segunda-feira, 8 de novembro de 2021

PEC 5: controle pelo Congresso não vai democratizar o Ministério Público


Ilustração Mani Ceiba

Por Julio José Araujo Jr.*


Setores importantes da sociedade e de movimentos sociais defenderam a aprovação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº 05/2021, que trata do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) e das atribuições do Ministério Público. Entre outros pontos, a PEC, cujo projeto substitutivo não conseguiu o número de votos necessários para ser aprovada, trata de mudanças na composição do conselho, a indicação de um código de ética para os membros e a previsão de que o corregedor nacional do CNMP será indicado pelo Congresso. 

Segundo os defensores da PEC, a justificativa para a alteração no funcionamento do Ministério Público residiria na necessidade de que os mecanismos de controle no Ministério Público sejam aperfeiçoados. Eu estou de acordo com essa premissa, mas não com a solução. Por isso pergunto: a PEC 5 atende a essa finalidade? Penso que a resposta só pode ser negativa.

Não tenho dúvidas de que o debate sobre os rumos do Ministério Público é muito importante. É uma pena que nas comissões legislativas a discussão tenha sido atropelada, pois naqueles espaços tivemos uma oportunidade de realmente pensar em mecanismos de aperfeiçoamento sobre o órgão. Poderíamos ter aproveitado para pensar um desenho institucional que aprofundasse a participação social e permitisse maior fiscalização do trabalho do Ministério Público, garantindo transparência, independência, controle e prestação de contas à sociedade.


Defesa de direitos

Afinal, de todas as inovações da Constituição de 1988, a previsão de um novo papel para o órgão foi das mais impactantes. O Ministério Público, que já detinha a titularidade da ação penal, passou a dispor de um acervo amplo de atribuições, muitas delas relacionadas à busca de efetivação dos direitos que a Constituição enunciava, como meio de garantia defesa da ordem jurídica e da sociedade.

Por se tratar de uma instituição com atribuições na defesa de direitos, os mecanismos de controle e a participação social são imprescindíveis. Afinal, é necessário não apenas ter ciência, mas também influir nas pautas que o Ministério Público levará a cabo ao tratar dos direitos humanos.

Assim, apesar de o órgão abordar quase todos os assuntos importantes e caros a diversos grupos sociais vulneráveis, a transparência na atuação deveria ser maior. Na prática, o povo negro, os trabalhadores e as trabalhadoras sem-terra, os povos indígenas, os sem-teto e entidades ambientalistas têm dificuldades em interferir nos rumos das decisões que a instituição adota acerca de pautas que lhes dizem respeito. 

Os movimentos sociais, por sua vez, não deixaram de perceber ao longo das décadas a importância do papel da instituição e acompanhar os seus passos, mesmo quando estes não atendem a seus anseios. Mesmo diante de uma agenda tão autônoma do órgão, os movimentos pressionam e influenciam na sua elaboração. As transformações por que passaram os movimentos sociais ao longo das décadas também lhes destinaram papéis diferentes, em que a forma de confronto e a busca — ou não — de uma interlocução privilegiada com o Estado vão ser características definidora de cada movimento. 


Ouvidorias 

Um caminho relevante para a participação social estaria na repetição do modelo de ouvidorias externas das Defensorias Públicas, por meio das quais a agenda do órgão é discutida com a sociedade. As ouvidorias oferecem uma possibilidade de intervenção concreta na definição da agenda da instituição e no controle de sua implementação. Além disso, pode-se pensar em um assento da sociedade civil em órgãos revisionais e de controle do órgão. Ações afirmativas e reserva de vagas também seriam um caminho importante para combater a elitização do órgão e garantir uma real oxigenação no seu funcionamento.

Reconhecidas as deficiências e as possibilidades de avanços, constata-se que a PEC 5 não oferece qualquer saída para a democratização do Ministério Público. O que se busca é o enfraquecimento do próprio papel da instituição, sem haver qualquer reflexão sobre as questões que eu levantei acima. E não me refiro à ideia de um código de ética, que sistematizaria as condutas e infrações já previstas em lei. O código é importante e bem-vindo, embora tenha um caráter redundante (a previsão legal já existe) e não precise de emenda constitucional. Refiro-me muito mais à intervenção política que se pretende realizar na corregedoria da instituição.

Assistimos, na tramitação atropelada do projeto, ao mesmo método adotado na Câmara dos Deputados em projetos como o da grilagem, licenciamento ambiental e matéria indígena: pouca discussão, textos que são muito alterados em dias e horas — prejudicando a própria compreensão da proposta — e a formação de maiorias à base de pressões políticas distantes do debate argumentativo.


Maiorias ocasionais 

Além da forma de tramitação, a priorização do tema no momento em que assistimos à erosão das instituições democráticas torna os seus efeitos ainda mais danosos. Nesse ponto, é uma pena que se tenha aderido à lógica da presidência da Casa, como se um acerto de contas com o Ministério Público pudesse ocorrer sem a realização de audiências públicas com a sociedade e sem pensar nas suas boas atuações.

Quanto à proposta em si, a lógica de subordinação do poder disciplinar no CNMP à agenda das maiorias ocasionais do Congresso vai atingir justamente as boas atuações do Ministério Público em direitos humanos. Temas caros como a defesa dos trabalhadores, a pauta socioambiental e a defesa da ordem jurídica poderão ser prejudicados. A atuação da corregedoria deve ser técnica e discreta, e em nenhuma instituição ela está submetida à dinâmica da política. Veja bem: não se trata de demonizar ou criminalizar a política, mas entender que a autoridade responsável por impulsionar processos disciplinares esteja blindada quanto a interferências do Congresso.

Não dá para negar que o Ministério Público precisa ser discutido, criticado e escrutinado. A instituição deveria entregar muito mais à sociedade, sobretudo no campo da promoção de direitos. Mas a PEC 5 não pretende nada disso. Ela quer limitar a autonomia do órgão para garantir o controle pelos grupos majoritários do Congresso Nacional. Entendo os críticos, mas devemos pautar o debate pelo desenho institucional do MP, e não por intervenções casuísticas no seu funcionamento.

*Mestre em Direito Público pela UERJ e doutorando em Direito Público, especialista em política e sociedade no Instituto de Estudos Sociais e Políticos da UERJ (IESP/UERJ). É membro do Ministério Público Federal desde 2012, com atuação nas Procuradorias da República no Amazonas, Volta Redonda (RJ) e São João de Meriti (RJ). Atualmente, atua na Procuradoria da República no Rio de Janeiro (RJ). É coordenador do Grupo de Trabalho Prevenção de Atrocidades Contra Povos Indígenas (6ª Câmara do MPF), do Grupo de Trabalho Reforma Agrária e Conflitos Fundiários (PFDC/MPF) e do Grupo de Trabalho Povos e Comunidades Tradicionais (CNMP). Foi juiz federal, membro da Advocacia-Geral da União (AGU) e servidor do MPF. Autor de “Direitos territoriais indigenas: uma interpretação intercultural” e “Ministério Público e movimentos sociais: encontros e desencontros”.

* Mani Ceiba (Fernanda Vaz) é desenhista, ilustradora, ceramista. Artista plástica formada pela EPA e faz bacharelado em artes visuais. Faz parte do coletivo Pavio Curto. Membro da direção do grupo de artes borboletadágua.

As profissões da saúde e o SUS

 Por Sylvio da Costa Jr. 


A implantação de um sistema de saúde universal obrigatoriamente precisa de um grande contingente de trabalhadores para efetivação desse modelo assistencial. Assim, o debate sobre a formação de recursos humanos no SUS dialoga ora com o mercado de trabalho de cada profissão e sua organização, e ora com a formação dessa mão de obra para operar essa nova política. Nesse modelo assistencial universal, implantado desde a Constituinte, e permeado pela lógica da equidade, ofertando mais a quem mais precisa, é imperativo que o Estado não apenas organize a oferta de serviços à saúde, mas também a formação profissional e seu mercado de trabalho. Mas não foi esse o caminho que os atores políticos trilharam.


Quero deste modo abrir o debate nesse texto sobre a formação acadêmica e do mercado de trabalho na Saúde, que forma e informa os verdadeiros operadores do sistema de saúde, aqueles que efetivamente fazem o SUS acontecer no dia a dia das comunidades e da vida das cidades.


