terça-feira, 9 de novembro de 2021

Por que devemos nos envolver com as mudanças climáticas e ficar de olho na realização da COP 26?



1ª parte

Por Angelo José Rodrigues Lima*

Ilustração Carol Cospe Fogo


Para iniciar a conversa, O que são mudanças climáticas? 

A conversa sobre mudanças climáticas se inicia quando o matemático francês Jean Baptiste Joseph Fourier (1768-1830) foi o primeiro a considerar a atmosfera da Terra uma grande estufa, o que criava um ambiente favorável à vida de plantas e animais. Ele afirmou que os gases atmosféricos absorvem energia (calor), elevando a temperatura da superfície da Terra.

O efeito estufa é um fenômeno natural que faz com que a temperatura da superfície da Terra seja favorável à existência de vida no planeta. Se ele não existisse, a temperatura média da superfície da Terra seria -18°C, ao invés dos 15°C que temos hoje, ou seja, 33°C menor.

Para entender o efeito estufa, pense em um ônibus parado sob a luz do sol. Os raios chegam como radiação solar visível, passam pelos vidros e aquecem o interior (calor). Esse calor (radiação infravermelha) procura sair pelos vidros, mas tem dificuldade de passar por eles. Ou seja, uma parte fica presa dentro do ônibus, aquecendo-o.

O mesmo ocorre com a atmosfera da Terra. Alguns gases, como vapor d’água e gás carbônico (CO2), funcionam como o vidro do ônibus, deixando entrar a radiação ultravioleta, mas dificultando o retorno do calor para o espaço.

Quando aumenta a concentração de gases na atmosfera (por exemplo, do gás carbônico), o efeito estufa fica mais intenso e, portanto, fica mais difícil o calor ir para o espaço. Essa diferença causa o aquecimento da baixa atmosfera, elevando a temperatura média da Terra e causando mudanças climáticas, que são alterações significativas do clima que estão acontecendo em todo o planeta que se relaciona com o aquecimento global.

O aquecimento global é o aumento da temperatura média dos oceanos e da camada de ar próxima à superfície da Terra, que pode ser consequência de causas naturais e atividades humanas. Isto se deve principalmente ao aumento das emissões de gases na atmosfera.

Mas o aquecimento da terra não seria apenas parte de um ciclo, algo natural? 

Sim, é verdade que a terra já passou por vários ciclos de temperaturas. Porém o aquecimento que está acontecendo agora é inédito. Tanto as temperaturas estão ficando altas, quanto a velocidade das mudanças da temperatura.


Tela de computador com texto preto sobre fundo branco

Descrição gerada automaticamente

Interface gráfica do usuário

Descrição gerada automaticamente

Figura 1: Dados da mudança de temperatura média no planeta desde 1880 até 2019.


Qual a leitura da figura? 

A temperatura média da Terra foi totalmente alterada. Em 2019, já se dizia que haveria 70% de chance de 2020 ser o ano mais quente de todos os tempos. E isto foi confirmado em 2020.

Mas o que é COP? Qual o significado desta sigla? Qual a importância das COPs?

A história da abordagem se inicia principalmente com a realização de conferências que trataram de discutir sobre acordos internacionais para enfrentar as mudanças climáticas.

A primeira reunião que apresentou em suas negociações rodadas específicas sobre
as alterações climáticas aconteceu em 1992 durante a Conferência das Nações Unidas
sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento no Rio de Janeiro (ECO-92), da qual resultou o
texto da Convenção do Clima, assinado e ratificado por 175 países, reconhecendo a
necessidade de um esforço global para o enfrentamento das questões climáticas. Com a entrada em vigor da referida Convenção, os representantes dos diferentes países passaram a se reunir anualmente para discutir a sua implementação, estas reuniões são chamadas de Conferências das Partes (COPs.)

Conferência das Partes (COP – Conference of the Parties) é o órgão supremo da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, adotada em 1992. É uma associação de todos os países membros (ou “Partes”) signatários da Convenção, que, após sua ratificação em 1994, passaram a se reunir anualmente a partir de 1995, por um período de duas semanas, para avaliar a situação das mudanças climáticas no planeta e propor mecanismos a fim de garantir a efetividade da Convenção.

Portanto, já foram realizadas 25 Conferências das Partes (COPs) e agora em 2021 acontecerá a 26ª Conferência das Partes, que será realizada em Glasgow, na Escócia.

Como parte do preparativo destas Conferências, o IPCC prepara relatórios para discussão entre seus membros, mas o que é o IPCC?

