quarta-feira, 15 de dezembro de 2021

Kakistocracia, Teoria da Estupidez e bolsonarismo

Por Marlucio Luna


A kakistocracia é definida como o país ou estado governado pelos piores, pelos menos qualificados e menos escrupulosos de seus cidadãos. A palavra deriva dos vocábulos gregos kakistoi (piores) e kratos (poder). Há dúvidas sobre quem formulou o conceito: alguns apontam o sociólogo inglês Frederick M. Lumley; outros o atribuem ao filósofo italiano Michelangelo Bovero. Independentemente de quem seja o “pai” do termo, o fato é que ele se aplica perfeitamente ao atual (des)governo brasileiro.

Desde a posse, em janeiro de 2019, Bolsonaro procurou se cercar dos piores e menos competentes quadros. Um juiz corrompido foi para o Ministério da Justiça; um diplomata alvo de chacota entre seus pares subiu ao mais alto posto do Itamaraty; o Ministério da Educação caiu nas mãos de um economista medíocre e portador de graves distúrbios no uso adequado da língua portuguesa; um defensor do desmatamento e da liberdade para exploração predatória (e ilegal) dos recursos naturais aboletou-se no comando da pasta do Meio Ambiente; um general incompetente (com perdão do pleonasmo) e sobre o qual pairam dúvidas acerca do republicanismo assumiu as rédeas do genocídio na pandemia de Covid. Isso também vale para áreas como Direitos Humanos, Cultura, Reforma Agrária e Infraestrutura, entre outras. Mas para coroar a ascensão dos ineptos ao poder, a economia nacional passou a ser pilotada por um ultra-hiper-mega-superneoliberal, mais reconhecido pela desastrosa carreira acadêmica e por ser um especialista na especulação financeira.

Os resultados dessa seleção de craques da kakistocracia podem ser vistos e sentidos nas ruas, nos supermercados, nos postos de combustíveis, nos hospitais, nas escolas e universidades públicas, na Amazônia, em toda a sociedade. O país entrou oficialmente em recessão no dia 2 de dezembro, quando o IBGE anunciou queda do PIB pelo terceiro trimestre consecutivo. A inflação acumulada nos últimos 12 meses já supera a casa dos 10% e o desemprego fechou o mês de novembro em 12,6%. A Amazônia registra sucessivos recordes de desmatamento. O Enem de 2021 teve 44% menos inscritos na comparação com o anterior, sendo que o número de candidatos pobres foi 77,4% menor. O desmonte do estado se mostra visível até para um cego. E, para quem não se impressiona com a frieza dos números, basta flanar pelas avenidas das grandes e médias cidades brasileiras. Terá a oportunidade de verificar de perto o aumento brutal do número de famílias vivendo sob marquises ou em praças.

Então, por que, diante do fracasso retumbante em todas as áreas, o (des)governo Bolsonaro ainda registra nas pesquisas de opinião a média robusta de 15% de avaliações como ótimo ou bom? A análise política, a História e a Sociologia fornecem alguns indícios que justificam o fenômeno. Entretanto, são insuficientes para explicá-lo de forma mais consistente. É aí que a Psicologia entra.

Orgulho da estupidez — O alemão Dietrich Bonhoeffer, um teólogo e membro da resistência antinazista, analisou as condições que propiciaram a ascensão de Hitler ao poder na década de 1930. Ao constatar a adesão incondicional da população alemã, incluindo a maioria das lideranças religiosas, às ideias no nacional socialismo, ele fez um alerta: “A estupidez é um inimigo pior que o mal. Diferente da estupidez, o mal tem as sementes da sua própria destruição”. Bonhoeffer acredita que, ao contrário do canalha e do mal-intencionado, o estúpido não peca pela falta de caráter ou por uma repentina perda da razão. Insere-se em uma categoria sociopsicológica, algo mais complexo — e muito mais perigoso.

O teólogo alemão recorre aos mecanismos de funcionamento do cérebro para explicar a estupidez. A mente humana atua de forma heurística, sempre buscando atalhos por meio de vieses cognitivos. A estupidez, então, se aproveita do fato de o homem ser um animal social e usa essa sociabilidade como base. Surge então o efeito rebanho. O estúpido orgulha-se de si mesmo, pois tem a chancela do grupo, de seus pares, da “sua maioria”.

