sexta-feira, 14 de maio de 2021

VOTO IMPRESSO: O QUE ESTÁ POR TRÁS DESSA BOMBA?

 Por Alvaro Britto


Recentemente participei de um debate sobre a volta do voto impresso, motivo de uma proposta de Emenda à Constituição em tramitação na Câmara dos Deputados desde 2019 e defendida pelo presidente da República e seus aliados.  Coincidentemente, ela voltou a ser prioridade na agenda dos apoiadores do governo a partir do acordo para eleger o atual presidente da Câmara Arthur Lira e da aproximação das eleições de 2022. 

O principal argumento é a defesa da segurança do voto e da lisura do pleito, através da checagem do voto eletrônico com sua versão impressa. Entretanto, estudando a história do Brasil é fácil identificar que a totalidade das grandes fraudes e crimes eleitorais aconteceram justamente antes da implantação da urna eletrônica nas eleições municipais de 1996. 

As fraudes do voto impresso 

Duas práticas fraudulentas, desde o período imperial, eram conhecidas como “bico de pena” e a “degola”. A primeira consistia em manipulações realizadas pelas mesas eleitorais, que falsificavam assinaturas e até mesmo o preenchimento de cédulas. Já a segunda prática consistia na exclusão de adversários de forma deliberada do páreo eleitoral, como se o candidato tivesse sido degolado. 

Apresentar-se como outra pessoa, usando os documentos dela; votar mais de uma vez na mesma eleição, aproveitando do alistamento múltiplo; passar documentos falsos a fim de inclusão ou exclusão do alistamento eleitoral, eram outras práticas comuns.

Na República

Já no período republicano, temos o voto de "cabresto", que era o controle por coronéis e grandes figuras da época, que abusavam do poder e usavam até ameaças pra comprar votos de cidades inteiras. Cabresto é aquele arreio de corda para controlar animais.

Outras fraudes da época: reter título de eleitor, impedindo assim o voto; alegar idade falsa para poder votar; tentar votar mais de uma vez, ou no lugar de outra pessoa falecida; comprar, vender ou estabelecer qualquer outro tipo de troca pelo voto.

Emblemático foi o Caso Proconsult , uma tentativa de fraude nas eleições de 1982 ao governo do RJ para impossibilitar a vitória de Leonel Brizola, candidato de oposição, de modo a favorecer Moreira Franco, apoiado pelo regime militar. A fraude consistia em transferir votos nulos ou em branco para que fossem contabilizados para Moreira.  

Urna eletrônica

A urna eletrônica foi implantada no Brasil nas eleições municipais de 1996. Mais de 32 milhões de brasileiros, um terço do eleitorado da época, votaram nas mais de 70 mil urnas eletrônicas produzidas para aquelas eleições. Participaram 57 cidades com mais de 200 mil eleitores, entre elas, 26 capitais. 

Ao longo desses 25 anos, nunca houve comprovação de fraude. Pelo contrário, o sistema de votação eletrônico brasileiro é modelo para diversos países do mundo, pela garantia de eleições limpas, seguras, transparentes e auditáveis. Em 2020, foi realizada pesquisa que verificou que 73% dos brasileiros aprovam o uso da urna eletrônica.

Muito diferente dos EUA, cujo sistema de voto impresso tem sido proclamado como modelo pelos defensores da mudança no Brasil. As eleições estadunidenses de 2020 tiveram inúmeros problemas, com vários pedidos de recontagem, recursos judiciais e, para dificultar ainda mais, a inexistência de uma autoridade eleitoral nacional, como é a Justiça Eleitoral brasileira. Lá, cada estado tem sua regra própria e é a mídia que anuncia o resultado do pleito.

Sistema híbrido

Na verdade, a proposta em tramitação no Congresso e defendida pelos aliados do governo prevê que a urna eletrônica tenha acopladas uma impressora e uma urna transparente onde o voto impresso seria depositado para conferência do eleitor que assim desejar.

Já houve experiência com urnas híbridas no Brasil nas eleições de 2002 em Brasília, Tocantins e Sergipe. Na época, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) decidiu implementar o voto impresso em 5% das urnas para auditar o resultado da votação eletrônica. Ao final do processo, foi confirmada a eficiência e a segurança eletrônica. 

Segundo o TSE a implantação do sistema em todo o Brasil teria um custo aproximado de R$ 2,5 bilhões. Em plena pandemia, com falta de vacinas, valor reduzido do auxílio emergencial, aumento do desemprego, diminuição dos investimentos públicos em diversos setores, como a educação, quebradeira de micro e pequenas empresas, essa proposta é no mínimo irresponsável. 

Onde está a fraude eleitoral?

Na verdade, as denúncias de crime e fraude no processo eleitoral de 2018 na disputa presidencial do Brasil, amplamente comprovadas e documentadas e que são investigadas em CPI Mista do Congresso Nacional e por Inquérito no Supremo Tribunal Federal são a veiculação das chamadas fake news e do disparo ilegal de mensagens em massa realizados pela campanha do então candidato Jair Bolsonaro. 

O que está por trás dessa proposta de voto impresso é a tentativa de desqualificar o processo eleitoral e colocar em dúvida o resultado das eleições de 2022, como buscou fazer Donald Trump nas eleições de 2020 nos EUA.   Com a possibilidade real de derrota, os bolsonaristas tentarão criar um clima de instabilidade e de desconfiança para tentar uma virada de mesa. Mas estamos atentos. O Pavio Curto também! Não passarão!







DISSERTANDO E SAMBANDO COM MARTINHO

 Por Mani Ceiba



Felicidade, passei no vestibular

Mas a faculdade é particular...

Livros tão caros tanta taxa pra pagar

Meu dinheiro muito raro

Alguém teve que emprestar


Não é novidade pra ninguém que a sociedade é racista e a questão é estrutural. Não há como existir um projeto de desenvolvimento sem que todos os grupos estejam incorporados. Sabemos que negros, pobres, mulheres e indígenas não estão. Segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), 36% dos jovens brancos entre 18 e 24 anos estão cursando ou terminaram a graduação. Entre pretos e pardos, este percentual cai pela metade: 18%.

Outros dados fornecidos pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) informam que – entre 2010 e 2019 – o número de alunos negros no ensino superior cresceu quase 400%. Os negros chegaram a 38,15% do total de matriculados, percentual ainda abaixo de sua representatividade no conjunto da população, que é de 56%. Em cursos como Medicina, Design Gráfico, Publicidade e Propaganda, Relações Internacionais e Engenharia Química, o número de negros é ainda menor. 

Isso me fez lembrar uma vez que estava na sala de espera de um ginecologista. O médico chegou, pegou as fichas e foi pra sua sala começar os atendimentos, quando duas mulheres se dirigiram até o balcão e perguntaram:

 - Ele é o médico?

 Diante da confirmação da recepcionista, elas disseram claramente: 

- Mas ele é preto! 


