Ilustração Guilherme Maia
Por GUILHERME MAIA
Elizeth Cardoso – a grande intérprete que sobrevoava o chorinho, o samba-canção, o samba raiz, a bossa nova e o emaranhado de concepções musicais a que se convencionou chamar MPB – dominou todos esses estilos da arte brasileira com maestria e se impôs como a Divina entre os críticos mais criteriosos, como o caso de José Ramos Tinhorão. Conquistou o coração de gerações sempre elegante e em sintonia com os anseios populares.
Fruto do Brasil, seu canto foi se firmando com uma série de fatores que parecem mais uma crônica que reúne nossa realidade: teve de trabalhar desde menina para o sustento de sua família (tinha cinco irmãos) e, com isso, aos 10 anos já era balconista, cabeleireira e operária de uma fábrica de sabonetes; por outro lado, bebeu da mística do samba na casa da lendária mãe de santo Tia Ciata, local de encontro dos ícones da arte brasileira (imagine Donga, João da Baiana e Sinhô no mesmo lugar) e foi lá em meio à Praça Onze que Elizeth começou a forjar sua persona na arte brasileira.
Essa dualidade pobreza e arte é uma síntese da brasilidade, porque nunca se produziu cultura de identidade pelas elites retrógradas. Toda a cultura sempre emanou do povo e dessa forma popular foi-se construindo um sentido de pertencimento a uma arte própria e que se diferenciava da proveniente da Europa, por exemplo.
Vale salientar que mesmo os literatos da Semana de Arte Moderna de 22 e Villa-Lobos se alimentavam da expressão popular para dar requintes eruditos à identidade nacional.
Em meio a todo esse caldo, surge Elizeth, a grande cantora do Brasil! Ela, que cantava Ari Barroso, Jacob do Bandolim, Tom Jobim. Esteve lado a lado, piano e voz, com Radamés Gnattali (gênio absoluto de arranjos clássicos e populares e clássicos-populares) e lado a lado, violão e voz, com Rafael Rabelo. Impressiona essa versatilidade que transpõe gerações.
O mundo tremeu em 1968 quando Elizeth juntou o Zimbo Trio (trio histórico do jazz brasileiro e da bossa nova), Jacob do Bandolim e o Época de Ouro no Teatro João Caetano. Que coisa maravilhosa foi aquela noite, o público vindo abaixo quando ela cantou em duo com o Jacob do Bandolim o clássico Barracão de Zinco.
Tem uma história antológica contada pelo Ricardo Cravo Albin sobre como foi feita a gravação desse show único. Ricardo trabalhava no Museu da Imagem e do Som (MIS), tinha recebido uma matriz com discursos do presidente John Kennedy pelo consulado estadunidense. Nem pensou duas vezes, pegou o que recebera levou para o Teatro João Caetano e gravou por cima a preciosidade daquele encontro e eternizou um dos maiores momentos da arte brasileira!
Fez ele muito bem!
O Brasil e a Arte agradecem!
Elizeth foi um ícone de resistência. Demonstrou com sua vida de lutas como o povo brasileiro tem uma força interior que não há elite retrógrada, violência e arbitrariedade policial ou mesmo políticos neofascistas que o derrubem.
Valeu professor
ResponderEliminar