A análise de Bonhoeffer sobre o período da consolidação do poder nazista e da escalada bélica alemã mostra como a estupidez funciona no sentido de tornar “naturais” ideias já ultrapassadas pela civilização. Qualquer semelhança com os tempos atuais na frágil democracia brasileira não será mera coincidência.

“Contra o estúpido não temos defesa. Nem os protestos nem a força podem afetá-lo. O raciocínio é inútil. Fatos que contradizem preconceitos pessoais podem simplesmente ser desacreditados — na verdade, ele pode contra-atacar criticando-os e, se forem inegáveis, podem simplesmente ser deixados de lado como exceções triviais. Portanto, o estúpido, diferentemente do canalha, está completamente satisfeito consigo mesmo. (...) Nunca mais tentaremos persuadir a pessoa estúpida com razões, pois isso é sem sentido e perigoso.”

Desta forma, quando o grupo age de forma estúpida, o indivíduo se sente empoderado e se orgulha de sua própria condição. Respostas simples para questões complexas lhe bastam. A repetição de slogans, clichês e chavões sem qualquer conexão com a verdade alimenta o comportamento do rebanho. No fundo, apenas reproduzem a escalada irracional de compromisso, conceito psicanalítico que aponta a persistência em uma decisão que já causou prejuízos à pessoa apenas por já ter investido muito nessa decisão.

O bolsonarismo se alimenta do comportamento de rebanho e, principalmente, da estupidez enraizada nos seguidores do incapaz inquilino do Palácio do Planalto. Eles interditam o debate e saúdam a kakistocracia em vigor como a “salvação” contra as ameaças de sempre: comunismo, destruição dos valores tradicionais — tais como pátria, família, cristianismo — o perigo do globalismo, entre outros despropósitos carentes de qualquer fundamento lógico.

Mais uma vez, Bonhoeffer traça o perfil do estúpido, o nazista raiz — figura hoje tida como caricata, porém extremamente semelhante àquele tio do churrasco da família ou àquele colega de trabalho que se informa apenas pelos grupos de WhatsApp.

“Em uma conversa com ele, quase se sente que não se trata de maneira alguma de uma pessoa, mas de slogans e coisas do gênero que se apoderaram dele. Ele está enfeitiçado, cego, maltratado e abusado em seu próprio ser. Tendo assim se tornado uma ferramenta irracional, a pessoa estúpida também será capaz de qualquer mal e ao mesmo tempo incapaz de ver que isso é mau.”

Fenômeno expandido — A kakistocracia bolsonarista é filha dileta do governo Trump. Representa cópia fidedigna do modelo gestado nas eleições de 2016 nos Estados Unidos — desde as estratégias torpes da campanha presidencial até a fixação pela escolha dos piores quadros. O discurso calcado na “pós-verdade”, um eufemismo para mentiras descaradas, também é um pastiche das ideias disseminadas por Donald Trump.

Bolsonaro colocou no mesmo patamar “verdade” e “mentira”. Fatos, dados estatísticos, evidências científicas, estudos, nada disso importa para esses 15% de fiéis seguidores, os estúpidos aos quais Bonhoeffer se referiu. O país chegou a um nível tão baixo que, comparando-se as equipes ministeriais, até o governo golpista de Michel Temer parece uma reunião de luminares.

O economista italiano Carlos Cipolla, em seu livro “As leis básicas da estupidez humana”, parte do pensamento de Bonhoeffer para diferenciar os “bandidos” (não no sentido estritamente criminal da palavra) dos estúpidos. No primeiro caso, os indivíduos desfrutam diretamente de vantagens materiais ou pessoais derivadas de ações indevidas. Estes são os beneficiários — e muitas vezes os líderes — do sistema kakistocrático. Já “estúpido” causa transtornos sem qualquer ganho para si, tendo apenas a satisfação de ostentar a estupidez e se sentir parte o rebanho. 