Criado em 1988 pela Organização Mundial de Meteorologia (WMO) e pelo Programa de Meio Ambiente das Nações Unidas (UNEP), o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) é um órgão científico sob os cuidados das Nações Unidas (ONU). Ele não busca conduzir pesquisas ou coletar dados, mas analisar as informações científicas, técnicas e socioeconômicas mundiais, para compreender as mudanças climáticas, divulgando de tempos em tempos um relatório sobre o tema.

estrutura do IPCC é dividida em cinco partes. Enquanto as principais decisões são tomadas por uma assembleia de representantes dos governos, as revisões e relatórios do IPCC são efetuados por três grupos de trabalho. O “Grupo de Trabalho I” é responsável pela “base física e científica da mudança do clima”; o “Grupo de Trabalho II” se ocupa do “impacto da mudança de clima, adaptação e vulnerabilidade”; e o “Grupo de Trabalho III” analisa a “mitigação das mudanças climáticas”. Além desses três grupos, há ainda a “Força Tarefa de Inventários Nacionais de Gases de Efeito Estufa”, que desenvolve e define uma metodologia para calcular e reportar a emissão dos gases de efeito estufa.

Como o IPCC colabora com as Conferências entre as Partes?

Por meio de suas avaliações, o IPCC determina o estado do conhecimento sobre a mudança do clima, identifica onde há consenso na comunidade científica, e em que áreas mais pesquisas são necessárias. Os relatórios resultantes da avaliação do IPCC devem ser neutros, relevantes para a política, e não devem ser prescritivos. Além disso, as avaliações constituem insumos fundamentais para as negociações internacionais que visam ao enfrentamento da mudança do clima.

Os Relatórios de Avaliação do IPCC consistem nas contribuições de três Grupos de Trabalho e em um Relatório de Síntese que integra essas contribuições e quaisquer relatórios especiais preparados durante o mesmo ciclo de avaliação. Os Relatórios Especiais do IPCC tratam de questões específicas acordadas entre os países membros, e os Relatórios de Metodologia fornecem diretrizes práticas para a preparação de inventários de gases de efeito estufa. O IPCC já produziu pelo menos seis grandes relatórios.

Em seu mais recente relatório, publicado há dois meses, o IPCC, indicou que, no atual ritmo, em no máximo duas décadas será atingido o patamar de 1,5ºC de aquecimento.

E é neste contexto que os líderes mundiais voltam a se reunir a partir de 31 de outubro em Glasgow, na Escócia, para a 26ª Conferência sobre Mudanças Climáticas da ONU (COP-26), onde discutirão o fato de que o Planeta está em um ponto crítico em relação às mudanças climáticas, que estamos muito atrás do cumprimento do Acordo de Paris e em um caminho que pode ser catastrófico se ações drásticas não forem tomadas para parar com o aquecimento global.

Nesta primeira parte do artigo, tentamos mostrar como é o funcionamento da COP e o que gira em torno dela. Na segunda parte do artigo, na próxima edição do Pavio Curto, falaremos dos efeitos das mudanças climáticas e como isso vem ampliando os desafios para garantirmos qualidade de vida para toda a população do mundo.

* Doutor em Geografia em Análise Ambiental e Dinâmica Territorial (UNICAMP/2018), Mestre em Ciências de Planejamento Energético, área de concentração em Planejamento Ambiental (COPPE/UFRJ/2000); Especialista em Instrumentos Jurídicos, Econômicos e Institucionais para o Gerenciamento de Recursos Hídricos (UFPB/2000) e Biólogo (UFRRJ/1988). Atualmente ocupa o cargo de Secretário Executivo do Observatório da Governança das Águas.

* Carol Andrade é conhecida como Carol Cospe Fogo, trabalhou em agências de publicidade como diretora de arte e ilustradora. Chargista e cartunista, é a primeira mulher a receber o prêmio Angelo Agostini como melhor cartunista/caricaturista do Brasil em 2019.Colaboradora do coletivo Pavio Curto

Milton Santos - Intelectual da Periferia, Pensador do Mundo


 Ilustração Cacinho 

Por Jorge Luiz Barbosa*

Milton Santos nasceu no interior da Bahia, em Brotas de Macaúbas, em 3 de maio de 1926. Educado pelos pais, professores do ensino básico, Milton Santos segue para Salvador ainda muito moço para completar seus estudos em um ginásio-internato. Ali, já começou a lecionar, aos 15 anos de idade, para os alunos mais novos. 

Seu interesse dedicado à geografia, à filosofia e à história já começaria a formar sua cultura científica, social e humanística.  Formou-se em Direito, em 1948, na UFBA, formação/ profissão praticamente exclusiva para famílias brancas, abastadas e de mando na sociedade baiana e brasileira. 

O advogado estava apenas no diploma. O caminho seguido era mesmo o de professor de geografia, consolidado em 1958, com a sua Tese de Doutorado O Centro da Cidade de Salvador, defendida na Universidade de Estrasburgo (França).  Sua habilidade para ensinar foi sempre acompanhada da qualidade de sua escrita. Daí ter combinado o exercício de redator do jornal A Tarde com o de docente de geografia humana da Universidade Católica de Salvador e da Universidade Federal Bahia, até ser preso e exilado com o Golpe Civil-Militar em 1964. 