Os reformistas da 8ª Conferência Nacional de Saúde, em 1986, e os parlamentares constituintes, em 1988, promoveram uma fundamental transformação no modelo assistencial, porém não reformaram na mesma intensidade a formação e o mercado de trabalho na Saúde. Dito em outras palavras, mudamos o modelo de saúde do INAMPS para o SUS, demos um cavalo de pau na organização dos serviços, mas não fizemos o mesmo na formação acadêmica desses operadores da política e nem seguimos uma lógica racional na abertura de novos cursos de graduação, principalmente no setor privado. Mudamos o modelo assistencial, mas é necessário muito mais que isso.


Mesmo com a efetiva implantação do SUS continuamos a promover a formação de trabalhadores no modelo pedagógico pré-SUS, pré-Constituição de 1988. As mudanças mais significativas na grade curricular remontam do governo Lula, em 2006, 20 anos depois da 8ª Conferência de Saúde e 16 anos após a aprovação das leis orgânicas da saúde, em 1990. Referente à formação, vemos ainda a ênfase em matérias clínicas e cadeiras como interação comunitária em segundo plano na formação dos alunos. Disciplinas com ênfase no SUS que deveriam ser cadeiras estratégicas e transversais a todas as matérias em diversas oportunidades se vêem como disciplinas exóticas e escanteadas dentro dos Departamentos. Afinal, não é função fundamental da universidade pública a formação de mão de obra para o SUS? Se não é, deveria ser.


Mercado imaginário 

Mesmo nos dias atuais as cadeiras voltadas à formação de mão de obra para o SUS são objeto de atrito dentro dos Departamentos dos cursos de graduação onde ainda a formação é baseada no micro especialista, em disciplinas clínicas, formando trabalhadores para o setor privado em um mercado de trabalho que não existe mais. Esse modelo hegemônico na formação sofre uma profunda crise pedagógica, pois o aluno em final de curso, que passou sua graduação inteira se preparando para um mercado de trabalho imaginário, ouve de seus pares recém formados que a realidade pós-universidade é distinta, quase oposta, a miragem que apresentam na formação micro especializada.  Isto acontece não apenas nos cursos privados, mas também nas universidades públicas financiadas com os recursos públicos, oriundo de impostos, de todos os brasileiros, da empregada doméstica e do auxiliar de pedreiro ao empresário de multinacional.

A fantasia capitalista e liberal acredita que o mercado, uma vez livre, se auto regula e que o equilíbrio entre demanda-oferta podem harmonizar, equalizar os interesses sociais. Esse pensamento liberal no campo da saúde causou uma total desorganização no mercado de recursos humanos no SUS. Durante os anos 90, nos governos FHC, ocorreram dois movimentos claros: de um lado o sucateamento das universidades públicas, com cortes de orçamento e atrasos de repasses, e por outro lado a abertura de cursos de graduação sem qualquer critério significativo entre as universidades privadas, o que levou, na prática, a privatização da demanda. Na histeria privatista dos anos FHC, como não havia força política para privatizar as universidades públicas, se privatizou a demanda, induzindo vestibulandos a ingressarem na recém enxurrada de universidades privadas que abriam cursos dos mais variados na Saúde. Esse movimento levou a um verdadeiro desastre na saúde.

Todo ano, dentistas, psicólogos, nutricionistas e enfermeiros, por exemplo, recém formados, inundam o mercado de trabalho sem qualquer possibilidade desse mercado absorver essa mão de obra gigantesca. O que leva à formação de um exército de reserva, uma pletora profissional, que rebaixa as condições de trabalho e salariais dos trabalhadores que conseguem se estabelecer nesse precário cenário. Dito em bom português, o mercado oferece R$4.000 de salário por 40 horas semanais. Mas a pletora profissional é tão grande que se oferecessem R$3.000 pelas mesmas 40 horas semanais também haveriam candidatos a trabalharem nessas condições. E a cada ano milhares de trabalhadores da Saúde são lançados no mercado de trabalho aumentando essa pressão por emprego. Nesses termos, nem o SUS, nem o setor privado absorvem a todos.


Corporativismo

A medicina, diferente das demais profissões na área da saúde, seguiu um caminho diferente, porém nada exemplar. O que efetivamente movimentou a classe médica foi seu espírito corporativo, e nada mais que isso. Para criar uma reserva de mercado (e não um exército de reserva, como a maioria das profissões da área), controlando através de pressão política de suas organizações de classe a abertura de cursos de graduação, levando a um cenário onde não há médicos para todos. Como isso, em diversos municípios do país, o fato da reserva de mercado se impõe de maneira cruel, com médicos fazendo, muitas vezes, uma verdadeira chantagem com gestores municipais onde verifica-se um verdadeiro leilão por altos salários. 

Nesse campo de batalha estabelecido na profissão médica o Estado se faz de sonso e finge não ver o óbvio, sendo assim conivente com as corporações médicas. Vale destacar que, por mais que reforcemos a importância da multidisciplinaridade no campo da Saúde, a medicina é uma profissão fundamental na assistência à saúde e, mais que isso, uma profissão socialmente necessária, pois quando o filho está doente ou quando uma dor aguda acomete a pessoa o povo quer o cuidado médico, o povo quer uma consulta com seu médico, quer ouvir da boca de seu médico de família o que ele ou seu familiar querido tem. 


Mais médicos

Uma exitosa experiência, onde o Estado chama para si a responsabilidade referente ao cuidado médico, aconteceu no Programa Mais Médicos pelo Brasil (PMM), onde pessoalmente trabalhei no início do programa, nos anos de 2014 e 2015. Em 2014, o Ministério da Saúde (MS), sob comando do Ministro Alexandre Padilha, uma pessoa que conheci no período que trabalhei no MS (de 2010 a 2015), e admiro como sanitarista e político, lançou o programa acima citado. O PMM trabalhava em três eixos fundamentais: o provimento médico, com a contratação e lotação de médicos em vazios assistenciais, não apenas nos sertões e grotões do Brasil, mas também em vazios dentro das grandes cidades como Rio e São Paulo; a organização da abertura de vagas em programas de residências médicas e a unificação do cadastro de especialidades. 

Esses três eixos dialogam fortemente entre si como a Santíssima Trindade para os cristãos, onde um eixo isoladamente não tem sentido sem o outro. Assim como na Trindade, só se consegue explicar o Filho explicando também o Pai e o Espírito, assim sucessivamente. Não preciso nem utilizar muito a língua de Luís de Camões para explicar a reação enlouquecida das corporações médicas. Teve desde cuspe, arremesso de ovo e ameaças de agressões físicas em médicos estrangeiros nos aeroportos até intimidação em locais de trabalho. Tudo isso sob o apoio e patrocínio das corporações. Uma verdadeira loucura.

Resumindo: as profissões da saúde de nível superior se dividem entre aquelas que tem gente demais e as que tem gente de menos. Tá certo isso? Sem falar na formação...

Não é possível uma efetiva implantação de um sistema de saúde universal sem alterar a organização de um conjunto de ações paralelas à assistência em saúde. Houve nos governos petistas ações nesse sentido, como a reforma curricular ou como o PMM, que obviamente foram sepultados com o golpe de 2016. O atual governo, de Jair Bolsonaro, incompetente na gestão dos negócios e interesses de Estado Brasileiro, e desprovido de compromisso social, tem ojeriza ao SUS. Haja vista a implantação do Previne Brasil, que tem como escopo diminuir o sistema de saúde para um sistema residual, ou ainda a gestão catastrófica do MS durante a pandemia que teve como efeito prático, além de mais de 600 mil mortos, a tentativa de desmoralizar o SUS diante da opinião popular, colocando um general despreparado como Ministro, que antecedeu e sucedeu médicos do mesmo nível.

Qualquer tentativa de alterar interesses corporativos, de interferir em negócios de conglomerados da educação privada ou de mudar o status quo das universidades passa necessariamente por decisões de governo e por opções políticas. Para alterar o caminho que o SUS trilha desde 2016 é necessário mudar o atual Governo Federal, de cunho fascista, e afastar de maiores ambições eleitorais os pescadores de águas turvas, como João Dória e Eduardo Leite. Que são semelhantes a Bolsonaro em sua essência, apenas usam sapatênis e comem de garfo e faca.