O “bandido” se utiliza de ferramentas como boatos, discursos de ódio, discriminação e assédio para atacar seus opositores. Já o estúpido as reproduz de forma automática, sem qualquer tipo de análise racional sobre a veracidade do que dissemina. O fato de isso gerar ganhos e vantagens a terceiros não importa para o membro do rebanho. Ele se compraz em buscar a anulação da opinião divergente, daquele que não se parece com ele ou o silenciamento de quem não compartilha a sua estupidez.

Este modelo de governo inepto e corrupto, baseado em ataques à democracia e no desprezo pelas mais elementares noções de respeito à dignidade humana, continua sendo “ótimo/bom” para um vasto contingente de eleitores. Buscar o debate com os zumbis bolsonaristas, além de ineficaz, pode estimular o recrudescimento da violência latente no rebanho. 

Bonhoeffer terminou seus dias no campo de concentração de Flossenbürg. Foi enforcado uma semana antes da libertação dos prisioneiros pelas tropas aliadas. Naquele momento, os alemães já tinham percebido o erro cometido. No entanto, “os 15%” de Hitler continuavam fiéis ao führer e ainda dispostos a seguir o rebanho, “a sua maioria”. Não será diferente com o gado bolsonarista. Mesmo com a provável derrota eleitoral, permanecerão defendendo empedernidamente a kakistocracia. Se necessário, recorrerão a qualquer expediente ilegal, ilícito ou imoral. Afinal de contas, apenas a “verdade” deles pode prevalecer.

O próximo ano, ao contrário das visões otimistas da parcela significativa das forças progressistas, será duro. Seria bom não esquecer do alerta que Dante colocou na entrada do inferno: “Abandone toda a esperança aquele que por aqui entrar”.

A urgência de uma reforma agrária ampla no Brasil

Por Mario Lucio Machado Melo Junior

Esse assunto é tão complexo e profundo, envolto em nebulosos preconceitos que, só ao falar as palavras “REFORMA” e “AGRÁRIA”, as pessoas viram a página ou ensurdecem,  certamente achando que já sabem tudo, pois sua formação ideológica já tem um rótulo para isso, levando a um ledo engano.

A proposta de reforma agrária, resumidamente, surgiu na Europa, no período de transição entre o feudalismo monárquico e o republicanismo burguês, da luta direta entre os senhores feudais e seus vassalos pela posse do meio de produção de alimentos, vulgarmente chamada de TERRA. Sabemos o resultado dessa disputa: os senhores feudais perderam seu domínio político, econômico e social e os governos republicanos da Europa, agora nas mãos da burguesia comercial e industrial promoveram, entre outras ações, a reforma agrária em seus territórios, que provocou uma revolução tecnológica, industrial, trazendo riqueza, conforto, saúde e educação, principalmente para as populações urbanas, mas indiretamente e em menor grau para as rurais.

Em muitas das colônias europeias, isso também ocorreu, como nos Estados Unidos da América, Austrália e Nova Zelândia, que promoveram a ocupação de seus territórios, buscando aumentar sua base de produção de alimentos, criando um mercado consumidor de produtos industrializados, obviamente alcançando um rápido processo de desenvolvimento econômico e social. No Brasil, como é fácil de observar, nem a ocupação do campo e a distribuição das terras ocorreu dessa forma. Hoje, a “burguesia” brasileira diz que reforma agrária é sinônimo de socialismo = comunismo, como se a propriedade individual da terra fosse uma coletivização da apropriação do meio de produção. Esses, precisam estudar melhor o que é o capitalismo. 

Já os “socialistas” afirmam que é um processo social revolucionário, como se no comunismo a propriedade das terras não fosse coletiva, do Estado, e só o trabalho individual. Esses precisam estudar melhor o que é o socialismo. Em resumo, esses argumentos, da maneira como são apresentados, revelam generalizações “ideologizadas” (no mundo do imaginário), totalmente desprovidos de fundamentação lógica real.