Morei no subúrbio, andei de trem atrasado

Do trabalho ia pra aula, sem

Jantar e bem cansado

Mas lá em casa à meia-noite tinha

Sempre a me esperar

Um punhado de problemas e criança pra criar


Acesso à universidade sempre foi um grande desafio para estudantes negros e periféricos.  Apesar de vivermos em um país recordista em desigualdade social e a TV fingir que não, quem vive fora da sua bolha sabe que os desafios são imensos e reais: dinheiro, acesso aos locais de estudo ou internet. Muitos, principalmente mulheres, dividem seus estudos com trabalho, tarefas domésticas, cuidar de filhos ou dos irmãos.

Sempre lembro da minha avó dizendo que tudo começa de verdade depois do “foram felizes para sempre”. Uma vez dentro da universidade, outros desafios aparecem para que se consiga permanecer nela. Além dessas dificuldades que enfrentam desde o ingresso na universidade, as e os jovens ainda se deparam com um choque de realidade cultural, social e econômica que, com o passar do tempo, vai permear a sua vida acadêmica. Os próprios professores fazem cobranças como se não conhecessem a realidade. Érica Belon, doutora em Administração de Negócio, mestre em Educação, especialista em Comportamento Humano, ouviu de seu professor, nos meados da década de 1990 na sua primeira graduação:

- Ah, querida! Você ainda não entendeu? Pobre não faz faculdade, pobre compra máquina de costura em vez de um computador! Faça isso! Não posso fazer nada por você!


Mas felizmente eu consegui me formar

Mas da minha formatura, não cheguei participar

Faltou dinheiro pra beca e também pro meu anel

Nem o diretor careca entregou o meu papel


Olhe na sua sala de faculdade, quantos negros há? Olhe para seus professores, quantos são negros? Olhe para seus colegas de trabalho, quantos são negros e quais cargos ocupam? 

E você, já tinha reparado nisso?


E depois de tantos anos

Só decepções, desenganos

Dizem que sou um burguês

Muito privilegiado

Mas burgueses são vocês

Eu não passo de um pobre-coitado

E quem quiser ser como eu

Vai ter é que penar um bocado


Assim termina o samba de Martinho da Vila. Estamos acostumados a cobrar e julgar a pessoa que alcançou algo como um privilegiado – como se nosso país fosse igualitário e justo e não houvesse classes sociais tão diferentes e, principalmente, não houvesse racismo.

Racismo se combate no dia a dia e na desconstrução. É no ouvir e no aceitar, observar e aprender. Os sinais do racismo aparecem não apenas nas limitações ao acesso de negras e negros às universidades, mas também quando o conhecimento produzido por eles é desconsiderado. Quantos pesquisadores e cientistas negros não se destacam por não terem visibilidade como os brancos?

A cultura do brasileiro, que pensa superficialmente, é baseada no eurocentrismo. A visão de mundo de que tudo o que vem da Europa, dos brancos – cultura, artes, línguas, religiões, política – é superior ao que tem origem nos povos da América, África, Ásia e Oceania. Os europeus em suas invasões subjugaram as demais culturas, mas o pior é o povo dominado acreditar que pertence a esse povo dominador e também virar as costas para a sua origem e identidade. E no momento presente chamam isso de patriotismo.


Referências: samba pequeno burguês Martinho da VILA/;  Ericabelon-escoladecarreiras/Unicamp/ almapreta/IBGE/IPEA

Para conhecer a história da música O pequeno burguês, de Martinho da Vila, acesse https://musicasbrasileiras.wordpress.com/2014/07/02/o-pequeno-burgues-martinho-da-vila/ 


XUXA, A RAINHA DO FASCISMO

 Por Sylvio da Costa Junior


Não poderia deixar de comentar uma situação ocorrida em meados de abril e que ronda a mente da direita fascista: o nosso famigerado sistema prisional. O Brasil conta, em números absolutos, com quase 800 mil presos, uma das maiores populações carcerárias do mundo, atrás apenas dos EUA (população de 350 milhões de habitantes) e da China (1 bilhão e 300 milhões de habitantes). A política de encarceramento remonta ao período do Brasil colônia e em nada de substancial foi alterada. As polícias, e em especial a militar, foram concebidas na esteira das Divisões Militares da Guarda Real de Polícia do Rio de Janeiro, e se constituíram em guardas pretorianas que usam a repressão para manter as populações mais pobres ‘calmas’, sem se rebelarem contra os sistemas social e econômico. A política de repressão se dá diariamente nas incursões policias nos bairros mais pobres e levou ao encarceramento de enormes contingentes populacionais formados majoritariamente por afro-brasileiros pobres. Somado a isso temos hoje no Brasil 40% de toda população carcerária em prisões provisórias, ou seja, sem julgamento e majoritariamente por crimes como o tráfico de pequenas quantidades de drogas (25%) e roubos (30%). O homicídio corresponde a apenas 11% do total, segundo os dados divulgados pelo Conselho Nacional de Justiça, o CNJ.


Mesmo com a 3ª maior população carcerária do mundo, a sensação e os indicadores de segurança em nada melhoraram, levando-nos a crer que estamos no caminho errado. Mas estranhamente a direita acredita que devemos ter mais leis repressivas e mais incursões policiais nas periferias, em uma crença absurda, descolada da realidade e de exemplos exitosos no mundo. Política de segurança se faz com combate à desigualdade social, nossa maior ferida aberta, com programas robustos de geração de emprego, aumento da renda, radicalização de políticas universais de educação, de saúde e de assistência social. 


Nesse cenário caótico e com parte da sociedade brasileira tendo uma mentalidade de senhor de escravos, as cadeias brasileiras exercem a função de fazer o preso ‘’pagar pelo seu crime’’ e não recupera o indivíduo. Assim, as cadeias passaram a ser locais de crueldade e de crimes mais cruéis que a maioria dos crimes cometidos por quem está por algum motivo preso. Nesse abandono, organizações como PCC, CV, dentre outras, passaram a gerir a vida cotidiana das cadeias com seus códigos e leis próprios. Não por acaso, diferente de cartéis colombianos, mexicanos, etc., os grupos ligados ao narcotráfico no Brasil surgiram de dentro das cadeias, característica ímpar, verdadeira jabuticaba, como organizações oriundas do interior do Estado e sob sua tutela. Surgiram basicamente porque esse grande contingente humano de encarcerados foi entregue à própria sorte.


Como exemplo do argumento sustentado quando analisada a população carcerária no Brasil, os indicadores de saúde apresentam números assustadores: 0,6% da população brasileira é portadora do vírus HIV; entre os presos a taxa de incidência é 60 vezes maior que na população geral; a tuberculose é de altíssima incidência dentro dos presídios e casas de custódia, assim como outras doenças, que vão de sarna à desnutrição.