Crítica ao capitalismo

O exílio, com seus sofrimentos de solidão e de imposição de ausências, fez Milton Santos viver em desassossego. Morar em cidades diferentes (Paris, Bordeaux Toulouse, Nova York, Toronto, Lima, Dar-es-Salaam, Caracas) para ensinar em universidades diferentes, vivendo situações instáveis de trabalho, acabaram por forjar o intelectual e cidadão cada vez mais atento, ousado e profundamente crítico às condições sociais vividas em geografia plurais. 

Seus livros As cidades do Terceiro Mundo e o Espaço Dividido: os dois circuitos da economia nos países dos subdesenvolvidos — publicados em 1971 e 1975, respectivamente, em francês e inglês, originados no nomadismo — são demonstrativos da consolidação de um intelectual que afina a leitura do Brasil e da América Latina para entender o mundo.  

Sua construção intelectual defendia um território de fala e de escuta do conhecimento tão bem expressa na obra ético-política O Trabalho do Geógrafo nos Países do Terceiro Mundo. Intelectual do mundo fazendo da periferia a centralidade da crítica ao capitalismo. 

Milton Santos retorna ao Brasil no fim dos anos de 1970 (inclusive para que seu filho Rafael nascesse baiano). Volta a lecionar nas universidades brasileiras (UFRJ, USP e UFBA, onde recupera sua cátedra interrompida), trazendo uma bagagem de livros e artigos publicados em diversos idiomas. Todavia, seu olhar para mundo e para Brasil torna-se cada vez mais apurado, sensível e inventivo. 

Globalização

Milton Santos revoluciona a geografia brasileira com o seu livro Por uma Geografia Nova (1978) e daqui atiça reflexões originais para a geografia mundial (recebeu, em 1994, o Prêmio Internacional de Geografia Vautrin Lud; além dos títulos de doutor honoris causa em mais de 20 universidades pelo mundo ao longo de sua carreira). Seus estudos, pesquisas e ensaios se multiplicam em livros, artigos (inclusive em jornais) e conferências. 

Seu empenho em compreender as relações sociais, os meios técnicos e a produção do espaço geográfico revelam-se em seus mais recentes trabalhos Técnica, espaço, tempo: globalização e meio técnico-científico informacional (1994), Da totalidade ao lugar (1996), Metamorfose do espaço habitado (1997), que desembocam na sua obra maior: A Natureza do Espaço (1996), no qual buscou “a criação de uma teoria geral do espaço humano como uma contribuição da geografia à reconstrução da teoria social“.

Em 2000, publica Por uma outra globalização, do pensamento único à consciência universal. Pensador da Periferia colocando o mundo sob a crítica à globalização: “o estágio atual da globalização está produzindo mais desigualdades (...) crescem o desemprego, a pobreza, a fome a insegurança do cotidiano, num mundo que se fragmenta e onde se ampliam as fraturas sociais”.

Herança escravocrata

O debate ardorosamente crítico da globalização não deixa em segundo plano as profundas contradições da cidadania mutilada em nosso país: “O modelo cívico brasileiro é herdado da escravidão, tanto o modelo cívico cultural como o modelo cívico político. A escravidão marcou o território, marcou os espíritos e marca até hoje as relações sociais. “

  A coragem crítica esteve sempre envolvida com a criação de sínteses para desvelamento da sociedade e seu espaço produzido. São referenciais importantes os conceitos de formação socioespacial, território usado, espaço como sistema de objetos e ações, meio técnico científico-informacional que se envolvem decisivamente com as questões relativas à cidadania, ao direito e à justiça em seus escritos publicados e falas públicas.  E assim alimentava sua convocação às utopias: “O mundo é formado não apenas pelo que já existe, mas pelo que pode efetivamente existir. “

A crença nas possibilidades da mudança estava depositada nos lentos, justamente homens e mulheres que viviam seus territórios comuns, suas esperanças compartilhadas, suas lutas cotidianas por direitos.  Favelas e periferias ganhavam o centro do debate do legado intelectual, ético e político de Milton Santos. 

 

“Ser negro no Brasil é, com frequência, ser objeto de um olhar enviesado.”

“O poder da geografia é dado pela sua capacidade de entender a realidade em que vivemos.”

“A força da alienação vem dessa fragilidade dos indivíduos, quando apenas conseguem identificar o que os separa e não o que os une.”

Milton Santos

 

* Professor Titular de Geografia da UFF/RJ; fundador do Observatório de Favelas e do Instituto Maria e João Aleixo

* Cacinho é formado pela Faculdade de Cinema e TV da Universidade Salgado de Oliveira – UNIVERSO/ Juiz de Fora, em 2006, foi responsável pelo Núcleo de Animação da Groia Filmes, até o ano seguinte, quando abriu sua própria produtora, a AGente QUE FEZ – ANIMAÇÕES, também em Juiz de Fora/MG, tem mais de 20 curtas metragens e muitos prêmios em festivais de cinema e animação. Ministra oficinas e cursos de animação em escolas, universidades, clubes e festivais de cinema e vídeo. Foi chargista do jornal impresso TRIBUNA DE MINAS, durante o ano de 2018. Em 2019, funda em sociedade com o chargista André Ribeiro a revista digital DUAS BANDAS E UM CUJUNTINHO, que é uma homenagem a extinta revista BUNDAS do Ziraldo e em 2020 junto com o Coletivo PAVIO CURTO do qual é coordenador, iniciou os trabalhos de charges, caricaturas, ilustrações e animações para a revista digital de mesmo nome.