Derrota de Bolsonaro em 2022 não acabará com o bolsonarismo

 


Texto Marlucio Luna

Ilustração Cacinho


Salvo uma catástrofe de proporções apocalípticas, as eleições de 2022 provavelmente marcarão o fim do ciclo de Jair (o falso) Messias Bolsonaro à frente da Presidência da República. O país levará décadas para se recuperar dos estragos causados pelo miliciano nas áreas econômica e social. Derrotar o Rei das Rachadinhas é a tarefa menos complexa. O maior desafio para o próximo ocupante do Palácio do Planalto será derrotar não capitão, mas o bolsonarismo — essa variação tupiniquim do fascismo, que mistura aporofobia, racismo, misoginia, lgbtfobia, fundamentalismo neopentecostal, interesses econômicos e uma boa dose de oportunismo canalha por parte dos militares.

Uma parcela significativa do eleitorado brasileiro — que, dependendo da pesquisa, varia entre 20% e 25% — permanece fiel a Asmodeu e aos desvarios cometidos por ele na condução do país. Desemprego recorde, 600 mil mortos na pandemia, elevação dos níveis de miséria, fome, corrupção, fake news e ameaça de recessão econômica parecem não ser suficientes para afastar a horda fascista de seu líder. O contingente de seguidores está consolidado em um patamar extremamente perigoso, o que coloca em risco a democracia e os avanços sociais conquistados a duras penas nas últimas décadas.

Os setores democráticos da sociedade ainda menosprezam o risco representado pelo bolsonarismo. Em uma análise com a profundidade de um pires, preferem encarar esse fenômeno político e social como se fosse apenas fruto da despolitização ou de um momento de crise econômica e política. Tal leitura incorre nos mesmos erros cometidos durante a ascensão de Mussolini na Itália e de Hitler na Alemanha. Ambos eram vistos como bufões, capazes de atrair parcelas pouco representativas das sociedades em que estavam inseridos. Deu no que deu.


Presença no cotidiano

A matéria-prima do bolsonarismo sempre esteve presente na sociedade — e, por mais difícil que seja admitir — e no cotidiano de todos nós. O futuro bolsominion nos acompanhava nas reuniões familiares, no trabalho, na escola ou faculdade, nas peladas de fim de semana. Podia ser visto ao volante dos táxis e dos carros de aplicativo. Era aquele tio que se comprazia com piadas racistas; o colega que, entre uma aula e outra, defendia a pena de morte e criticava a mais simples menção a direitos humanos; o conhecido que se recusava a participar de qualquer mobilização puxada pelo sindicato e acusava a representação dos trabalhadores de ser “coisa de comunista”; ou o parceiro de futebol que considerava normal tratar as mulheres com desrespeito. 

Os bolsominions estiveram o tempo todo ao nosso lado. Nós os subestimamos, classificando-os como “malucos”, “equivocados” ou simplesmente alguém que não merecia ser levado a sério — no máximo, motivo de chacota nas rodas de conversa. A partir de 2017, com a estruturação das redes de disseminação de fake news e a preparação da campanha eleitoral do ano seguinte, a manada de idiotas encontra canais para expressar o seu fascismo latente. Logo percebem que não são poucos. Passam a exibir aquilo que costumo definir como “ignorância ostentação”. Desaparece qualquer sentido lógico de argumentação. A negação da ciência, a mentira disseminada em larga escala, a religiosidade extremada, a defesa de valores superados há muito pelo processo civilizatório e a crença em uma suposta superioridade moral servem de base para o discurso vazio dos seguidores do Presidente Cloroquina.

A filósofa Márcia Tiburi escreveu um livro intitulado Como conversar com um fascista, no qual ela propõe estratégias de diálogo com justamente aquele que despreza o diálogo. Creio que ela não obteve sucesso, pois recebeu ameaças de morte e precisou sair do país. Este é apenas um exemplo de ingenuidade por parte de alguns setores do espectro político progressista. O fascista interdita qualquer canal de debate, pois apenas o ponto de vista dele deve prevalecer. Se tiver oportunidade, aniquila seu oponente e ainda se vangloria disso.

Militância de base

Então, o que resta às oposições do campo progressista fazer, já que não há possibilidade de diálogo com um bolsonarista raiz? Principalmente, rearticular os espaços de organização e mobilização da sociedade. Sindicatos, associações de moradores, grupos representativos das minorias (que hoje são maiorias) e entidades dos mais variados movimentos sociais precisam trabalhar arduamente para conter o avanço do fascismo. Retomar a boa e velha militância de base é o caminho para o despertar da consciência de classe. Não é o mais fácil, porém é o que garante resultados concretos.

As eleições de 2022 podem servir como polo aglutinador das lutas em defesa da cidadania plena. A questão é que ela deve ir além da mera disputa eleitoral. Reconstruir as bases de intervenção dos setores organizados da sociedade se coloca como ação vital para o enfrentamento com o bolsonarismo. Não há como repetir o erro de estimular apenas a criação de “consumidores”. É preciso apostar na formação de “cidadãos” capazes de compreender a dimensão dos seus direitos e a necessidade de defendê-los de ataques fascistas.

As mobilizações de 2 de outubro mostraram que ainda há uma longa caminhada pela frente. Mesmo com o relativo sucesso das manifestações, constatou-se que o campo progressista continua pregando para convertidos. Como pontapé inicial, valeu. No entanto, há urgência em ampliar os níveis de participação popular. O próprio modelo definido para os atos merece uma revisão. A sucessão de oradores repetindo os mesmos chavões, slogans e informações torna os atos enfadonhos e afasta quem não dispõe de um mínimo de formação política.

Enfrentamento

Aquele que derrotar Bolsonaro em 2022, seja quem for, encontrará um país destroçado. A população cobrará respostas rápidas para os problemas do desemprego, da fome e da falta de investimentos públicos. Muitas ações governamentais demorarão a surtir efeito. Nesse hiato, mora o perigo. O bolsonarismo vai se aproveitar da situação e voltar às ruas com suas camisas da CBF, dancinhas idiotas e discursos raivosos — isso sem falar na manutenção do discurso de ódio disseminados em grupos de WhatsApp, canais de YouTube e perfis falsos nas redes sociais. Esse será o momento do enfrentamento entre o campo progressista e a turba liderada por milicianos, pa$tore$ neopentecostais, militares entreguistas, latifundiários, grileiros, especuladores, oportunistas interessados em reconquistar espaços de atuação política e outros tipos de criaturas desprovidas de caráter.

Caberá ao campo progressista privilegiar o trabalho de militância nas bases, disputar o espaço de ação política nas favelas e periferias, no campo e na cidade. É possível conter e reverter o avanço da extrema direita em todo o país. Para tanto, basta sair às ruas e militar. É simples, mas dá trabalho.


Não é a PEC 5 que politiza o CNMP e, sim, é o MP que politiza a PEC

 Por Paulo Teixeira*



Preocupado com o corporativismo do Conselho Nacional do Ministério Público, propus, juntamente com um conjunto de parlamentares, a PEC - Proposta de Emenda Constitucional n. 5, tratando de alterações visando a aperfeiçoar e oxigenar esse importante órgão da República.

Todavia, o que era para ser uma legítima iniciativa do Parlamento – afinal, os Poderes da República são, pela ordem, Legislativo, Executivo e Judiciário – acabou se transformando em um palco político, por meio do qual o Ministério Público superestima e dramatiza as alterações e minimiza os benefícios republicanos, chamando a proposta de “PEC da Vingança”, “PEC da Revanche”, “querem acabar com o Ministério Público”, discurso que não se coaduna com a própria história das relações entre Parlamento e a Instituição.

Qual seria a revanche? Pelos quarenta adiamentos do julgamento do procurador Dallagnol? Vingança contra a notória dificuldade de se punir agentes que abusam de seu poder?

Sabe-se que a criação do CNMP e do CNJ foram conquistas da sociedade. Aliás, foram obras de projetos advindos do governo Lula.

O CNMP, a olhos vistos, necessita ser aperfeiçoado. Diferentemente do judiciário, o Ministério Público possui hierarquias. Por exemplo, não existe um Ministério Público Nacional, como o é o Poder Judiciário. Consequentemente, é necessário que a composição do CNMP seja “desministeriada”, por assim dizer, abrindo-se à sociedade.