Isto posto, em audiência pública de uma Comissão da Assembleia do Estado do Rio de Janeiro, a Alerj, que debatia cuidados com animais e pets em geral, a ex-apresentadora infantil Xuxa Meneguel fez uma proposta exótica referente aos cuidados com animais. Segundo Xuxa, como os cachorrinhos, gatinhos e outros pets estariam servindo de cobaias para a indústria de fármacos. Então propôs, para proteger os animais, que se usasse presos como cobaias humanas nesse setor da indústria. Ao longo da audiência na comissão ela diz: “O pessoal dos direitos humanos não vai gostar muito”. Por que será? Não precisa ser esquerdista para não gostar; basta estar de acordo com a Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU, de 1948, que afirma que “(...) ninguém será submetido à tortura, nem a tratamento ou castigo cruel, desumano ou degradante”, ainda mais sob a tutela do Estado. Assim, a declaração da Xuxa é pré 1948. Não satisfeita com a polêmica frase, ela acrescentou que “assim eles poderiam ser úteis para sociedade”. Recordo-me de um famoso médico com doutorado em antropologia e medicina, chamado José, que deve ter servido de inspiração para a ex-apresentadora. Certa vez, para continuar seus estudos antropológicos e pesquisas sobre a hereditariedade, ele usou prisioneiros para a experimentação humana. Os experimentos realizados por José, por exemplo, em gêmeos, abrangiam a amputação desnecessária de membros, a infecção intencional de um gêmeo com tifo ou outras doenças e transfusão de sangue de um gêmeo no outro. Esse jovem medico José ficou conhecido por seu nome em sua língua natal, o alemão Josef Mengele. Depois, com o fim do nazismo, regime do qual ele era um destacado entusiasta, seus experimentos científicos foram na realidade denunciados como um dos mais cruéis crimes praticados nas prisões nazistas.  


Em janeiro de 2001, em uma gravação de um programa da Xuxa, ocorreu um incêndio no qual 26 pessoas ficaram feridas, sete delas em estado grave. A menor T.G.V., de apenas 7 anos na época, sofreu as mais graves queimaduras (de 2º e 3º graus). Como as crianças estavam sob tutela dos organizadores do evento e com responsabilidades legais sobre sua guarda, não é difícil imaginar que o ocorrido poderia levar à cadeia os responsáveis. Nesse caso, se a ex-apresentadora infantil fosse responsabilizada judicialmente e consequentemente condenada, ela manteria seu posicionamento sobre utilização de presos para experimentos? Ou seria apenas para presos afro-brasileiros?


Xuxa Meneguel teve seu dia de Xuxa Menguele, a rainha dos fascistas.




OPERAÇÃO POLICIAL NO JACAREZINHO: Um ato de desafio à democracia

Por Edson Diniz



A ação da polícia civil do Rio de Janeiro, na favela do Jacarezinho, na zona norte da cidade, no dia 6 de maio, começou como um ato de desafio político e terminou como uma vingança, deixando um rastro de morte e terror. A entrada de 250 policiais na favela já poderia ser considerada uma afronta às determinações do Supremo Tribunal Federal, que havia proibido operações policiais nas favelas durante a Pandemia. Porém, com a morte de um dos policiais, logo no início das ações, o que já era grave, por ser tratar de uma desobediência à justiça, virou uma tragédia, pois os policiais partiram para uma vingança que resultou na morte de mais 27 pessoas.

Sob a justificativa de cumprir a lei e proteger crianças e adolescentes do aliciamento de traficantes, os policiais se sentiram no direito de invadir casas, matar e desafazer as cenas dos crimes, sem qualquer constrangimento. Logo após a ação, ainda no calor dos acontecimentos, os policiais responsáveis pela operação deram uma entrevista coletiva, na qual ficou evidente o recado ao STF. Um dos delegados chegou a falar em “ativismo do judiciário”, numa crítica explicita às decisões da justiça.

Na entrevista se reproduziu o belicismo da operação. Quando confrontados sobre as razões e a letalidade das ações, os policiais reagiram com truculência e suas falas se aproximaram do velho discurso do “bandido bom é bandido morto”. A justificativa para tantas mortes é que todos eram “traficantes” e “homicidas”, abatidos em confronto com os policiais. Porém, testemunhas dizem que, em muitos casos, as pessoas foram executadas depois de rendidas. É o que relata um morador que assistiu à execução de uma pessoa dentro de sua casa, ao lado da filha de 9 anos de idade. 

O mais grave é que o discurso da guerra – naturalizado pelas redes sociais, parcela da mídia, autoridades e pela própria polícia - recebe apoio de parte da população, pois esta, acuada, com medo e sem garantias de políticas sociais inclusivas e preventivas contra o crime, apoia as ações violentas das forças de segurança e sua promessa de solução imediata. Essa percepção se baseia na crença equivocada do uso da violência como caminho para a paz.

Assim, a questão mais importante, a partir do massacre do Jacarezinho, é que a polícia – com apoio do governador, do presidente e a omissão do Ministério Público – dá um passo a mais para se tornar independente de qualquer controle institucional. Foi a partir dessa ideia, por exemplo, que se chegou a propor o “excludente de ilicitude”, defendida por um ex-ministro da justiça, cujo objetivo era eximir de qualquer responsabilidade penal os policiais que matassem em serviço. 

Por trás do massacre do Jacarezinho está um projeto autoritário de país, sustentado por grupos políticos - incluindo aqueles associados à milícia – associados ao presidente da República que desprezam a democracia. Isso se reflete, por exemplo, no modelo de polícia – herdado da ditatura miliar -, em funcionamento no Rio de Janeiro, apoiado por uma elite econômica retrógrada e que deseja a manutenção de uma sociedade desigual, racista e patriarcal. 

O desprezo por parte das forças policiais pelas regras e pressupostos que regulam o Estado democrático de direito é uma séria ameaça ao país. Não é tolerável que a polícia utilize a morte de 28 pessoas como arma política contra as instituições republicanas, em especial o STF. O desafio acintoso foi escrito com sangue espalhado por casas e ruas da favela do Jacarezinho e terminou com a entrevista intimidatória dos policiais em rede nacional de TV. 

Diante desse quadro, é fundamental que as forças democráticas não permitam que massacres como o do Jacarezinho sejam naturalizados ou esquecidos. Sob nenhuma justificativa o que aconteceu no dia 6 de maio, numa comunidade onde moram 40 mil pessoas, pode ser admitido como normal. 

O futuro de nossa democracia depende da capacidade das instituições republicanas em dar respostas a esse gravíssimo atentado ao Estado democrático de direito. A Justiça não pode ser confundida com vingança, e a paz só se constrói com políticas públicas eficientes, com o combate às desigualdades e com uma política de segurança que preserve a vida. 

quinta-feira, 13 de maio de 2021

 

13 DE MAIO DE TODOS OS ANOS

Eduardo Alves 

 




No dia 13 de maio de 1888, a Princesa Dona Isabel, a filha de Dom Pedro II, assinou a reconhecida – e que já deveria ser muito conhecida – Lei Áurea. A tal lei, de número 3.353, ela existiu e existe, então assinada viria para “conceder” a liberdade para todas as pessoas escravas que existiam no Brasil (dizia-se na época que eram mais de 700 mil) e impedir que novas pessoas fossem escravizadas. Mas não é da lei que se molda a realidade, mas da vida e das condições para se viver. Como a vida e as condições para viver são dominadas por poucos que tomaram o comum (águas, terras e coisas feitas), há escravizações que acontecem todos os dias, mesmo depois do tal papel, chamado de lei, ser assinado. Ou seja, pode-se afirmar, sem medo de errar, que a escravidão não acabou e segue oprimindo com novas formas e desenhos. Por isso – também – não há o que comemorar no dia 13 de maio. Mas muito o que fazer há. 