segunda-feira, 8 de novembro de 2021

Um ensaio crítico após o filme Marighella

 Por Eduardo Alves*


O filme Marighella (diretor Wagner Moura), lançado em 2019, tem a envergadura de um filme biográfico. Não se trata de uma fácil biografia, pois Carlos foi uma pessoa que assumiu conscientemente o lugar social e histórico que ocupava no capitalismo. Foi um ser humano que se destacou como estudante, ativista, poeta, revolucionário, guerrilheiro, enfim, alguém que poderia ter muitos filmes com aspectos distintos de suas múltiplas contribuições. Livros, como Marighella: o guerrilheiro que incendiou o mundo (de Mário Magalhães), existiram como suporte na vida e nos ensinamentos de quem abraçou o BEM VIVER em todas as dimensões humanas. 

Muito chamaram a atenção, no filme, o contexto e o texto. O filme veio em um momento muito adequado e tratou com impulsos críticos o que foi a ditadura, operada diretamente pelos militares, mas planejada nos cadernos dos civis capitalistas que atuavam no Estado e que se assumiam donos do COMUM apropriado.

Os donos do poder — que se apropriam do comum para a obtenção do lucro e fazem vulto de shows, narrativas e mentiras, com proibições para as condições de subsistência e de existência da maioria das pessoas, com o controle do “saber” — apoiaram as ações com uniformes militares à frente. 

Bem viver

Marighella era poeta, criativo, comprometido com a vida e se dedicou à verdade e ao compromisso com o BEM VIVER. Para ele, já cedo, a escolha evidente pelo Partido Comunista, ainda do Brasil, era, em seu tempo, a maior demonstração do reconhecimento sócio-histórico e de sua compreensiva escolha como sujeito político em favor da vida, da liberdade e da democracia em todas as dimensões. 

Portanto, não há dúvidas em afirmar que o filme foi bem-vindo, com um personagem que não foi persona em vida e que existiu fazendo com que sua existência atingisse raios maiores que o limite de seu corpo. O que viveu Marighella em nossa história, sua posição crítica na formação social brasileira profundamente desigual e sua dedicação de organização, acolhimento, formação e luta por outra organização das pessoas na história e na economia são elementos que precisam ser conhecidos. Principalmente pelas pessoas brasileiras, mesmo para as que supostamente sabem, mas que não sabem, pois a maioria das pessoas no Brasil é impedida de, ao menos, ter conhecimento da existência de pessoas como Marighella. 

Nesse sentido, o filme muito contribuiu e traz para a cena da vida e dos ensinamentos o que nunca deveriam sair. Não seria possível, portanto, iniciar sem afirmar que o filme foi bem-vindo para impulsos de uma organização coletiva que preze pela inteligência e que conquiste e assegure o viver em todos os sentidos e dimensões.

Dominicanos

No texto de vida de Marighella, que foi cravado no contexto do capitalismo brasileiro, entre vários ensinamentos, muito se pode aprender sobre o papel dos freis dominicanos frente à ditadura militar (vale sempre lembrar que também civil) vivida diretamente pelas pessoas do Brasil, a partir de 1964. Impactos fortes sobre: de um lado os que buscavam revolucionar as bases da organização social capitalista e, de outro, os grupos sociais que produziram a guerra contra aqueles, impondo a ditadura aos que resistiram, lutaram contra e se organizaram para impedir e superar tal absurdo humano. Vale lembrar alguns ensinamentos como em Batismo de sangue (o livro) de Frei Beto e as importantes falas de Frei Oswaldo no lançamento do filme Batismo de Sangue

Frei Oswaldo era o dominicano que iniciou a ponte entre Marighella e os frades. Foi enviado para a Europa, pois seus superiores avaliaram que sua exposição era muito ampla e exigia cuidados necessários. Mas nos dias atuais, esse mesmo frei, que viveu com Tito o martírio de seu suicídio, nos ensina que a organização de enfrentamento à ditadura não teve fim no contexto desse tempo de terror. 

Afirma com disposição e entusiasmo que, apesar do período da ditadura iniciada formalmente em 1964 ter sido “traumático para os dominicanos envolvidos e para a Ordem em seu conjunto”, nos dias atuais estão espalhados nos vários cantos do país e estão no tempo do agora envolvidos com diversas organizações religiosas e humanitárias com ações de combate ao trabalho escravo, defesa dos direitos indígenas, das mulheres e dos presidiários, dentre várias outras ações humanitárias. 