No Brasil

Aqui no Brasil a luta pela reforma agrária foi capitaneada pelos trabalhadores rurais superexplorados pelos latifundiários, organizados em seus sindicatos; pelos filhos de pequenos produtores rurais em seus minifúndios, principalmente no sul do país, procurando novas fronteiras agrícolas; pelas militância das pastorais de igrejas cristãs em todo o país, buscando uma solução idílica e utópica; e por pessoas pobres, miseráveis, excluídas de todas as oportunidades de acesso a qualquer meio de produção, fora da pirâmide econômica. Ponha-se no lugar dessas pessoas olhando para todos os latifúndios improdutivos do país e o mar de terras devolutas da União, sem nenhum uso produtivo e eles, habituados a produzir para outros, sem nenhuma oportunidade de entrar, pacificamente, nesse processo. 

Do outro lado está a elite agrária do país, formada por pessoas herdeiras de grandes latifúndios originários do processo de colonização e sustentáculos dos nobres escravocratas do império, bem como de novos grileiros de terras devolutas da União, visando à ocupação de vastas áreas com gado criado extensivamente ou à produção vegetal em larga escala, de produtos voltados para a exportação.

Está aí formada a equação matemática para: a) prosperidade, distribuição de riquezas, fortalecimento social da nação, dignidade cidadã, segurança alimentar; ou b) pobreza, exclusão econômica, concentração de renda, conflitos sangrentos, entre outros.

A reforma agrária é um fato concreto, deve fazer parte de um projeto político nacional para o seu desenvolvimento, deve ser uma decisão tomada conscientemente pela sociedade, com prazos, metas e propósitos definidos. Os resultados devem ser avaliados e as políticas públicas de investimento na infraestrutura e demais meios de apoio devem ocorrer simultaneamente, sem atrasos e descompassos. 

Os ideólogos podem disputar as mobilizações pró ou contra as propostas que acharem corretas e justas, aliás como sempre foi feito na história da humanidade, porém reduzir o destino de uma grande parcela da população brasileira a um cabo de guerra, num jogo de palavras desprovido de sentido fático, ultrapassa os limites do razoável, sensato e aceitável. Por tais motivos, estou absolutamente convencido da importância e urgência de uma reforma agrária para o rápido desenvolvimento econômico, social e político do país, o que certamente possibilitará um aumento de nossas consciências e experiências para alcançarmos formas e estágios de organização superiores, mais condizentes com nossa existência humana. 

Agricultura familiar

Muito bem, se o que já foi apresentado não é suficiente para você entender a importância da reforma agrária, aqui vai o último e mais importante argumento. A agricultura altamente tecnificada, mecanizada, consumidora de insumos importados controlados pelas multinacionais, voltada para a exportação bruta de comodities, que não são consumidas aqui no Brasil, promove riquezas para uma pequena elite que domina o poder político no congresso nacional com a famosa bancada ruralista. 

Já a agricultura familiar é alicerçada no trabalho familiar, com máquinas de pequeno porte, respeitando o meio ambiente, consumindo insumos produzidos em pequena escala de resíduos de outros processos produtivos e integrados da própria propriedade, empregando milhares de pessoas em suas cadeias produtivas e consumidoras. O mais importante é que gera mais de 70% de todos os alimentos consumidos na mesa da população, distribuindo renda e promovendo a segurança alimentar. Sabe o que é o dínamo alimentador da agricultura familiar? A Reforma Agrária!!!

Nos próximos artigos vamos discutir as formas de produção agrícola existentes e como elas impactam o meio ambiente e a saúde de toda a sociedade. Como promover a segurança alimentar da população e o acesso de todos, a preços justos.

A saúde e o meio ambiente

Por Sylvio da Costa Junior

A saúde como campo de pesquisa e trabalho dialoga com um conjunto de áreas que fogem do escopo strictu sensu da saúde, propriamente dita. A saúde quando olha apenas para si mesma se reduz ao campo da prática clinica, com suas condutas, protocolos e manejos assistenciais. Porém, não se faz saúde pública sem dialogar com o campo da educação, com o campo do meio ambiente, com o campo da economia e etc.

Como bem colocada em nossa Constituição Federal, no Artigo 196: “A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas SOCIAIS e ECONÔMICAS que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”. Ou seja, não se faz nem se produz saúde sem olharmos e dialogarmos com outras áreas distantes, em um primeiro olhar, com a prática clínica. 