 O modo de produção escravista foi superado pelo modo de produção capitalista, mas isso, em pensamentos e ações,não superou a escravidão. Tanto no peso das ideologias dominantes, quanto no peso estrutural da necessária venda da força de trabalho, as escravidões seguem firme em nosso país. E, quando se fala de escravidão, fala-se de pessoas que possuem suas vidas controladas e obstruídas para existirem como vida. Para além da falta total de liberdade para satisfazer materialmente e espiritualmente as existências dos corpos, a grande maioria de pessoas padece ainda mais nos dias de hoje com a genocida política que predomina durante a época da pandemia.  

 Mais do que gritar em todos os cantos e nas múltiplas dimensões, há muito o que se fazer. Muito há para que a venda da força do trabalho, necessária para viver e que escraviza e impõe ao corpo o significado de mercadoria, ao menos possa existir para todas as pessoas. A quantidade de pessoas atoladas no não viver do “exército industrial de reversa” amplia as condições em uma necrodesigualdade sem fim, que chega assustadoramente para um grande grupo sem casa, sem água, sem acesso a higiene, aos elementos de uma saúde básica e uma alimentação necessária. Já era um insulto para as pessoas que pensam quem são, de onde vêm, como vivem e como querem viver a situação em que ser explorado mantém a vida e sem acesso para exploração a vida não se mantém. Agora as desigualdades se ampliam para não haver multidão que consiga conquistar políticas do Estado, seja em que nível for, para equilibrar a progressiva e agressiva exploração. 

Nesse sentido, as pessoas seguem escravizadas e são impostas a perder o direito de viver e ter o tempo da existência diminuída. A necropolítica que predomina força uma escravidão cínica por meio da ideologia que chega a parecer, por meio das mais devastadoras ideologias mentirosas, que impossibilitam os conhecimentos giraram na vida de todas as pessoas. Há quem deslize em condições que não são suas e as consiga considerar como qualificadas assassinar 28 pessoas em uma ação policial criminosa e genocida, como ocorreu no Jacarezinho neste mês de maio de 2021. Necrodesigualdades que chegam no patamar de impor a morte matada para pessoas as quais a escravidão é imposta e no tempo em que seria a vida que deveria existir. 

 

Em todos os sentidos a escravidão predomina das mais variadas formas e são as pessoas empobrecidas, na grande maioria pretas, uma imensa maioria de gente que enfrenta grandes obstáculos. As mesmas pessoas que são pessoas que fazem existir com potência criativa de solidariedade favelas, bairros populares e toda a periferia existente. Mas também são as mesmas pessoas que mais sentem o peso do controle, da exploração, das imposições, das limitações impostas pelo Estado. As mesmas pessoas que sentem as mais duras marteladas para matarem seus corpos e exterminarem todas as frestas para o viver. Longe de falar de dignidade humana, pois, nesse cenário de escravização na multidão, na grande maioria de pessoas, nem o viver, mesmo sem dignidade e com muita exploração, é impedido. 

 Pois então, com nada para comemorar, podemos afirmar que há o que fazer. A superação deste quadro de terror e crueldade só será possível com grandes focos de organização. Organização para conquistar o acesso a todas as condições materiais para fazer a vida viver. Organização com potência para fazer com que o Estado seja para o Bem Viver e para criar frestas que possibilitem a dignidade humana. Organização para o acesso aos saberes e para organizar o saber segundo as necessidades e vontade necessária e desejada para a vida da grande maioria. Organização suficiente para o amanhar ser repleto de comemorações do fim da escravidão que precisamos conquistar unificados nos dias de hoje. Para fazer viver a inteligência coletiva nos mobiliza e nos amplia nos passos UBUNTU em favor da vida.  

 Assim sendo, que se diga e afirme para todas as pessoas na polifonia das múltiplas linguagens do entendimento: DIA 13 DE MAIO É PARA LUTAR, ORGANIZAR, AMPLIAR-SE EM POTÊNCIA E AÇÃO COLETIVA PARA CONQUISTAR A VIDA E A LIBERDADE.

segunda-feira, 3 de maio de 2021

As limitações do mercado para o jovem

 Escassa oferta de vagas, falta de experiência e pandemia afastam cada vez mais a juventude dos postos de trabalho

Por Ana Carolina Angelo

Jovens de 18 a 24 anos ocupam 29,4% da taxa de desempregados, segundo os dados do último trimestre de 2020 da PNAD Contínua, e enfrentam as desilusões do sistema econômico. Entrar no mercado de trabalho é uma tarefa árdua, em meio a uma crise sanitária com políticas públicas insatisfatórias, o peso se transforma em fardo, agravando a situação, além de reforçar o desamparo aos grupos minoritários.



Com critérios conflitantes, o mercado busca por uma persona específica, um jovem com certo nível de experiência profissional. Ocasionalmente, contudo, oferta a possibilidade de ingresso para aqueles que não possuem prática. Mesmo seguindo todas as recomendações para adquirir um emprego, com suas habilidades e formações descritas no currículo, a ausência de experiência limitou minha inserção no sistema trabalhista. Afinal, alguém só se torna elegível ao mercado de trabalho quando esse já é reconhecido pelo próprio.

Quando ocorre a integração da juventude nesse espaço surgem outros dilemas. Ao ocupar um cargo, a inexperiência prática ressoa novamente. Dessa vez, os contratantes se aproveitam da situação para designar funções extras, efetuar cobranças adicionais, estender jornadas, entre diversos outros casos. Contribuindo, inclusive, com a normalização de processos repetidos durante toda vida profissional. Isso resulta em desgastes emocionais que ressignificam as ambições de carreira do jovem.

No âmbito acadêmico, os estágios seguem esses padrões e também podem funcionar sem remuneração. Como alguns cursos impõem obrigatoriedade nessa atividade extracurricular para finalizar o ensino universitário, as empresas contratam o estudante ofertando carga horária e experiência. Inclusive remunerado, esse relacionamento não se configura vínculo empregatício, sendo amparado pelo Termo de Compromisso de Estágio (TCE) e excluindo a Consolidação das Leis de Trabalho (CLT). Frustrando os universitários, toda estrutura auxilia nas práticas insalubres mencionadas.