O PCB — ainda Partido Comunista do Brasil quando Marighella se filiou — já havia alterado o nome quando a ditadura explícita é deflagrada em 1964, o que foi elemento das múltiplas discordâncias que geraram novas siglas organizativas. No filme só aparecem a ALN e o MR8, mas já se poderia falar de Polop, POC, PCBR, entre outras, gestadas ou em gestação. E, certamente, influenciaram os contornos de Marighella na política, principalmente porque há uma pontinha do Araguaia, no qual o grande conhecido foi o PCdoB, pois a ALN fora antes dizimada pelas tropas da ditadura.

O autor desses escritos nasceu um ano antes do dia em que Marighella foi assassinado - por obra da emboscada articulada pelo delegado Fleury. Essa realidade não passava ou sequer poderia se alojar na consciência de quem vos escreve, que, com apenas um ano de idade naquele contexto, nada imaginava, pensava ou sabia sobre a situação política vigente. 

Sentia, apenas tangencialmente, as sombras da história, pois isento de influência da ascendência direta, de pai e de mãe — que não tinham conhecimento para além das propagandas mentirosas —, não se tinha muito espaço para tais sentimentos. Elementos singulares que carrego na história e que se desenvolveram como potência crítica no solo fértil da construção coletiva diante da materialidade concreta da história e da análise objetiva desta, como enfrentamento da mentira. Nela assumi, desde muito jovem, o lugar da aproximação com o verdadeiro, sob a correspondência entre meu lugar na história concreta e minha consciência.

Compromisso com a vida

Marighella trazia isso em comum, antes mesmo de mim na cronologia, sem que nem me passasse pela cabeça. E de muitas pessoas, ainda hoje, não passa pela cabeça, mesmo após 50 anos do assassinato desse grande homem que foi fundamental para ilustrar e ampliar o conhecimento coletivo comprometido com a vida e com o verdadeiro em nossa sociedade; essa sociedade capitalista, cada vez mais necrocapitalista, na qual Marighella já havia se assumido, desde lá, marxista, leninista, revolucionário e comunista.

Vale muito lembrar que, pelas palavras do próprio pai, Carlinhos, seu filho, foi carregado de amor em todas as dimensões da sua vida. Ele não veio para matar: veio para assumir o seu lugar de sujeito para impedir a matança orquestrada pelo capitalismo. Matança da vida em vida, matança que leva a grande maioria das pessoas para a morte da vida, a morte da subjetividade, a morte da potência humana e a morte do corpo.

Muitos assassinados são e seguem a ser hoje, repetição, sob outras formas, da história. Mais de meio milhão padeceu pela política atual que existe na pandemia, na qual a mentira do Estado apenas fala — pois não pode deixar de fala — de 446 mil assassinados pela necropolítica que atinge com mais força os que são interditados à vida. 

É, Marighella pegou outro tempo, mas tempo em que já era absurdamente óbvio que nascer, viver e morrer não são fases naturais; são organizadas pela política.

Ativismo crítico

Para além disso, vale lembrar que Marighella não se apresentava como um acadêmico do marxismo, e sim como um “ativista crítico” vinculado ao marxismo. Isso faz muita diferença e vale a pena ter acesso e ler A crise do marxismo, publicado por Perry Anderson em 1983 e traduzido para o português em 1985. Haverá, assim como ainda há, quem diga que não foi, que foi pouco ou que faltou — ou algo assim — para em marxista chegar. Seguem, assim, com todas as crises e dimensões diferenciadas, os grupos e as formações sociais que não conseguem unificar para firmar um basta ao capitalismo nem ao menos a um governo, como hoje vivemos. 

Nesse caminho, medir o grau de mais ou menos marxista se torna armadilha que cresce em esquerdismo e decresce em análise objetiva da realidade, o que gera, dentre outros perigos, o policiamento, o identitarismo e o esvaziamento da diversidade na unidade. A despeito da medida marxista, Marighella foi um ser substancialmente político, que se reconhece como sujeito, que se dedica à luta pela liberdade e pela dignidade humana e que vê no marxismo a principal terra teórica para pensar e agir concreta e consequentemente na realidade, para superar a ordem opressora dominante.

Vale dizer, e não poderia ser diferente, que um filme não poderia dar o sentido amplo, completo e magnânimo que teve a vida de um ser humano como Marighella. Destaca-se que sua neta biológica — e que é devidamente referenciada na trajetória e na formação sócio-histórica de seu avô — foi eleita vereadora em 2020, em Salvador, e atua em um dos partidos de esquerda do Brasil: o PT. Há muito o que falar, produzir e aprender com a passagem de Marighella neste mundo e muito o que ensinar, do livro ao filme, para aprender coletivamente em favor da vida.

Marighella presente! 