Exemplos para isso não faltam, entre os quais podemos citar a mortalidade materna ou as cáries dentais. Na mortalidade materna, a variável que mais influi no aumento do indicador é o grau de escolaridade da mãe. Quanto menor a escolaridade da mãe, maior a mortalidade materna; assim como a cárie dentária, quanto menor o grau de escolaridade do indivíduo, maior a prevalência de cárie dental. Ou seja, duas variáveis fora do escopo da saúde com claros marcadores sobre não apenas a saúde da população, mas com desdobramentos sobre a organização dos serviços de saúde. 

Principais ameaças — Isto posto, estamos há varias décadas convivendo com epidemias causadas pela expansão da vida humana sobre o meio ambiente, que vai desde do aumento das grandes cidades até a alimentação de animais nem sempre próprios para o consumo humano. Como diria Monteiro Lobato no conto “Cidades Mortas”, o Brasil não é um pais de grandes animais, grandes mamíferos ou enormes predadores, como os países africanos ou nos campos gelados da Rússia, aqui nossas florestas têm como principais ameaças ao homem animais diminutos, pequenos, como mosquitos e fungos. Nossas grandes e exuberantes florestas quentes e úmidas são meios naturais e milenares de um enorme conjunto de arbovirus (vírus que naturalmente vivem em artrópodes ou mosquitos). 

A ampliação desordenada sobre a floresta provocou no inicio do século XX a famosa guerra da vacina, uma guerra contra a rápida expansão da febre amarela silvestre, principalmente na cidade do Rio de Janeiro. Passados mais de cem anos, hoje a febre amarela é uma doença endêmica na região Centro-Oeste e na Amazônia. O que dizer então da dengue? Mosquito da fauna silvestre que, quando contaminado pelo vírus da dengue, não só tem levado a população ao sofrimento, e até a morte, como desorganizado sistemas municipais de saúde em surtos quase sempre nos meses de março e abril. 

Há mais exemplos, como chikungunya e zika, vírus transmitido pelo mesmo mosquito da dengue. Hoje a região da Serra do Mar, que vai do litoral do Paraná até o Rio de Janeiro, pode ser considerada uma região endêmica dessas arbovirozes. Vieram para ficar.

Viemos há quase dois anos uma pandemia por Covid-19, que foi precedida por duas outras —Sars e Mers, com origens similares: o consumo e convívio com animais sem a devida avaliação sanitária, onde mais uma vez o meio ambiente, em seus animais silvestres e nativos, convivem de maneira nada harmoniosa com a espécie humana.

Qualquer um que tenha vivido os anos de 2020 e 2021 sabe o custo da sanha humana sobre o meio ambiente para os sistemas de saúde, para a economia e em vidas perdidas. A Covid-19 é uma doença que também veio para ficar. Doença respiratória, de fácil transmissão e adaptada nossa espécie. Mais uma de dezenas, porém nada nos aponta que será a última. 

Não vivemos no planeta Terra, somos o planeta Terra, assim como todas as formas de vida aqui existentes. Assim, não é sábio a expansão desenfreada sobre a natureza, quer pelo avanço criminoso sobre a florestas para criação de gado ou quer pela falta de planejamento sobre a vegetação nativa das grandes cidades, para citar dois exemplos bem brasileiros. Para citar um exemplo brasileiro mais atual ainda, é um péssimo caminho nosso atual presidente (infelizmente) incentivar o garimpo ilegal na região Amazônica, com destruição da floresta e despejo de metais pesados, como mercúrio, nos rios da região. 

Degradação ambiental — Reforçando essa tese, no 11º Congresso Brasileiro de Epidemiologia da Associação Brasileira de Saúde Coletiva Abrasco), realizado nos dias 18 e 19 de novembro, foi divulgado um documento intitulado “Carta dos Epidemiologistas à População Brasileira”, no qual são denunciados os riscos à sociedade brasileira e à sociedade global os crimes ao meio ambiente promovidos pelo governo protofascista brasileiro, e suas as consequências reais para saúde e para vida.

