: o papel do Estado não é a garantia da punição para as pessoas mais oprimidas, marginalizadas, as que mais sofrem o peso desastroso da exploração. Somos, sim, comunicadoras e comunicadores comprometidas e comprometidos com a democracia e com a liberdade. Neste sentido, não há dúvidas, seja o “lugar de fala” de pessoas oprimidas, marginalizadas e exploradas, são os lugares de solidariedade ativa que nos unifica na ação comprometida com o verdadeiro. E, neste sentido, o tema do ABOLUCIONISMO PENAL é fundamental para, além de bons debates e estudos que nutram potentes pensamentos que façam fluir inteligências coletivas na vida. Para além disso, que seja a bandeira crítica do abolicionismo penal seja também uma aspecto fundamental para nos mobilizar contra todo o tipo de racismo, machismo, patriarcalismo, patrimonialismo e poder que desapropria as pessoas do comum e impõe as variadas formas de exploração como modelo de Estado.
Na formação social brasileira, não há fronteiras entre as necessárias ações anticapitalistas que unificam a luta pela superação do racismo, do machismo e da exploração. E, neste sentido, o BEM VIVER, como forma de organização economia, política e social e a CONVIÊNCIA entre as pessoas diferentes, mas não desiguais, nos coloca o compromisso por educação e comunicação como instrumentos críticos, para a Vida e a Liberdade a serem conquistadas. Temas, como abolicionismo penal, possuem o desafio de nutrir a inteligência solidária e coletiva para superar o capitalismo e fazer a comunicação mais criativa e comprometida com o viver.
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