Desproporcional

A reação às alterações propostas pela PEC se mostra absolutamente desproporcional. Quando mais a sociedade precisa de um órgão que estabeleça limites ao autoritarismo político-institucional do Ministério Público, mais se percebe o modo como o CNMP coloca obstáculos à verificação das faltas funcionais dos membros do MP. Desnecessário elencar o rosário de críticas que se acumulam ao CNMP durante esses anos todos.

O parlamento percebeu esses déficits institucionais. E, no seu papel, apresenta a PEC que propõe corrigir disfuncionalidades do órgão. Mantendo o seu cerne estrutural, o parlamento traz consistentes alterações, como a composição, retirando, em parte, o caráter classista, agregando mais dois membros externos. Ainda assim, a maioria do CNMP é composto de membros do MP. Disso não se fala.

Parece evidente, a qualquer democrata, que a oxigenação de um órgão deve ser bem vista. Surpreende, assim, que a desproporcional campanha midiático-corporativa apresente a PEC como uma tentativa de retirar a independência do MP ou de esvaziar suas tarefas institucionais. Outra vez, dicotomicamente se opõem interesses corporativos às tentativas de trazer mais controle e transparência.

Por acaso, o MP desconfia do Parlamento, ao criticar tão fortemente as duas vagas que a PEC introduz? E qual é o problema em esse mesmo Parlamento indicar, entre os membros do CNMP, ex e atuais, o Corregedor do órgão? O próprio sentido de “corregedoria” se apresenta mais transparente se o cargo não for reservado a um membro do MP.

Autocrítica

Um dos pontos que mais causa protestos é, veja-se, uma matéria constitucional. Com efeito, diz que compete ao CNMP rever, em grau de recurso, as decisões dos Conselhos Superiores sempre que negarem vigência ou contrariarem a CF, a tratados ou as decisões normativas do próprio órgão. Ora, os Conselhos tratam de matéria do âmbito administrativo. Todos sabemos das dificuldades de judicialização de decisões ilegais-inconstitucionais dos órgãos colegiados do MP. Daí a previsão de recurso ao CNMP. De quem se terá medo?

Do mesmo modo, apresenta-se saudável o poder de o CNMP fiscalizar os atos dos agentes do MP que utilizam o cargo para intervir na ordem pública – leia-se: politização da Instituição. Exemplos não faltam.

São todos pontos que, antes de serem repudiados, deveriam servir para que o próprio MP faça uma autocrítica. Analisando todas as objeções à PEC, percebe-se justamente o contrário do que se diz, isto é, não é a PEC que politiza o CNMP; é o Ministério Público que politiza a PEC, blindando a Instituição de controles externos absolutamente necessários na democracia, evitando a formação de “repúblicas autônomo-institucionais”, imunes a punições e, quiçá, a fiscalizações mais isentas.


*advogado, deputado federal (PT-SP) no quarto mandato e secretário geral do PT


Qual e como será visto o Brasil na COP 26


 Conferência das ONU sobre mudanças climáticas

Por Nilo Sergio S. Gomes*

O Brasil se aproxima das eleições de 2022 e há bem mais indefinições do que certezas. Apesar das pesquisas indicarem dados que permitem construir cenários mais definidos, as incertezas estão bem presentes também. A começar pela indagação se o país conseguirá chegar íntegro até lá, sem convulsões ou arroubos que transtornem e interfiram nos cenários até aqui possíveis de se desenhar. 

Uma pergunta inquietante é: qual Brasil chegará até à COP 26, antes, portanto, das próximas eleições, em 2022? 

A princípio se tem como certo que não haverá golpes ou impedimentos do processo democrático, tão penosamente conquistado após décadas de uma ditadura militar que instaurou o terror e lacrou as urnas. Mas, após um período de pleno exercício da democracia, o país mergulhou no obscurantismo que marca os últimos anos e que poderá ter fim com a volta às urnas, caso não se eleja, novamente, uma liderança que, na prática, se caracteriza por negar a ciência e seus incontáveis benefícios à humanidade, especialmente, às populações mais pobres. 


Amazônia

No Brasil a área de meio ambiente ganhou mais relevância em meados dos anos de 1990, tendo mudado de nome algumas vezes, mas retornando à denominação de Ministério do Meio Ambiente em 1999, no governo de Fernando Henrique Cardoso. Hoje suas atribuições estão diluídas, o mesmo ocorrendo com suas responsabilidades, visto as queimadas na Amazônia, recentemente, e o aumento explosivo das favelas nas grandes cidades, para onde vão milhares de pessoas em busca de emprego e de melhores condições de vida. 

A Amazônia é considerada, mundialmente, como um santuário da flora e da fauna brasileiras, mesmo sofrendo a ação dilapidadora do garimpo ilegal e do extermínio de sua gente, especialmente os povos primitivos, reconhecidos como indígenas de diferentes etnias e origens. 

As favelas, por sua vez, abrigam milhares de trabalhadores, desde aqueles com carteira assinada e que atuam na chamada economia formal, aos que estão na informalidade, prestando serviços de todo o tipo e sem qualquer garantia de direitos, como 13º salário, Previdência Social, aposentadoria e férias. 

Mas qual Brasil estará na COP 26? Será o Brasil das chamadas “Fake News”, em que o país é apresentado como modelo exemplar de atenção com o meio ambiente, ou o Brasil verdadeiro, incapaz de cuidar de sua gente e de preservar suas riquezas naturais, em especial, a Floresta Amazônica? 

Joguem suas fichas, pois o jogo já está sendo jogado. 

* Jornalista, professor e pesquisador


terça-feira, 5 de outubro de 2021

Os bolsonaristas, o Barão e os tambores

Cid Benjamin - Jornalista

Dentre as formas de expressão da cultura popular brasileira, a música talvez seja a que melhor retrata o dia a dia das pessoas. No futuro, estudiosos sobre o cotidiano no país poderão ter farto material de pesquisa ao examinar nossas músicas populares.

Quando vejo alguns bolsonaristas que posam nas redes sociais ameaçando Deus e todo mundo de armas nas mãos, e depois choramingando ao saberem da decretação da prisão, me lembro de um samba gravado por Bezerra da Silva. Já até o citei num artigo anterior aqui na Fórum. Ele começa assim: “Você com revólver na mão é um bicho feroz, sem ele anda rebolando e até muda de voz”.

E me vem à cabeça a adoração de Jair Bolsonaro ao ex-chefe do DOI-Codi de São Paulo Brilhante Ustra, uma das poucas figuras condenadas como torturador pela Justiça brasileira. O presidente o tem como herói e gosta de lembrá-lo, numa clara apologia à tortura – o que, por si só, é um crime.

Valentia?

Francamente, seja qual for a posição política de alguém, é difícil ver um ato de coragem na tortura de presos amarrados, encapuzados e pendurados no pau-de-arara. Ustra sequer ia à rua capturar os opositores políticos que os militares classificavam como subversivos. Ficava esperando por eles no DOI-Codi. Haja valentia...

Sua história me lembra a do capitão Alfredo Astiz, que se tornou o maior símbolo da tortura de presos políticos na ditadura argentina. Quando da Guerra das Malvinas, ele comandava uma unidade que participou do conflito. Melhor seria dizer que comandava uma unidade que deveria ter participado do conflito. Na hora do vamos ver, o bicho feroz Astiz deu ordem para que a unidade se rendesse sem disparar um tiro sequer. 

Só faltou rebolar e mudar de voz, como no samba cantado por Bezerra da Silva.

Hoje Astiz está preso, condenado à prisão perpétua. Na Argentina os torturadores não são considerados heróis.

Uma dura verdade é que as forças armadas latino-americanas se especializaram em humilhar, agredir e matar civis indefesos. Quando se vêm diante de outros militares profissionais – como foi o caso dos argentinos diante do Exército inglês nas Malvinas - fazem como Astiz, afinam. É uma vergonha.

Aliás, questionado sobre o lamentável estado em que se encontravam os tanques dos fuzileiros navais que Bolsonaro usou recentemente para tentar intimidar os deputados na votação sobre a emenda constitucional do voto impresso, um chefe militar afirmou que, para a destinação que se pensava para eles, aqueles blindados serviam, apesar de seu estado precário. Foi uma confissão clara de que sua destinação não era para uma eventual guerra ou para o enfrentamento com outros militares, mas para a repressão a civis desarmados.