Não temos outra casa, não temos outro planeta e não temos saída, senão a convivência harmoniosa com todas as formas de vida aqui existentes. A saúde sozinha não dá conta de cuidar das pessoas adoecidas pela degradação ambiental provocada pelo homem. Indo mais além: ou revemos nosso modo de produção capitalista ou seremos mais um animal em vias de extinção. 

Nosso modo de produção capitalista, gerador de uma irracional poluição que atinge a todos, promotor de um claro esgotamento de nossos recursos naturais e, principalmente, pai da miséria e pobreza econômica da maioria da população do planeta, está nos levando ao penhasco, a todos, sem exceção, até mesmo aos pouquíssimos beneficiados pelo capitalismo global, hoje altamente financeirizado. Não há investimento em saúde que dê conta de cuidar dos doentes advindos da ganância do modo de capitalista, no qual a ética do individual se sobrepõe a ética do coletivo.

O homem pode ser extinto do planeta, mas a vida não. A vida é mais ampla e de infinitas possibilidades.

quarta-feira, 10 de novembro de 2021

Desmistificando a reforma agrária

 Por  Mario Lucio Machado Melo Junior

É impressionante a quantidade de mentiras, invenções, preconceitos, fábulas, interpretações desconexas e inverossímeis que me motivaram a escrever esse artigo para trazer o significado legal, político e social do processo de reforma agrária no Brasil, sem emitir juízo pessoal sobre o assunto, pelo menos nesse artigo.


Histórico

O governo de João Goulart, também conhecido como Jango, ocorreu entre 1961 e 1964, sendo marcado por forte ebulição política. Nesse governo, dentre as principais reivindicações populares estavam as “Reformas de Base”, entre elas as reformas agrária, educacional, eleitoral, tributária, bancária e urbana. Contudo, a que mais causou mobilização social para ser implementada foi a reforma agrária. A radicalização foi inevitável entre as Ligas Camponesas e os ruralistas do Congresso Nacional. 

Certamente a propaganda e a contrapropaganda dessa época criaram a falta de entendimento entre as pessoas, o que se estende até hoje. Mesmo assim, o propósito dessas propostas foi esmiuçado e amplamente debatido no meio da sociedade, até a queda do governo de João Goulart, o qual sofreu um golpe, sendo substituído pelo regime militar em 1964, gestão do marechal Castelo Branco — que promulgou a Lei Federal nº 4.504, de 30 de novembro de 1964, que dispõe sobre o Estatuto da Terra.


Constituição Federal

Hoje, a Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada em 5 de outubro de 1988, dedica o Capítulo III – Da política agrícola e fundiária da reforma agrária e define:

Que compete à União desapropriar por interesse social, para fins de reforma agrária, o imóvel rural que não esteja cumprindo sua função social, mediante prévia e justa indenização em títulos da dívida agrária, com preservação do valor real, resgatáveis no prazo de até vinte anos, a partir do segundo ano de sua emissão, e cuja utilização será definida na Lei nº 8.629, de 25 de fevereiro de 1993;

As benfeitorias úteis e necessárias serão indenizadas em dinheiro;

São isentas de impostos federais, estaduais e municipais as operações de transferência de imóveis desapropriados para fins de reforma agrária;

Não podem ser desapropriadas para fins de reforma agrária: a) a pequena e média propriedade rural, assim definida em lei, desde que seu proprietário não possua outra; b) a propriedade produtiva.

Os beneficiários da distribuição de imóveis rurais pela reforma agrária receberão títulos de domínio ou de concessão de uso, inegociáveis pelo prazo de dez anos, depois de emitidos.

A Lei nº 8.629, de 25 de fevereiro de 1993, regulamenta e disciplina disposições relativas à reforma agrária, previstas no Capítulo III, Título VII, da Constituição Federal de 1988. Resumidamente, a Constituição e essa Lei desmitificam as seguintes questões sobre a reforma agrária:


  1. Existem critérios bem definidos para a escolha de terras para fins da reforma agrária;

  2. A terra e as benfeitorias desapropriadas são pagas a preço de mercado;

  3. Os custos dessa desapropriação e outros feitos pela União são rateados entre os beneficiários que recebem títulos provisórios até a quitação desses investimentos;

  4. Se, por algum motivo, o beneficiário sai da área a que foi destinado, sem comunicar ao Incra, não poderá ser beneficiado em nenhuma outra área no Brasil e a pessoa que ficou em seu lugar é cadastrada no banco de candidatos, se tiver perfil para isso. O lote é reintegrado judicialmente ao Incra, por reintegração de posse, e destinado a outra família cadastrada, que assumirá os custos do assentamento.