Acompanhada de estigmas, a trajetória da juventude no mercado de trabalho, frequentemente, é reduzida à imaturidade. Ocupar delimitações consideradas subalternadas não configura um problema, porém havendo ambições maiores, os “superiores” se prontificam a rotular qual o lugar designado ao jovem. Ao contrário do que afirmam, ser estagiário ultrapassa servir café, fazer cópias de documentos, escrever a ata, etc. Resumindo, somos vistos como “quebra-galho” da empresa.

Em meio à crise

Uma complicação recorrente durante a pandemia de Covid-19 é a redução de empregos disponíveis. Em um ritmo de desistência, os jovens recém-inseridos no mercado observam as oportunidades se esgotando, desestimulando-os a continuar à procura de uma vaga. Para piorar o contexto, o desemprego acompanha o abandono escolar. Por conta da escassez financeira, diversos estudantes são forçados a abdicar do ensino superior. Esse cenário ampara o pensamento de uma realidade desfavorável e contínua.

Na tentativa de contornar essa conjuntura empregatícia, a prevenção encontrada são os subempregos. Com o crescimento da demanda por delivery, os entregadores enfrentam 12 horas ou mais de serviço em troca de um salário mínimo. Em um relatório de 2019 da Aliança Bike, 75% deles possuem até 27 anos, ou seja, desamparados pelo judiciário trabalhista, vários jovens assumem horas consecutivas de serviço, vários deslocamentos de trajeto em uma bike ou a pé. E ainda há quem romantize a “flexibilidade” e “determinação” presente nessa circunstância precária.

Futuro promissor?

Desmotivada com as limitações profissionais, a juventude convive com as vulnerabilidades existentes no sistema econômico. Coabitando com esse caos sociopolítico intensificado pela doença do coronavírus, não conseguimos visualizar muito adiante, mas nada parece narrar um amanhã favorável. Estranhamente, podemos estar vivendo como nossos pais...

sábado, 1 de maio de 2021

A sucessão de erros do governo no combate à Covid

Por Sylvio Costa Junior


Políticas de saúde para combate à pandemia deveriam basear-se em estratégias intersetoriais articuladas com o conjunto da sociedade civil e envolvendo as três esferas de governo. Assim, caberia ao Ministério da Saúde o papel de ora arquiteto de um grande plano nacional ora de provedor de condições objetivas de combate, como insumos, compras internacionais, recursos humanos etc.  

Como diz o dito popular, “quando algo começa errado, tem grande chance de terminar errado” ou, como diria o Barão de Itararé, “de onde menos se espera, dali mesmo não sairá nada”. Temos de um lado um governo federal com ministros de Estado divididos em dois grupos específicos: os incapazes (Ernesto Araújo, Damares, Pazuello/Queiroga e Milton Ribeiro) e os capazes de quaisquer coisas (Ricardo Sales, Sergio Camargo e Paulo Guedes, por exemplo). Do outro lado, setores pedindo lockdown já.



Vamos analisar alguns pontos:

1 - O Brasil ainda não experimentou um verdadeiro lockdown, exceção feita a um ou outro município – como Araraquara/SP, administrado pelo competente prefeito Edinho, do PT (a imprensa coorporativa esconde a filiação do prefeito, mas nós aqui não!). Repetindo, do PT. A medida conhecida como lockdown foi realizada em alguns poucos países, como Inglaterra, partes da China (em particular em megacidades, como Wuhan –  que tem mais de 11 milhões de habitantes), Austrália e Nova Zelândia, entre outros. Lockdown é um forte fechamento do território com proibição expressa de circulação de pessoas. Isso ainda não ocorreu aqui.

2 - Lockdown é um remédio amargo, muito amargo, que é dado em conjunto com outas políticas sociais e econômicas. Não podemos falar para a classe trabalhadora em lockdown de forma unilateral: “Fique em casa trancado com um balde de álcool gel e espere a pandemia passar”. Lockdown envolve um robusto apoio financeiro aos segmentos mais fragilizados do nosso tecido social. Envolve custear parte da perda do pequeno comercio com financiamento e garantir segurança alimentar às populações mais frágeis. Resumindo: é uma ação cara que engloba outras tantas, somadas à vacinação em massa e em grande velocidade.    

3 - A classe trabalhadora espremida em ônibus, metrôs e trens das grandes cidades está entregue à própria sorte, vendo sua renda e emprego desaparecerem. O “Fique em casa” é factível para parte da classe média, mas isto é real para o grosso da população? O povo pode ficar em casa? Os governos direitistas e genocidas, como o do estado de São Paulo, optaram pela ação de menor custo. Primeiro foi o “Fique em casa”, agora é o “Use máscara”.  No entanto, o governo não transferiu renda para os mais pobres, não financiou o pequeno comerciante, não tem vacinação em massa. Não tem nada, apenas o “Fique em casa” e o “Use máscara””. Ou seja, gastaram muito pouco e colocaram nas costas da população a responsabilidade de combater a pandemia. O governo do Estado de São Paulo, chamado por algumas pessoas completamente desorientadas de “científico” e “amigo da ciência”, em plena crise sanitária suspendeu a gratuidade para idosos de 60 a 65 anos no transporte público. O ônibus continua rodando normalmente e lotado, mas a gratuidade para quem mais precisa acabou. Entenderam? O governo paulista reproduz a política do governo federal, mas de terno bem cortado e gumex no cabelo.

4 - Durante a crise, a indústria não parou, o transporte público. também não. Já os mais pobres eram empurrados para a covidário das estações da Luz ou da Sé, na capital paulista, ou ainda da Central do Brasil, no Rio de Janeiro.  Porém como a Covid19 é uma doença respiratória e de fácil transmissão, chegou no andar de cima de nossa desumana pirâmide social. Começaram as mortes por Covid entre famosos e endinheirados. Pra isso a direita científica, amiga da ciência, teve uma solução: fazer compras de vacinas pelo setor privado! Ou seja, ao invés de fortalecer uma vacinação com fila única pelo SUS, criaram uma outra porta de entrada, sem qualquer critério que não seja a renda. Para isso, os partidos tradicionais da burguesia (o PSDB de Dória/Eduardo Leite/Fernando Henrique e o DEM de Mandetta/ACM Neto) aprovaram, no início de abril, no Congresso essa loucura – justamente no momento em que a disponibilidade de vacinas no mundo é escassa. Quero dizer: como não há no momento quantidades grandes quantidades de imunizantes disponíveis no mundo, o setor privado não complementará a vacinação do SUS, mas vai concorrer com o SUS na compra de vacinas no mercado global de produção de insumos. No mundo real, as coisas são assim.

Por suas características de transmissão, a Covid-19 atingiu o mundo e em particular o Brasil, nas cidades mais industrializadas e com grandes contingentes populacionais. Diferente do ebola ou da malária, que acometem mais fortemente populações rurais e distantes dos grandes centros urbanos, o novo coronavírus tem maior prevalência em centros industriais das economias capitalistas. Foi assim na Itália, região de Bergamo/Milão como epicentro; na Espanha; em Madri e Barcelona; Inglaterra; EUA e Brasil.