Tortura

No último mês de setembro transcorreu o 48º aniversário do golpe militar que levou o general fascista e corrupto Augusto Pinochet ao poder no Chile e assassinou o presidente Salvador Allende. Assassinou também Victor Jara, um dos mais importantes músicos chilenos. Nascido em 1932, Victor foi também diretor de teatro e ativista político. É autor de um dos maiores clássicos do cancioneiro popular daquele país: “Te recuerdo, Amanda”.

No golpe militar de 11 de setembro de 1973, ele foi preso no Estádio Chile, um dos locais em que concentraram militantes de esquerda quando do golpe e que, hoje, leva o nome de Victor Jara. O corpo foi abandonado perto de uma favela com dezenas de marcas de tortura. Ainda no Estádio Chile, outros presos ouviram a ameaça de um oficial do Exército chileno que lhe quebrou todos os dedos das mãos com coronhadas de fuzil: “Você nunca mais vai tocar violão”. Efetivamente, Victor nunca mais tocou violão, mas não só por ter tido as mãos esmagadas, mas por sido morto na tortura.

O cadáver foi identificado pela esposa, a bailarina britânica Joan Turner. Víctor tinha 44 marcas de bala e numerosos ossos fraturados.

Tambores

Volto a essa história porque se sucedem notícias de que, aqui no Brasil, valentões fascistóides tremem nas bases ao serem ameaçados de prisão. Pode até ser que haja algum exagero nisso. Afinal, as condições de prisão a que são submetidos os bolsonaristas presos hoje não se assemelham, nem de perto, às que eram submetidos os opositores da ditadura militar.

Mas a verdade é que são tantas as notícias semelhantes – e de diferentes fontes – que me fazem desconfiar que algo haja de verdade. Quando não estão choramingando diante da possibilidade de prisão, esses valentões de araque arranjam logo uma história de que não podem ir para a prisão por questões de saúde.

A última dessas notícias foi divulgada pelo deputado federal Paulo Pimenta (PT) em suas redes sociais. Segundo ele, ao tomar conhecimento de que seu filho Carlos poderia ser preso por determinação do ministro Alexandre de Moraes, do STF, o presidente teria ligado chorando para o magistrado, implorando para que o filhote não fosse para trás das grades.

Pelo visto, esses valentões bolsonaristas são como os tambores: “Fazem muito barulho, mas são vazios por dentro”, para usar uma expressão do saudoso Barão de Itararé.

Artigo também publicado na Revista Fórum:

https://revistaforum.com.br/rede/os-bolsonaristas-o-barao-e-os-tambores/

Caminhos para a efetiva implementação da gestão das águas no Brasil (Reflexões iniciais)

*Angelo José Rodrigues Lima

    1. INTRODUÇÃO

Este artigo tem o objetivo de estimular o debate sobre a implementação efetiva da gestão das águas no Brasil. O artigo não tem a pretensão de apresentar todas as possibilidades para isso, mas sim estimular o debate, que é mais do que necessário e urgente.

Há 24 anos, com a Lei das Águas, os atores participantes da gestão das águas no Brasil ajudaram a construir mais de 200 Comitês de Bacias, Conselhos Estaduais de Recursos Hídricos e Conselho Nacional de Recursos Hídricos e tantas experiências acumuladas de construção de planos de bacias hidrográficas, planos estaduais de recursos hídricos. Agora, está na hora de fazermos um grande balanço nacional para reflexão e análise de onde saímos, onde estamos e para onde estamos indo.

    2. OS DESAFIOS PARA A GESTÃO DAS ÁGUAS

De acordo com Leff (2010), uma das principais causas da problemática ambiental encontra amparo no processo histórico em que se insere a ciência moderna e a Revolução Industrial. A ecologia demanda o Materialismo Histórico para explanar a produção de valores como decorrência do que é produzido de forma natural. É necessária uma reestruturação no que tange ao conceito de valor, renda diferencial e forças produtivas para que o processo produtivo entre em consonância com o meio natural.

Nesse cenário, assinalam Pereira e Horn (2009, p. 57), os limites ambientais devem ser vistos como parâmetros para que se gere um novo modelo de desenvolvimento – sustentável. Esse modelo deve afastar a premissa de que desenvolvimento sustentável se resume à simples economia de recursos naturais. Logo, esses limites não podem ser entendidos como decorrentes da insuficiência natural dos recursos para o atendimento das necessidades humanas. Eles devem ser entendidos na percepção de que a falta de tais recursos conduz ao indevido e destrutivo relacionamento do homem com a natureza, principalmente, quanto à produção de bens econômicos.

Nossos problemas relacionados à gestão das águas e do ambiente não se resumem somente aos políticos e epistemológicos. Segundo Leff (2010), também é a forma como se lida com os processos.

Os problemas relacionados com a água, um dos mais importantes recursos ambientais, não estão dissociados das relações históricas entre o homem e o Meio Ambiente e suas atividades produtivas, o que tem resultado em uma grave crise ambiental no nosso planeta. Esta crise em que os recursos hídricos estão inseridos é decorrente do modelo de desenvolvimento adotado, no qual os recursos naturais estão escasseando, seja em qualidade, como em quantidade. Neste sentido, torna-se necessária uma mudança de concepção no modelo de desenvolvimento.

O Fórum Econômico Mundial sempre trata dos riscos globais e a cada ano apresenta um relatório sobre os riscos mais significativos e de maior impacto a longo prazo em todo o mundo, baseando-se nas perspectivas de especialistas e tomadores de decisão globais. No relatório de 2015, aproximadamente 900 especialistas participaram da pesquisa de percepção de Riscos Globais. Eles classificaram a crise de abastecimento de água como o maior risco e de maior impacto que se anuncia no mundo atual. Além deste, outros grandes riscos relacionados a seus conflitos e conflitos interestatais, em termos de impacto, são: propagação rápida de doenças infecciosas, armas de destruição massiva e a falta de adaptação às mudanças climáticas (World Economic Forum, 2015).

Com um universo de pesquisados diferentes, em 2016 outros entrevistados colocaram a questão da água como o terceiro maior desafio para o desenvolvimento econômico, social e ambiental (World Economic Forum, 2016). Portanto, a gestão da água deve ganhar cada vez mais um caráter estratégico por parte dos tomadores de decisão, senão pelo menos dos setores privados, já que a escassez da água pode afetar diretamente os negócios de grandes grupos empresariais. Assim, a água é o recurso estratégico do século XXI e, acima disso, deveria ter sido de todos os séculos.

A água é um recurso vital e estratégico para o abastecimento humano e para o ecossistema aquático. Em alguns países, como, por exemplo, a Austrália, em relação à prioridade da alocação de água, primeiro vem o abastecimento humano e em segundo o ambiente. A indústria e agricultura são os últimos.

A água pode ser considerada no âmbito de diversas funções, seja como solvente universal, componente bioquímico dos seres vivos, meio de sobrevivência para várias espécies vegetais e animais, elemento de valores sociais, culturais e estéticos, insumo na produção de bens e serviços de consumo intermediários e finais. Todo processo depende da água na sua mais ampla acepção, da indústria de produção de equipamentos à produção de alimentos, da produção de energia ao abastecimento da população.

O ciclo todo da água é caracterizado por um fluxo permanente de energia e de matéria, estando ligado ao substrato e à vida. Essa visão sistêmica reúne Geologia, Geografia, Hidrologia, Biologia, Neurologia, Física, Química e outras disciplinas. Demonstra-se, dessa forma, que para entender o funcionamento do ciclo das águas necessita-se de uma diversidade de conhecimentos, assim como o caso da gestão das águas, que é complexa e requer, além do conhecimento técnico, o social, político, econômico e ambiental, (CAPRA; LUISI, 2014). Contudo, mesmo verificando-se que há disponibilidade de água no planeta, os resultados da ação do homem, questões naturais e ausência de gestão, fazem com que algumas regiões enfrentem escassez. A figura 1 apresenta o nível de risco para o uso da água no mundo. 