*Poeta, cientista social pela UFRJ, cursou Ciências Econômicas, na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro - UFRRJ. Com 16 anos, Eduardo já era secretário de juventude do Partido dos Trabalhadores - PT. Posteriormente, atuou como secretário de formação política do partido, junto aos diretórios municipal, estadual e nacional, sendo também da secretaria nacional. Foi da Teologia da Libertação e atuou na Juventude Operária Católica e em Pastorais. Em Brasília, foi assessor do Sindicato do Servidores Públicos Federais - SINDSEP-DF, por dois anos, e assessor da Confederação dos Trabalhadores no Serviço Público Federal - CONDSEF, por onze anos. Foi assessor do vereador Adilson Pires em seu primeiro mandato no Rio de Janeiro e foi chefe de gabinete do deputado estadual Marcelo Freixo, por seis anos. Foi coordenador da Escola Popular de Comunicação Crítica - ESPOCC e, nos tempos de produção destes ensaios, foi diretor do Observatório de Favelas, situado no Complexo da Maré, no Rio de Janeiro, atuando no Instituto Maria e João Aleixo - IMJA. Atualmente, Eduardo é coordenador pedagógico do projeto de formação política do Instituto Pensamentos e Ações para a Democracia - IPAD. Colaborador do coletivo Pavio Curto


É preciso refundar a República

Texto Edson Diniz

Ilustração Mani Ceiba


“E o povo assistiu a tudo bestializado”! Essa frase, atribuída ao deputado e defensor da República, Aristides Lobo (CARVALHO, 1997), diz muito sobre o 15 de novembro e a Proclamação da República brasileira, em 1889. O deputado se referia a um fato concreto: as tropas do exército brasileiro desfilaram pelo Centro da cidade do Rio de Janeiro, naquela tarde, enquanto a população apenas assistia, ao que julgou ser uma “parada militar”, sem saber o porquê.

À frente do desfile militar estava o marechal Deodoro da Fonseca, espécie de “herói” da guerra do Paraguai e militar respeitado no exército. Ele acabara de destituir o ministro Ouro Preto, chefe do governo imperial, que se encontrava, naquele momento, reunido com seu gabinete, no quartel do próprio exército (GOMES, 2013).

O fato mais curioso desse episódio foi que Deodoro dissolveu o governo, mas não proclamou a República de imediato (SCHWARCZ, 1998). Alguns observadores da cena no Campo de Santana, onde as tropas estavam reunidas, afirmaram que o velho Marechal teria mesmo repreendido alguns presentes quando estes deram vivas à República. Era notória a simpatia de Deodoro pelo imperador D. Pedro II. 

Na verdade, a República só foi proclamada “oficialmente” mais tarde, na Câmara de Vereadores, de forma improvisada, na presença de poucos, e confirmada à noite em reunião onde se encontravam militares e políticos, na casa do próprio Deodoro. Havia um boato de que o Imperador ordenaria a prisão dos conspiradores e isso pode ter contribuído para a decisão do Marechal que, até o último instante, se mostrava hesitante em dar o golpe na monarquia.


Golpe militar

O fato é que assim nascia a República Brasileira, apoiada em um golpe militar e sustentada pelos fazendeiros ricos do oeste paulista – instalados no Partido Republicano - interessados na dinamização da economia, o que o Império já não conseguia oferecer. Destaca-se, ainda, o apoio dado pela classe média urbana, influenciada pela filosofia positivista que afirmava a “ordem e o progresso” como caminhos para o desenvolvimento social, numa perspectiva conservadora e que não correspondia a um ideal de democracia verdadeiramente participativa. 

No final das contas, mais do que a ação de indivíduos, a República Brasileira expressava o desejo das elites em superar a economia escravista, substituindo-a pela economia capitalista. Essa atendia plenamente aos anseios dos novos donos do poder no Brasil e não do povo trabalhador. 

Assim, quando nos perguntamos sobre o que mudou de verdade para a maioria da população brasileira no dia seguinte, ou seja, no dia 16 de novembro de 1889, a resposta invariavelmente é: absolutamente nada! Os ex-escravizados continuaram sem qualquer apoio ou assistência para que pudessem se integrar à sociedade na condição de pessoas livres, os mais pobres continuaram sem acesso aos seus direitos básicos e as desigualdades sociais, econômicas, étnico-raciais e de gênero, só aumentaram. 

A verdade é que desde então, a República Brasileira nunca consolidou o ideário de uma “res publica”, expressão latina que pode ser traduzida como “coisa pública” ou como “assunto público”. Pelo contrário, ela sempre foi tratada como algo privado, pertencente aos mais ricos e poderosos, e excluindo os trabalhadores e trabalhadoras. 

Não é à toa que dos nossos 132 anos de República, poucos foram os momentos realmente democráticos. Como vimos, ela já nasceu sob o comando de dois militares: os Marechais Deodoro da Fonseca (1889-1891) e Floriano Peixoto (1891-1894). Depois, até a década de 1930, o país viveu sob o domínio das oligarquias cafeeiras do sudeste. Esse domínio foi interrompido por Getúlio Vargas que chegou ao poder também por um golpe de Estado. Entre 1937–1945, Getúlio governou como verdadeiro ditador (Estado Novo). Deposto Vargas, em 1945, e depois de um breve período de relativa democracia, temos o golpe civil-militar de 1964, que mergulhou o país numa onda de mortes e tortura. A partir de 1988, com a nova constituição e com a eleição para presidente, em 1990, consolidamos um novo período democrático. 