Quero assim apontar que o governo Bolsonaro é responsável pela tragédia brasileira, mas não o único. A direita tradicional reproduz a mesma política genocida de saúde, mantem tudo aberto, não ajuda os mais frágeis, empurra a classe trabalhadora para morrer no transporte público e combate ao vírus com discurso o vazio do “Fique em casa”, do “Use máscara” ou, pior ainda: “se a doença está sem controle é porque o povo não se cuida”. 

O primeiro de maio, desigualdades e a luta das trabalhadoras e trabalhadores

Por Edson Diniz*

Em mais um primeiro de maio, talvez o mais difícil dos últimos anos, cabe nos perguntar novamente se essa data deve ser comemorada ou não. O que os trabalhadores do mundo, em especial as brasileiras e brasileiros, teriam para celebrar diante do que vivem hoje?


Para responder a essa pergunta é preciso, em primeiro lugar, olhar para as transformações pelas quais passou o mundo do trabalho nos últimos anos. Em seguida, precisamos discutir como tais transformações afetaram a vida daquelas e daqueles que verdadeiramente produzem a riqueza do país com seu trabalho diário.

Isso mesmo, são as trabalhadoras e trabalhadores que produzem as riquezas!  É preciso lembrarmos desse fato sobretudo no Dia do Trabalho, pois, apesar de produzirem toda a riqueza do país, as trabalhadoras e trabalhadoras não se apropriam dela. Pelo contrário, são aqueles que exploram o seu trabalho, os donos do capital, que acabam por concentrar em suas mãos a riqueza produzida. Tal fato só aumenta as desigualdades entre capital e trabalho e condena milhões de pessoas a uma vida de dificuldades.

Vejamos: durante a atual crise provocada pela pandemia da COVID-19, houve um aumento da riqueza acumulada pelos bilionários no mundo e no Brasil. Segundo pesquisa realizada pelo Banco Suíço UBS, o aumento da riqueza dos bilionários em 2020 ultrapassou os US$ 10 trilhões. E todo esse montante foi apropriado por apenas 2.189 pessoas,. Se levarmos em consideração que o mundo possui 7,8 bilhões de pessoas, podemos ver claramente o nível de concentração de renda que esses dados denunciam.

 Na outra ponta, a pobreza aumentou em todos os países de forma alarmante. Dados do Banco Mundial estimam que neste ano, chegaremos a 150 milhões de pessoas vivendo abaixo da linha da pobreza, ou seja, vivendo com menos de US$ 1,9 por dia,. Só no Brasil, temos 13 milhões de pessoas nessa situação. É só andar pelas ruas das cidades brasileiras para ver os efeitos concretos desse aumento das desigualdades. Na cidade do Rio de Janeiro, por exemplo, a cada dia aumenta o número de trabalhadoras e trabalhadores sem emprego obrigadas/os a morar nas ruas com suas famílias. O Censo da população em situação de rua realizado em 2020 pela prefeitura carioca, aponta um total de 7.272 pessoas em situação de rua, o que pode ter aumentado com o agravamento da pandemia1. A estimativa do IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) é, pGFeRa PNC sS, por exemplo, fala em pelo menos 222 mil pessoas em situação de rua no país. A maioria dessas pessoas  negra, pobre moradora de periferias e favelas e que, para sobreviver, passa a morar nas ruas do Centro e de bairros nobres para conseguir alguma forma de sustento. A fome, o desemprego e a falta de moradia, portanto, têm um corte racial.

Porém, esse quadro sombrio para as trabalhadoras e trabalhadores não se deve apenas à pandemia. Esta, agravada pela omissão e atitude irresponsável do governo federal, apenas escancarou as desigualdades e injustiças históricas contra aqueles que produzem a riqueza do país.

Na verdade, há um projeto de “modernização” em curso que, entre outras ações, atacou os direitos das trabalhadoras e trabalhadores e os substituiu pela insegurança e precariedade. Começando pelas “novas leis trabalhistas” que retiraram direitos históricos e que, somadas à “reforma da previdência”, deixaram a classe trabalhadora ainda mais desamparada.   

Esse projeto, defendido pelas elites econômicas como a salvação econômica do Brasil, obedece aos preceitos do neoliberalismo. Este, por sua vez, com sua lógica da concorrência de mercado transportada para todos os espaços da vida, recomenda a destruição do Estado de bem-estar social, a retirada de toda rede de proteção ao trabalho e o completo domínio do capital sobre o trabalho vivo. Nesse modelo de funcionamento social, econômico e cultural, o que vale é o lucro e as pessoas são apenas meios de se aumentar a acumulação de capital. 

Um dos resultados da política neoliberal é o processo de “uberização do trabalho”: As pessoas trabalham cada vez mais, recebem cada vez menos e não controlam mais suas vidas; tudo está a serviço do lucro das grandes empresas. E mesmo aqueles que trabalham a partir das demandas de um “app”, e que, portanto, têm em seu cotidiano a sensação de maior autonomia por não ter a figura de um “chefe”, se enganam. Essas trabalhadoras e trabalhadores são totalmente dependentes do poder de um aplicativo sobre o qual não têm qualquer controle. Essas pessoas não têm direitos trabalhistas, pois nem são reconhecidas como empregadas das companhias que estão por trás dos serviços que prestam, para onde vai o lucro principal. Tal situação só é possível porque temos no Brasil de hoje 14 milhões de desempregados e mais de 40% de nossa população no trabalho informal. 

Ainda temos os “terceirizados”, cujo trabalho é explorado ao extremo por organizações que prestam serviços a outras organizações que, por sua vez, cometem todo tipo de abusos contra as trabalhadoras e trabalhadores. Um caso recorrente é o das chamadas O.S. (Organizações Sociais) na área da saúde, no Rio de Janeiro, que oferecem salários baixíssimos, atrasam os pagamentos, e que, em muitos casos simplesmente desaparecem sem pagar seus empregados.

A saída oferecida pelo ideário neoliberal? Seja um empreendedor! Conceito que virou moda entre a classe média – outra vítima da crise – que realmente acredita que a solução dos problemas do mundo do trabalho passa apenas pelo “esforço individual”. Mas como imaginar alguém que vive com menos de R$ 10,00 por dia ter condições de virar um empreendedor? A solução para a precarização do trabalho, obviamente, não pode ser individual, mas sim coletiva. 