Figura 1: Fonte: World Resources Institute, Projeto Aqueduct, 2014

A imagem apresentada (Figura 1) enfatiza a seriedade com que o mundo deve tratar a gestão das águas, já que a distribuição desse recurso não se apresenta de forma igual para todos os países, havendo locais onde os riscos para o uso da água são altíssimos. É fato que, por vezes, os riscos aumentam por ausência absoluta de governança, gestão e de implementação de ações.
Devido à escala da figura 1, apresentada de forma macro, não aparecem por completo os problemas de escassez no semiárido brasileiro e mesmo problemas de criticidade em outras regiões hidrográficas do Brasil, contudo sabe-se que esses problemas existem e são críticos.
Segundo Rebouças (1999), nos últimos 500 milhões de anos a quantidade de água na Terra se manteve praticamente a mesma. Porém, é possível dizer que sua distribuição se altera ao longo do tempo, especialmente por conta das variações climáticas. Exemplo disso é que, segundo os especialistas em mudança de clima, para cada grau centígrado de aumento na temperatura da Terra, a evaporação aumenta em 7%. Totalizam-se 1.386 milhões de km³, sendo que 97,5 % dessas águas são salgadas. O restante, aproximadamente 2,5 %, é de águas doces. Com relação a esta última tem-se que: 69,0 % de toda a água doce são compostas por geleiras glaciais, calotas polares e neves eternas, portanto não está disponível para o consumo humano; o restante disso, apenas 31,0 % das águas doces, estão disponíveis nos rios e lagos para uso e consumo imediato e futuro, assim como compõem a umidade dos solos, vapor e águas dos pântanos. Ademais, acredita-se que menos de 1,0 % de toda a água doce seja potável, (REBOUÇAS, 1999).
O Brasil possui uma área de 8.511.965 km², sendo um país rico em água, pois dispõe de 177.900 m³/s de descarga de água doce em seus rios, o que representa, aproximadamente, 13,0 % de água doce superficial do mundo, (REBOUÇAS, 1999). Considerando ainda as vazões oriundas de território estrangeiro que ingressam no país (Região Amazônica, Uruguai e Paraguai), a vazão média total atinge cerca de 18,0 % da disponibilidade mundial (RAUBER; CELLA, 2008). Entretanto, devido a essa “disponibilidade”, o país viveu a ilusão de abundância em quantidade de água, esquecendo-se da manutenção da qualidade das águas. 
Na realidade, o Brasil tem 79,7% do potencial hídrico localizado na região Norte, onde vive 7,8 % da população e há a menor demanda hídrica. As águas restantes, ou seja, 21,3 %, estão localizadas nas demais regiões do país, as quais abrigam 92,2 % da população total, (GODOY, 2006). As regiões Sul e Sudeste se destacam pela concentração populacional, consumo elevado de água e por possuírem bacias hidrográficas localizadas em regiões altamente industrializadas que, há tempos, apresentam conflitos de uso, sobretudo em decorrência da contaminação por efluentes industriais e domésticos, como relata a Associação Brasileira de Engenharia Sanitária, (ABES, 1990).
Na região Sudeste (figura 2) encontra-se, aproximadamente, 43,0 % da população brasileira e o volume das águas com relação ao Brasil não passa de 6,0 %. Na região Nordeste, onde se encontram 29,0 % da população brasileira, o volume é de apenas 3,0 %. Na região Sul, tem-se cerca de 15,0 % da população e apenas 7,0 % de água disponível. Na região Centro-Oeste se encontra cerca de 6,0 % da população e tem-se cerca de 16,0 %. Na região Norte, onde estão apenas 7,0 % da população, tem-se cerca de 68,0 % das águas. A figura 2 mostra, em quatro áreas, que a distribuição das águas dentro do país é desigual.



Figura 2: Distribuição da Água no Brasil.
Fonte: Secretaria do Estado da Educação; Superintendência da Educação (2016).

Em que pese o Brasil ter uma das maiores quantidades de água de um país no mundo, existem desafios, pois segundo o Atlas do Abastecimento Urbano de Água, de 2011, as regiões hidrográficas do Atlântico, onde vivem 45% da população urbana do país, detêm apenas 3% da disponibilidade hídrica, a qual está em franco declínio. Segundo este Atlas, 55% dos municípios brasileiros (73% da demanda) estarão sujeitos à falta de água no terceiro decênio do século. 
A ameaça da escassez hídrica não é mais, portanto, exclusividade da região Nordeste do país, cuja população sofre secas históricas e uma aridez crescente, com áreas sempre maiores de desertificação. De resto, as secas mostram sintomas de agravamento no Nordeste, que vão de par com o declínio da Bacia do Rio São Francisco. Segundo o Inmet, a seca de seis anos (2012-2017) que se estendeu por todo o semiárido foi a mais prolongada e a pior das oito grandes secas plurianuais registradas desde 1845. E após o interregno de chuvas muito desiguais do primeiro trimestre de 2018, a seca retorna com força, desde maio, em 10 estados do país, incluindo a quase totalidade do Nordeste, com temperaturas em julho entre 36º C e 38º C.
Em 26 de junho, 598 municípios do NE estavam em situação de emergência. Em 4 de julho, já eram 821 nessa situação, com pelo menos 1,7 milhão de pessoas tendo acesso à água potável apenas via carros-pipa, segundo dados do Ministério da Integração Nacional.
Registra-se que crises hídricas estão acontecendo em todas as regiões do Brasil, não somente na região Nordeste.
Uma questão a se destacar está relacionada ao ciclo hidrológico e às mudanças climáticas. Em algumas regiões ainda não se pode prever se com as mudanças haverá secas ou cheias. Desta maneira, o Brasil, por ter grande parte da água doce disponível no mundo e por ser estratégico do ponto de vista geopolítico (especialmente a região amazônica), necessita cuidar da manutenção qualitativa e quantitativa de suas águas. Atualmente os recursos hídricos do Brasil estão bastante ameaçados, devido a seu estado de degradação, causado pela ausência de tratamento de esgoto que é jogado nos rios, desmatamento nos diversos biomas do Brasil, redução das matas ciliares e a poluição industrial.
Devido ao aumento da população e ao modelo de industrialização, agricultura e urbanização, o homem tem contribuído para a alteração do ciclo hidrológico. As mudanças globais, em parte resultantes da aceleração dos ciclos biogeoquímicos e o aumento da contribuição de gases de efeito estufa na atmosfera, também interferem nas características do ciclo hidrológico, afetam a temperatura das águas superficiais de lagos, rios e represas e produzem impactos na biodiversidade, na agricultura, na distribuição da vegetação, consequentemente alteram a quantidade e qualidade dos recursos hídricos (TUNDISI, 2003).
A média de esgotos tratados para o Brasil é de apenas 49,1 %, consequentemente boa parte dos rios recebem grande volume de esgoto doméstico, degradando-os e ainda causando doenças, especialmente nos setores mais pobres da sociedade brasileira. A grande maioria das cidades não tem aterro sanitário e todos os resíduos sólidos são depositados em lixões que certamente contaminam os rios, especialmente o lençol freático. Deve-se mencionar ainda a poluição industrial e a poluição no campo, causada especialmente pelos agrotóxicos, sendo que o Brasil é um dos países que mais utilizam agrotóxicos. (Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento – SNIS 2019).
Nesse sentido, cabem algumas perguntas. Há 24 anos foi aprovada a Lei das Águas, Lei no 9.433, (BRASIL, 1997), que trata da Política Nacional de Recursos Hídricos. Quais são os seus resultados efetivos de implementação? Nestes anos de existência, a Política das Águas enfrenta enormes desafios para que possa ser implementada e tenha resultados concretos de conservação e recuperação das águas. Um dos pilares básicos, no âmbito político, são os Comitês de Bacias, hoje existentes em mais de 200 bacias de rios em domínio da União e dos Estados. Quais são os resultados efetivos de conservação e recuperação das águas através dos Comitês de Bacias? O Sistema de Gerenciamento de Recursos Hídricos está funcionando? Os órgãos gestores trabalham de forma adequada? Existem funcionários suficientes em todos os órgãos gestores para a implementação da política? Como são os processos de organização e convocação das reuniões de trabalho dos comitês? Como garantir que haja uma igualdade de representação dos diversos atores na gestão das águas? O Comitê de Bacia em sua composição prevê a distribuição entre representantes do poder público, usuários e sociedade civil, porém isto por si só garante a representatividade dos três setores? Eles conseguem de fato representar os segmentos que representam?
    1. REFLEXÕES SOBRE OS CAMINHOS PARA A EFETIVA IMPLEMENTAÇÃO DA GESTÃO DAS ÁGUAS NO BRASIL. 
Depois de 24 anos da Lei 9433/97, ao analisar as ameaças e desafios para a gestão das águas no Brasil, este artigo apresenta que os seguintes elementos são centrais para a implementação efetiva da gestão: a) refletir sobre um novo modelo de desenvolvimento; b) tratar e resolver sobre a Governança do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos (SINGREH), envolvendo a questão da participação Social e a ampliação da democratização da gestão; c)  a visão sistêmica da gestão das águas; e d) a água precisa se tornar uma agenda política de “Estado” e não somente de governo, sendo que é fundamental que ocorra um diálogo e interação entre estas questões.
A reflexão sobre um novo modelo de desenvolvimento não será resolvida no âmbito da gestão dos recursos hídricos, nem é tarefa desta, porém é muito importante que os atores da gestão entendam que muitos dos impactos negativos que afetam a qualidade e a quantidade das águas têm relação direta com o modelo de desenvolvimento atual; não é mais possível pensar em desenvolvimento apenas do ponto de vista do crescimento econômico, é preciso ter um desenvolvimento pleno no qual a água, o ambiente, a natureza, o social sejam o centro deste novo modelo de desenvolvimento.
No caso da água é preocupante a passagem de toda a política da água no Brasil para um Ministério de Desenvolvimento Regional. Sem dúvida que a água é central para o desenvolvimento, mas dependendo do tipo de desenvolvimento ele continuará ocasionando impactos sobre as águas, ameaçando a quantidade e a qualidade das águas e inclusive aumentando os riscos para os negócios, conforme os relatórios do Fórum Econômico Mundial.
O SINGREH é um sistema complexo e ousado, assentado na necessidade de intensa articulação e ação coordenada entre as diferentes esferas, atores e políticas para sua efetiva implementação indicando assim que a governança é um elemento importante deste Sistema.
As figuras 3 e 4 mostram o organograma de funcionamento do SINGREH, sendo que a figura 3 era quando o SINGREH até 2018, estava assentado no Ministério do Meio Ambiente, e depois, em 2019, o SINGREH foi assentado no Ministério do Desenvolvimento Regional.