Retrocesso

Em todos os movimentos golpistas a nossa elite econômica esteve envolvida. Todas as vezes em que o projeto de República e de país desigual esteve minimante ameaçado, usou-se o recurso do golpe contra a democracia. Como foi o caso mais recente, o golpe parlamentar que derrubou o governo legítimo de Dilma Rousseff, em 2016. 

O fato é que hoje temos pouco a comemorar em mais um 15 de novembro. Neste ano, perdemos mais de 600 mil pessoas para a COVID-19, houve aumento da fome e da pobreza e tivemos retrocessos inimagináveis nos direitos básicos de nossos cidadãos. Tudo isso patrocinado pelo governo Bolsonaro, um governo incompetente, inconsequente e que não se importa com o destino do país, principalmente dos mais pobres.

Por isso, mais do que comemorar a proclamação da República, o que precisamos fazer é refundá-la radicalmente. Uma refundação apoiada na ideia de democracia popular, sobretudo a partir dos movimentos sociais, para atender aos anseios e necessidades da maioria da população e não dos grupos privilegiados que desde os tempos coloniais se perpetuam no poder.

Precisamos de uma República verdadeiramente “pública”, popular, e que garanta o bem comum; só assim deixaremos de ser os “bestializados” para sermos os donos da nossa história. É possível, mas precisaremos estar juntos na defesa de nossa democracia, agora mais do que nunca!


Referências:

SCHWARCZ. Lilia Moritz. Nas Barbas do Imperador: D. Pedro II, um monarca nos trópicos. São Paulo: Companhia das Letras, 1998.

CARVALHO. José Murilo de. Os bestializados:  o Rio de Janeiro e a República que não foi. São Paulo: Companhia das Letras, 1997

GOMES. Laurentino. 1889:  como um imperador cansado, um marechal vaidoso e um professor injustiçado contribuíram para o fim da monarquia e a proclamação da República no Brasil. São Paulo: Globo, 2013.

Sobre o autor: Edson Diniz é Morador da Favela da Maré por 40 anos, é graduado em história pela UERJ, mestre emeducação brasileira e doutor em sociologia da educação pela PUC-Rio. Cofundador da Redes de Desenvolvimento da Maré, criador do Núcleo de Memória e Identidade dos Moradores da Maré (NUMIM). Atualmente, desenvolve pesquisas nas áreas de sociologia da educação, segurança pública, história das favelas, direitos humanos, arte, cultura e memória das favelas. Colaborador do coletivo Pavio Curto

* Mani Ceiba (Fernanda Vaz) é desenhista, ilustradora, ceramista. Artista plástica formada pela EPA e faz bacharelado em artes visuais. Faz parte do coletivo Pavio Curto. Membro da direção do grupo de artes borboletadágua.

PEC 5: controle pelo Congresso não vai democratizar o Ministério Público


Ilustração Mani Ceiba

Por Julio José Araujo Jr.*


Setores importantes da sociedade e de movimentos sociais defenderam a aprovação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº 05/2021, que trata do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) e das atribuições do Ministério Público. Entre outros pontos, a PEC, cujo projeto substitutivo não conseguiu o número de votos necessários para ser aprovada, trata de mudanças na composição do conselho, a indicação de um código de ética para os membros e a previsão de que o corregedor nacional do CNMP será indicado pelo Congresso. 

Segundo os defensores da PEC, a justificativa para a alteração no funcionamento do Ministério Público residiria na necessidade de que os mecanismos de controle no Ministério Público sejam aperfeiçoados. Eu estou de acordo com essa premissa, mas não com a solução. Por isso pergunto: a PEC 5 atende a essa finalidade? Penso que a resposta só pode ser negativa.

Não tenho dúvidas de que o debate sobre os rumos do Ministério Público é muito importante. É uma pena que nas comissões legislativas a discussão tenha sido atropelada, pois naqueles espaços tivemos uma oportunidade de realmente pensar em mecanismos de aperfeiçoamento sobre o órgão. Poderíamos ter aproveitado para pensar um desenho institucional que aprofundasse a participação social e permitisse maior fiscalização do trabalho do Ministério Público, garantindo transparência, independência, controle e prestação de contas à sociedade.


Defesa de direitos

Afinal, de todas as inovações da Constituição de 1988, a previsão de um novo papel para o órgão foi das mais impactantes. O Ministério Público, que já detinha a titularidade da ação penal, passou a dispor de um acervo amplo de atribuições, muitas delas relacionadas à busca de efetivação dos direitos que a Constituição enunciava, como meio de garantia defesa da ordem jurídica e da sociedade.

Por se tratar de uma instituição com atribuições na defesa de direitos, os mecanismos de controle e a participação social são imprescindíveis. Afinal, é necessário não apenas ter ciência, mas também influir nas pautas que o Ministério Público levará a cabo ao tratar dos direitos humanos.