Diante desse quadro, e para não perdermos a esperança, precisamos manter e aprofundar a luta por direitos e trabalho digno. Para tanto, devemos fazer uma crítica à sociedade capitalista, reconstruir a união dos trabalhadores em torno de programas políticos de classe, e caminhar juntos a partir da ideia do “Comum”:. Ideia baseada no reconhecimento de que a humanidade só tem futuro se for capaz de superar as marcas do capitalismo e construir outra sociedade firmada na solidariedade, cooperação e humanização do trabalho

Por fim – e  embora isso não seja uma novidade, pois um velho pensador alemão já o dizia há mais de 170 anos – sempre é bom reafirmar: “trabalhadores de todo o mundo, uni-vos”! 1 3 4 5 6 DSEsSESPH FDH


Referências:

https://g1.globo.com/economia/noticia/2020/10/07/riqueza-dos-bilionarios-cresce-durante-a-pandemia-e-atinge-marca-recorde-de-us-102-trilhoes.ghtml   (Acessado em 27/04/21)

2 https://www.bbc.com/portuguese/internacional-54470607. (acessado em 27/04021)

https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/2020/12/31/censo-mostra-que-rio-tem-mais-de-7-mil-pessoas-em-situacao-de-rua.ghtml. (acessado em 27/04/21)

https://www.ipea.gov.br/portal/index.php?option=com_content&id=35811 (acessado em 27/04/21)

DARDOT, Pierre; LAVAL. Christian. Comum: ensaio sobre a revolução no século XXI. São Paulo: Boitempo,2017.

MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. O manifesto do Partido Comunista. Porto Alegre: L&P,2006.


Sobre o autor:

*Edson Diniz, 50 anos, morou na Favela da Maré por 40 anos, historiador, outor em ociologia da ducação pela PUC-Rio. Cofundador da Redes de Desenvolvimento da Maré, criador do Núcleo de Memória e Identidade dos Moradores da Maré (NUMIM). Desenvolve pesquisas nas áreas de sociologia da educação, segurança pública, história das favelas e direitos humanos.


Termos para Glossário: Capital, donos do capital, direitos históricos, Reforma da Previdência, Neoliberalismo, Estado de bem-estar social, domínio do Capital sobre o trabalho vivo, trabalho vivo, app, trabalho informal, terceirizados, ideário, sociedade capitalista

A Reforma Trabalhista é um crime cometido pelo neoliberalismo

Wadih Damous

A "Reforma Trabalhista", com as inúmeras alterações na legislação reguladora do trabalho e sua contratação subordinada, já está entre nós há tempos. A Lei 13.467/17, contendo mais de cem "novidades" nas regras celetistas, foi promulgada em julho de 2017 e passou a viger em 10 de novembro de 2017. E desde então, a redução, a supressão e a modificação de direitos promovidos agravaram, enormemente, a situação já precária da classe trabalhadora e de suas entidades representativas - o que se sobrelevou ainda mais com a pandemia da covid-19.


Propagandeada como a solução para os vários males que se abatiam sobre o país de então, notadamente como forma de combater a crise econômica e incrementar os níveis de empregabilidade, o certo é que as promessas não se cumpriram. Houve demonstrações evidentes de que, se o desemprego e a estagnação econômica já galopavam antes e durante os debates sobre as reformas, assim prosseguiram mesmo depois de aprovadas. 

A prevalência do negociado sobre o legislado, a possibilidade de rescisão contratual por mútuo consentimento, a negociação direta sobre as férias, a instituição de banco de horas por acordo individual, o trabalho intermitente, as obrigações processuais impostas ao reclamante, antes gratuitas - a liquidação prévia dos valores postulados e o pagamento de honorários, entre as mais preocupantes - em nada contribuíram para "modernizar" as relações de trabalho e, facilitada a dispensa pela individualização do relacionamento e consequente afastamento das entidades sindicais das pactuações - um capítulo à parte na malsinada Reforma -, somente deterioraram o quadro de desemprego. Isso deixou ao desamparo milhões de trabalhadoras e trabalhadores, corroendo as atividades econômicas do país. 

Atividades econômicas que, curiosamente e para pôr uma pá de cal nas mentiras que embalaram a Reforma, iam de vento em popa ao tempo em que as políticas públicas investiram no pleno emprego, sob os auspícios da antiga e eficaz CLT, desfigurada a partir de 2016.

Se a esquerda for vitoriosa nas eleições de 2022, deverá organizar e propor um referendo revogatório dessa e de outras “reformas” que só retiraram direitos, como a da Previdência.


*Advogado trabalhista. Foi presidente da OAB no Rio de Janeiro por dois mandatos, presidiu a Comissão da Verdade do Rio e a Comissão Nacional de Direitos Humanos do Conselho Federal da OAB. 

sexta-feira, 30 de abril de 2021

A HISTÓRIA DO 1° DE MAIO

Ernesto Germano Parés

 

O século XIX marcou a grande arrancada do Sistema Capitalista e o grau de exploração sobre os trabalhadores atingia uma violência inigualável. A “Revolução Industrial”, o surgimento das primeiras máquinas e o aparecimento das fábricas levavam milhões de seres humanos a uma situação de extrema submissão ao Capital.

 

Era comum o trabalho de crianças, mulheres grávidas e trabalhadores em jornadas que duravam até 18 horas diárias, sem interrupção!

 


Os primeiros movimentos pela redução da jornada de trabalho começaram na Inglaterra, ainda na década de 1820, e foram se espalhando pela Europa. Posteriormente chegaram aos EUA e Austrália.

 Em 1886, em Chicago, os operários estadunidenses, que já haviam acumulado experiência com várias mobilizações pela redução da jornada para 8 horas diárias, resolveram que estava na hora de começar as grandes ações. Em 1° de maio de 1886 teve início a Greve Geral que contou com a adesão de mais de um milhão de trabalhadores em todo o território estadunidense. Pensem nisto: um milhão de trabalhadores parados, em pleno século XIX!

Isso incomodou muito o sistema e os patrões resolveram usar todos os artifícios para impedir que a Greve se ampliasse ainda mais. A repressão, já no primeiro dia, foi violenta e não poupou ninguém. Centenas de trabalhadores foram espancados e presos, mas o movimento ganhava mais força. No dia dois, uma grande passeata tomou conta das ruas de Chicago e os trabalhadores carregavam cartazes e faixas reivindicando a jornada de 8 horas.

A polícia não dormiu. A repressão se tornou ainda mais violenta e, no dia quatro, quando estava marcada uma grande assembleia na Praça Hay Market, uma bomba explodiu no meio da multidão matando dezenas de trabalhadores e ferindo mais de 200 pessoas, inclusive alguns policiais. 

Oito líderes do movimento foram presos, acusados de terem provocado o tumulto, e julgados: Alberto Parson, tipógrafo (39 anos); August Spies, tipógrafo (32 anos); Adolf Fischer, tipógrafo (31 anos); George Engels, tipógrafo (51 anos); Ludwig Lingg, carpinteiro (23 anos); Michael Schwab, encadernador (34 anos); Samuel Fielden, operário têxtil (39 anos); e Oscar Neeb, funileiro (35). Os quatro primeiros foram condenados à morte e enforcados no dia 11 de novembro de 1887. Os demais foram condenados à prisão perpétua. Ludwig Lingg suicidou-se na cadeia.