Figura 3: Organograma do SINGREH até 2018 
Figura 4: Organograma do SINGREH a partir de 2019
Fonte: Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico


    Em que pese a crítica feita acima por esta mudança, a governança continua sendo um elemento central para a gestão das águas e neste caso amplia-se o desafio em relação a integração da gestão das águas com a gestão ambiental, já que antes os Sistemas de Gestão Ambiental e o Sistema de Gestão de Recursos Hídricos estavam no mesmo Ministério. O tema da governança envolve também a capacidade do poder público de ter estrutura funcional para dar conta das demandas da gestão de recursos hídricos. Elaboram-se grandes obras nos estados e em alguns municípios, porém não se leva em consideração se o Estado (poder público federal, estadual ou municipal) tem capacidade instalada na área dos recursos hídricos e ambiental para implementar medidas que possam dirimir ou diminuir os impactos que são causados pelas obras realizadas em outro Ministério ou Secretaria.
    A governança, conforme já dito, exige integração entre órgãos do Estado, integração de temas e articulação de atores. E ao tratar da articulação de atores, é fundamental que se realize um balanço da participação social na gestão dos recursos hídricos no Brasil. É fundamental verificar se atores estratégicos já estão fazendo parte da gestão, pois a participação social é um componente importante para ampliar a democracia da gestão.
É importante reconhecer que existe um debate sobre a questão da participação social, inclusive da desvalorização à participação, porém, sabe-se que a participação social tem muitos benefícios e o debate é mais sobre quais são as melhores metodologias e ferramentas para facilitá-la.
Estudiosos como Fiorino (1990), Laird (1993), Renn et al. (1995), ou Beierle e Cayford (2002), identificaram vários benefícios da participação, que vão desde o aumento da legitimidade de decisões ao desenvolvimento da democracia participativa, além da democracia representativa. Alguns destes e outros benefícios ocorrem como um produto da aprendizagem. Durante a interação, os participantes aprendem sobre os assuntos discutidos e os pontos de vista de outras pessoas. Eles também são capazes de descobrir novos pontos em comum e aprimorar suas habilidades de interaçãosocial.
    Como resultado dessa aprendizagem, os seguintes benefícios são atribuídos à participação: a) Decisões de melhor qualidade: quando o conhecimento de diferentes atores, incluindo especialistas, é reunido durante o discurso, isso pode, potencialmente, levar a decisões com mais informações; b) Melhor aceitação das decisões: envolvendo as pessoas que serão afetadas pela decisão, um acordo mais amplo pode ser negociado, o que, potencialmente, aumenta o apoio à implementação e c) Desenvolvimento de capital social: através da interação intensa em um processo de participação, os participantes podem construir novas redes e trabalhar para resolver conflitos, tendo assim a oportunidade de aumentar o capital social, que, por sua vez, pode permitir-lhes resolver mais facilmente problemas e novos conflitos no futuro.
Pedro Jacobi (2007) ainda cita que “o fortalecimento dos espaços deliberativos tem sido peça fundamental para a consolidação de uma gestão democrática, integrada e compartilhada. Atualmente, o maior desafio é garantir que esses espaços sejam, efetivamente, públicos, tanto no seu formato quanto nos resultados”.
Mas o tema da participação social não deve ser tratado de forma romântica, conforme afirma Pedro Jacobi, “o maior desafio dos espaços deliberativos é garantir que sejam, efetivamente, públicos, tanto no seu formato quanto nos resultados. A dimensão do conflito lhes é inerente, como é a própria democracia. Portanto, estes espaços de formulação de políticas onde a sociedade civil participa, marcados pelas contradições e tensões, representam um avanço, na medida em que publicizam o conflito e oferecem procedimentos de discussão, negociação e voto de forma legítima”.
No caso em questão, é preciso que os atores sejam capazes de apresentar e tratar dos conflitos que existem nas diversas bacias hidrográficas. Se os conflitos atuais não forem tratados, os atores não irão compreender sobre a negociação de conflitos, que será cada vez mais necessária, considerando que as mudanças climáticas poderão alterar completamente o ciclo da água em diversas bacias hidrográficas do Brasil.
Outras duas questões são muito importantes, como garantir que a gestão incorpore uma visão sistêmica em relação à implementação da gestão das águas. Ou seja, deve se tornar central, por exemplo, que os atores das águas devam se preocupar com o desmatamento da Amazônia, do Cerrado e do Pantanal; e o tema do manejo e uso do solo na área urbana e rural: o tema do desmatamento não pode mais passar sem um posicionamento destes atores.
A segurança hídrica só será garantida com uma visão e atuação sistêmica para implementar ações que tenham esse princípio. Construir metas, realizar o monitoramento de forma transparente é também essencial para a gestão das águas.
Por último, a água precisa se tornar uma agenda de “Estado”: é fundamental garantir orçamento para o funcionamento da política das águas, assim como é a governança do Sistema da Saúde e da Educação.  Por vezes, quando acontece uma crise hídrica, escolas e hospitais são prejudicados no seu pleno funcionamento. É importante que a política pública da água não sofra solução de descontinuidade.
“O rio é a memória da terra”. A frase em destaque foi lida em uma exposição sobre as águas em Foz do Iguaçu, no ano de 2014, e remete à importância do estudo da governança, pois sendo memória da terra, a maneira em que são conduzidas as políticas públicas no território reflete nos cursos d’água. Dessa forma, reflete a presença ou não da capacidade institucional instalada, da integração ou não de políticas públicas, especialmente no caso de políticas para a gestão das águas, pois esta necessita de interface e integração com várias políticas públicas.