Assim, apesar de o órgão abordar quase todos os assuntos importantes e caros a diversos grupos sociais vulneráveis, a transparência na atuação deveria ser maior. Na prática, o povo negro, os trabalhadores e as trabalhadoras sem-terra, os povos indígenas, os sem-teto e entidades ambientalistas têm dificuldades em interferir nos rumos das decisões que a instituição adota acerca de pautas que lhes dizem respeito. 

Os movimentos sociais, por sua vez, não deixaram de perceber ao longo das décadas a importância do papel da instituição e acompanhar os seus passos, mesmo quando estes não atendem a seus anseios. Mesmo diante de uma agenda tão autônoma do órgão, os movimentos pressionam e influenciam na sua elaboração. As transformações por que passaram os movimentos sociais ao longo das décadas também lhes destinaram papéis diferentes, em que a forma de confronto e a busca — ou não — de uma interlocução privilegiada com o Estado vão ser características definidora de cada movimento. 


Ouvidorias 

Um caminho relevante para a participação social estaria na repetição do modelo de ouvidorias externas das Defensorias Públicas, por meio das quais a agenda do órgão é discutida com a sociedade. As ouvidorias oferecem uma possibilidade de intervenção concreta na definição da agenda da instituição e no controle de sua implementação. Além disso, pode-se pensar em um assento da sociedade civil em órgãos revisionais e de controle do órgão. Ações afirmativas e reserva de vagas também seriam um caminho importante para combater a elitização do órgão e garantir uma real oxigenação no seu funcionamento.

Reconhecidas as deficiências e as possibilidades de avanços, constata-se que a PEC 5 não oferece qualquer saída para a democratização do Ministério Público. O que se busca é o enfraquecimento do próprio papel da instituição, sem haver qualquer reflexão sobre as questões que eu levantei acima. E não me refiro à ideia de um código de ética, que sistematizaria as condutas e infrações já previstas em lei. O código é importante e bem-vindo, embora tenha um caráter redundante (a previsão legal já existe) e não precise de emenda constitucional. Refiro-me muito mais à intervenção política que se pretende realizar na corregedoria da instituição.

Assistimos, na tramitação atropelada do projeto, ao mesmo método adotado na Câmara dos Deputados em projetos como o da grilagem, licenciamento ambiental e matéria indígena: pouca discussão, textos que são muito alterados em dias e horas — prejudicando a própria compreensão da proposta — e a formação de maiorias à base de pressões políticas distantes do debate argumentativo.


Maiorias ocasionais 

Além da forma de tramitação, a priorização do tema no momento em que assistimos à erosão das instituições democráticas torna os seus efeitos ainda mais danosos. Nesse ponto, é uma pena que se tenha aderido à lógica da presidência da Casa, como se um acerto de contas com o Ministério Público pudesse ocorrer sem a realização de audiências públicas com a sociedade e sem pensar nas suas boas atuações.

Quanto à proposta em si, a lógica de subordinação do poder disciplinar no CNMP à agenda das maiorias ocasionais do Congresso vai atingir justamente as boas atuações do Ministério Público em direitos humanos. Temas caros como a defesa dos trabalhadores, a pauta socioambiental e a defesa da ordem jurídica poderão ser prejudicados. A atuação da corregedoria deve ser técnica e discreta, e em nenhuma instituição ela está submetida à dinâmica da política. Veja bem: não se trata de demonizar ou criminalizar a política, mas entender que a autoridade responsável por impulsionar processos disciplinares esteja blindada quanto a interferências do Congresso.

Não dá para negar que o Ministério Público precisa ser discutido, criticado e escrutinado. A instituição deveria entregar muito mais à sociedade, sobretudo no campo da promoção de direitos. Mas a PEC 5 não pretende nada disso. Ela quer limitar a autonomia do órgão para garantir o controle pelos grupos majoritários do Congresso Nacional. Entendo os críticos, mas devemos pautar o debate pelo desenho institucional do MP, e não por intervenções casuísticas no seu funcionamento.

*Mestre em Direito Público pela UERJ e doutorando em Direito Público, especialista em política e sociedade no Instituto de Estudos Sociais e Políticos da UERJ (IESP/UERJ). É membro do Ministério Público Federal desde 2012, com atuação nas Procuradorias da República no Amazonas, Volta Redonda (RJ) e São João de Meriti (RJ). Atualmente, atua na Procuradoria da República no Rio de Janeiro (RJ). É coordenador do Grupo de Trabalho Prevenção de Atrocidades Contra Povos Indígenas (6ª Câmara do MPF), do Grupo de Trabalho Reforma Agrária e Conflitos Fundiários (PFDC/MPF) e do Grupo de Trabalho Povos e Comunidades Tradicionais (CNMP). Foi juiz federal, membro da Advocacia-Geral da União (AGU) e servidor do MPF. Autor de “Direitos territoriais indigenas: uma interpretação intercultural” e “Ministério Público e movimentos sociais: encontros e desencontros”.

* Mani Ceiba (Fernanda Vaz) é desenhista, ilustradora, ceramista. Artista plástica formada pela EPA e faz bacharelado em artes visuais. Faz parte do coletivo Pavio Curto. Membro da direção do grupo de artes borboletadágua.