A luta dos trabalhadores estadunidenses, no entanto, não parou aí. Centenas de outros movimentos ocorreram e, em 1890, o Congresso dos EUA votou a lei que estabelecia a jornada de 8 horas diárias.

Em 1893, a Justiça dos EUA reabriu o processo contra os oito operários e ficou comprovado que todas as provas apresentadas durante o julgamento haviam sido forjadas e que a bomba havia sido colocada pela própria polícia para incriminar os manifestantes. Foi reconhecida a inocência dos condenados e os três operários que ainda estavam na cadeia foram libertados.

Nos EUA, até hoje, não se comemora o 1° de Maio. Canadá, Austrália e EUA são os únicos países que não comemoram a data.

_________________________________________________________________

As comemorações do 1° de Maio 

Em 1889, reunidos em Londres, representantes de centenas de entidades de trabalhadores aprovaram uma resolução: que em todos os países, em todas as cidades, os trabalhadores lutassem pela redução da jornada de trabalho para 8 horas diárias e que se consagrasse o 1° de maio de cada ano a esta luta (em memória do ocorrido no 1° de maio de 1886, em Chicago). Veja como foram as comemorações no Brasil: 

1894 - Em Santos, no 1° de Maio, o Centro Socialista realiza palestra e debate. Alguns autores consideram a primeira comemoração da data, no Brasil.

1900 - Em 25/09 é fundado em São José do Rio Pardo (SP) o Clube Democrático Socialista Os Filhos do Trabalho. O manifesto do Clube para o 1° de maio de1901 foi escrito pelo socialista Euclides da Cunha que dizia ser necessária “a reabilitação do proletariado, pela exata distribuição da justiça, cuja fórmula suprema consiste em dar a cada um o que cada um merece, abolindo-se os privilégios quer de nascimento, quer de fortuna, quer da força.”

1906 - O 1° de maio foi comemorado em várias cidades. Em São Paulo, o Sindicato dos Gráficos uniu-se a outros sindicatos para realizar apresentações teatrais, em vários teatros da cidade. No Rio de Janeiro houve comemoração em praça pública. Em Santos houve comemoração, mesmo com uma violenta repressão enviada pelo governo (navios de guerra ancoraram no porto para intimidar). Em Campinas, surgiu o primeiro número do jornal A Voz Operária.

1907 - O 1° de maio foi comemorado em todas as grandes cidades brasileiras e marca o início da luta pela jornada de 8 horas em nosso país.

1909 - O número 10 do jornal A Voz do Trabalhador (1° de maio de 1909) publicava, pela primeira vez no Brasil, a letra do hino A Internacional, composto por Pierre Degeyter e Eugène Pottier, em 1871, e que já virara o hino das comemorações do 1° de maio na Europa (junto com a bandeira vermelha usada pelos operários de Paris).

1929 - Em 1° de Maio é criada a Confederação Geral dos Trabalhadores que, em março do ano seguinte, promove um Congresso de Agricultores e inicia a fundação de Sindicatos Rurais.

* É a partir dos primeiros anos da década de 40 que o governo passa a assumir as comemorações do 1° de maio e a transformar o dia de luta (pela jornada de 8 horas diárias de trabalho e de outras resistências para os trabalhadores) em festas com futebol de graça, shows com artistas e bailes para desviar o sentido das comemorações. O “Dia Internacional de Luta da Classe Trabalhadora” passou a ser usado para iludir o próprio trabalhador.

1968 – Já na ditadura militar, no 1º de maio, estudantes e trabalhadores se unem para organizar o Dia do Trabalhador. O governador de São Paulo, Abreu Sodré, alimentava o sonho de suceder Costa e Silva e resolve se promover, autorizando o ato e mandando construir um palanque. Ao chegar à praça com sua comitiva, é recebido com pedradas e palavras de ordem contra a ditadura, fugindo do local. Os manifestantes queimam o palanque oficial e saem em passeata pelas ruas da capital.

1981 - A bomba do Riocentro - A comemoração do 1° de maio, organizada pelo Centro Brasil Democrático (Cebrade), seria realizada no pavilhão do Riocentro. Cerca de 20.000 pessoas já se encontravam no local e aplaudiam um show da Elba Ramalho quando todo o local foi sacudido por uma explosão. No estacionamento do pavilhão, perto da casa de força do Riocentro, uma bomba explodiu dentro de um carro Puma com dois oficiais do exército. O caso até hoje não tem explicação, e os ministros militares anunciaram na época que os militares é que teriam sido alvos de um atentado.


Um 1° de Maio marcante Quando os metalúrgicos do ABC (São Paulo) entram em greve, em abril de 1980, o movimento já tinha algo de diferente, antes mesmo de começar. O adesivo que convocava para a Assembleia era claro: "Chegou a hora! Vamos matar nossa sede." Por seu lado, o governo anunciava sua determinação de reprimir e lembrava que o sindicato já sofrera intervenção em 1979. A assembleia do dia 30 de março, um domingo, votou pela greve. O movimento começou, e todos sabiam que seria longo e difícil. Um "Comitê de Solidariedade" foi criado e contava com setores da Igreja Católica, associações de moradores e setores da esquerda. No dia 17 de abril, às 18:30 h, o Ministro assina o decreto, determinando a intervenção no Sindicato e afastando a diretoria. No dia seguinte, helicópteros do exército sobrevoavam São Bernardo, enquanto tropas da Polícia Militar, com carros "brucutus" e policiais da temida ROTA (polícia do estado de São Paulo) cercavam o sindicato. Do outro lado, o movimento ia crescendo e conquistando todo o descontentamento popular contra o regime. A Associação Brasileira de Imprensa (ABI), a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), a Comissão de Justiça e Paz e centenas de outras entidades e organizações passaram a apoiar e mostrar adesão a uma greve iniciada pelos “peões” do ABC. O 1° de Maio foi comemorado em São Bernardo (eu estive lá) por lideranças de todo o país, mesmo com a sede do sindicato fechada e sob intervenção. A greve continuava!


Uma bomba no Memorial No dia 1° de maio de 1989, em Volta Redonda (Rio de Janeiro), os metalúrgicos da Companhia Siderúrgica Nacional - CSN - inauguraram o Memorial projetado por Oscar Niemeyer em homenagem aos três metalúrgicos assassinados pelo exército durante a Greve de Novembro (09/11/1988). A Central Única dos Trabalhadores (CUT) havia indicado a cidade de Volta Redonda como a sede da comemoração oficial do 1° de maio, e caravanas de trabalhadores chegavam dos estados próximos para a homenagem. A inauguração do memorial foi presenciada por cerca de 20 mil trabalhadores que lotaram a praça e as ruas próximas. Na madrugada seguinte, dia 02, por volta das três horas, Volta Redonda acordou com o barulho de uma explosão. Na praça, centenas de pessoas atraídas pelo barulho olhavam para o memorial tombado por duas bombas de alto poder explosivo!


Termos para Glossário: Sistema Capitalista, Revolução Industrial, Capital, socialista, proletariado, ditadura