*Angelo José Rodrigues Lima - Doutor em Geografia em Análise Ambiental e Dinâmica Territorial (UNICAMP/2018), Mestre em Ciências de Planejamento Energético, área de concentração em Planejamento Ambiental (COPPE/UFRJ/2000); Especialista em Instrumentos Jurídicos, Econômicos e Institucionais para o Gerenciamento de Recursos Hídricos (UFPB/2000) e Biólogo (UFRRJ/1988). Atualmente ocupa o cargo de Secretário Executivo do Observatório da Governança das Águas.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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BEIERLE, T. C.; CAYFORD, J.. Democracy in practice: public participation in environmental decisions. Resources for the Future, Washington, D.C., USA, 2002.

CAPRA, F.; LUISI, P. L. A visão sistêmica da vida: uma concepção unificada e suas implicações filosóficas, políticas, sócias e econômicas. São Paulo: Cultrix, 2014.

FIORINO, D.J.1990. Citizen participation and environmental risk: a survey of institutional mechanisms. Science, Technology & Human Values 15(2): 226- 243. http://dx.doi.org/10.1177/016224399001500204.

GODOY, A. M. G. Recursos hídricos no Brasil. In: Anais do IV Enaber, 14 a 17 de setembro de 2006.

JACOBI, Pedro Roberto; BARBI, Fabiana. ENSAIO-Democracia e participação na gestão dos recursos hídricos no Brasil. Rev. Katálysis vol.10 no.2 Florianópolis July/Dec. 2007. ISSN 1982-0259.  https:// doi.org/10.1590/S1414-49802007000200012. 

LAIRD, F. N. 1993. Participatory analysis, democracy, and technological decision making. Science, Technology, & Human Values 18(3):341-361. http://dx.doi.org/10.1177/016224399301800305.

LEFF, E. Epistemologia ambiental – 5a. ed. São Paulo: Cortez, 2010.

PEREIRA, A. K.; HORN, L. F. Del Rio. Relações de consumo: meio ambiente. Caxias do Sul, RS: Educs, 2009.

RAUBER, D; OLIVEIRA, F. A. C. Uma contextualização da demanda de água na indústria. Synergismus scyentifica UTFPR, v. 3, n.1, 2008.

REBOUÇAS, A. C; BRAGA, B.; TUNDISI, J. G. T. Águas Doces no Brasil: capital ecológico, uso e conservação. São Paulo: Escrituras Editora, 1999.

ORTWIN, Renn; WEBLER, Thomas; WIEDEMANN, Peter (editors). Fairness and competence in citizen participation: evaluating models for environmental discourse. Kluwer Academic Publishers, Dordrecht, TheNetherlands, 1995.

TUNDISI, J. G. Água no século 21: enfrentando a escassez. São Carlos: RIMA, 2003.

WORLD ECONOMIC FORUM. Global Risks 2015 – 10ª ed. Disponível em: <http://www3.weforum.org/docs/WEF_Global_Risks_2015_Report15.pdf>. Acesso em: 15 maio. 2021.

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Idoso no Brasil

Por Mani Ceiba

    Uma vez eu li algo assim: todos dizem que querem um mundo melhor, mas ninguém se levanta para dar lugar ao idoso. Acredito que essa frase resume muita coisa. 

    Nessa pandemia quem tem amor por seus idosos cuidou, defendeu, brigou por eles e seus direitos. Mas vimos que tem gente que não liga nem para a própria mãe... Descaso, falta de respeito e carinho por eles marcam esse governo.

    Quem teve avós presentes como eu, tenho certeza que sabe reconhecer o valor dos idosos na nossa vida, na nossa sociedade, na nossa evolução. Cheios de vivências, muitos são poesia e pura sabedoria. E cada vez mais ativos e presentes. 

    Minha bisavó materna viveu até os 107 e ainda brigava que o molho do macarrão não estava no ponto certo alguns dias antes de partir. Cheia de histórias que se misturavam com a história do nosso país, escravidão, imigrantes, ditaduras... Foi uma riqueza conviver com ela. E a minha avó galega que me criou, faleceu ano passado com 96 anos, não é possível desvincular minha vida da dela. Cheia de segredos na cozinha, fazia milagres com farinha e água! Meu avô que era minha paixão na infância, me levava em todos os parquinhos da cidade, meu conselheiro secreto na adolescência e me ensinou o valor de uma boa cachaça, mas sem esquecer a importância da tradição de um bom vinho português, também já se foi. Não é verdade que damos mais valor quando perdemos. Sempre fui apaixonada por eles e agradeço muito cada momento que me proporcionaram. 

    Mas nossos idosos estão aqui! E o aumento na expectativa de vida nos mostra que começamos a encarar um futuro com cerca de 19 milhões de brasileiros acima dos 80 anos, a partir de 2060. E existe um estatuto do idoso, que dei uma olhada rápida e bem... 

DEVERES DA SOCIEDADE CIVIL E DO ESTADO

    Deve-se assegurar, com prioridade, o direito à vida, à saúde, à educação, à cultura, ao trabalho, à cidadania, entre outros previstos a todos;

    Assegurar a convivência familiar e comunitária;

    Garantir dignidade e evitar tratamento desumano, violento ou constrangedor;

    Capacitar profissionais para atendimento às necessidades dos idosos;

    Orientar cuidadores e grupos de autoajuda nas instituições de saúde;

        Criar oportunidades de acesso à educação, adequando metodologia, material didático e conteúdo que contemple tecnologias, visando a integração digital;

    Abordar no ensino o processo de envelhecimento e o respeito aos idosos, a fim de combater preconceito e produzir conhecimentos;

    Reservar 10% dos assentos do transporte coletivo e 5% das vagas nos estacionamentos públicos e privados;

    Atender à gratuidade dos maiores de 65, em transportes coletivos urbanos e semi-urbanos;

    Está proibida a discriminação e um limite de idade, em emprego e concurso;

    Está proibida a cobrança de valores diferenciados em razão da idade nos planos de saúde.

    Não precisa de muita perspicaz para ver que não é assim na realidade.

    Estima-se que aproximadamente 70% dos idosos possuem alguma doença degenerativa-crônica e 25% têm limitações em suas atividades diárias, diminuindo as chances de manter uma vida saudável”. (Lebrão e Duarte, 2003).

    E temos também o alto índice de violência contra o idoso. O Disque 100, um telefone que atende denúncias contra direitos humanos, informa que em 2017 foram 32.632 denúncias de violência contra o idoso, que se dividem em:

    77% das denúncias são por negligência;

        51% por violência psicológica;

    38% por abuso financeiro e econômico ou violência patrimonial;

    26% por violência física e maus tratos.

    Segundo a experiência de especialistas em direitos humanos, esses números estão abaixo do que realmente acontece nos lares brasileiros. Um dos motivos para isso é a relação entre vítima e agressor, que pode ser um familiar ou mesmo o cuidador contratado. 

    Nos países asiáticos a velhice é sinônimo de experiência e sabedoria em que as pessoas idosas são tratadas com atenção e respeito. No Brasil a velhice é sinal de decadência e incapacidade e as pessoas com mais idade sofrem preconceitos e são desrespeitadas. 

    A solidão sempre foi um desafio dos idosos e ainda temos uma pandemia que pede um maior isolamento por eles serem parte de um grupo com alto risco de contágio e piora dos sintomas. 

    Estudos apontam maiores sequelas da Covid em idosos e segundo o site do poder360, os idosos representaram 51% das mortes registradas por Covid em julho.

    E ainda na pandemia do coronavírus acentuou a discriminação contra os idosos em aspectos como a ocupação dos leitos hospitalares. 

    O alerta foi feito por especialistas durante debate na Comissão dos Direitos da Pessoa Idosa da Câmara sobre o chamado “ageísmo” ou “idadismo”. Eles apontaram preconceito também no mercado de trabalho, na preparação dos estudantes de Medicina para atender aos pacientes mais velhos e na falta de investimentos nas Instituições de Longa Permanência de Idosos (ILPIs), entre outros aspectos.

    Idoso no Brasil tem que lutar todo tempo e todo dia.

    Não vamos mudar o mundo, não vamos deixar o mundo melhor, sem valorizar a importância dos nossos velhos, anciões, griôs, pajés, benzedeiras... 

    Cuide dos seus enquanto estão aqui, respeite todos sempre.

Origem desse dia no Calendário de Classe

Fontes : Agência Câmara de Notícias/Politize/BBC/câmara.leg/previva/poder360