Função social

Assim, fica bem claro que o dono de terras que não esteja cumprindo sua função social, ou seja, produzindo, não é prejudicado financeiramente. O imóvel não é tomado, ele é pago a preço de mercado. O beneficiário é selecionado, hoje, criteriosamente, pois suas informações pessoais são cruzadas com vários bancos de dados de instituições oficiais dos três poderes da República, em todo o território nacional. O lote da reforma agrária não é dado, tem um custo que é assumido pelo beneficiário. Se ele sair do assentamento original sem comunicar ao Incra, é automaticamente desqualificado do processo, não sendo mais possível ser beneficiário. 

O lote remanescente é imediatamente reintegrado, judicialmente ao Incra e destinado à outra família cadastrada e selecionada, não havendo forma legal de compra ou venda particular de terras destinadas ao processo de reforma agrária. Quem souber de alguma forma de ocorrência de irregularidade pode e deve acionar o Ministério Público, que certamente tomará as medidas legais cabíveis de correção.

Quando jovens, filhos de pequenos agricultores, resolvem se casar, constituindo suas próprias famílias e querem continuar na atividade produtiva agropecuária, procuram se estabelecer em terras, não encontram espaço para iniciar sua atividade, pois existe uma especulação do valor das terras, principalmente as que não cumprem sua função social. Isso se aplica também a trabalhadores rurais ou mesmo outras pessoas que aspiram entrar na pequena produção rural familiar. Sem a reforma agrária, mesmo essa imposta pelas elites agrárias, é impossível começar uma atividade produtiva, de megarrisco, imobilizando inicialmente um capital de alto valor em terras, ferramentas, equipamentos, insumos e máquinas, além do capital anual de custeio das safras. Isso gera uma profunda insatisfação de amplos setores da sociedade e insegurança política e social. Mesmo com essa reforma agrária legalizada e “aceita” pela bancada ruralista, ela anda em passos de tartaruga, quando anda, pois os sucessivos governos não viabilizam os instrumentos operacionais, institucionais e financeiros para realizá-la de forma ampla e massiva. 


Produtividade

Um número significativo de assentamentos — conquistados pelas entidades organizadas que representam os que lutam pela reforma agrária — se emanciparam com produção e produtividade espantosos. Existem cooperativas e associações produzindo alimentos saudáveis e outros insumos agrícolas, proporcionando rendimentos líquido muito superior ao capital especulativo das bolsas de valor a seus filiados ou outros pequenos agricultores familiares no entorno de suas regiões produtivas. 

Por que então existe tanta oposição da grande imprensa, da bancada ruralista do congresso, dos banqueiros, e de setores conservadores da sociedade ao processo de uma reforma agrária ampla no Brasil?

Nos próximos artigos apresentarei as razões pelas quais defendo uma ampla reforma agrária, os modelos produtivos realizados no Brasil e seus fundamentos tecnológicos e filosóficos. Falarei também sobre o sistema de comercialização e armazenamento globalizado e as políticas públicas reivindicadas pelos agricultores familiares, bem como sobre a necessidade de uma estratégia de segurança alimentar planejada nacionalmente.


Graduado pela UFRRJ em Engenharia Agronômica, modalidade fitotecnia, em 1981, durante a graduação foi monitor da disciplina de fertilidade dos solos e líder estudantil na agronomia. Fez pós-graduação em engenharia de irrigação e drenagem em 2002 na UFRRJ. É extensionista rural desde 1982 e foi requisitado para exercer funções públicas na Secretaria de Estado de Planejamento e Controle em duas gestões, Diretor Técnico e Presidente da empresa onde trabalha e, também foi Superintendente do Incra no Estado do Rio de Janeiro no período de 2004 a 2009.


terça-feira, 9 de novembro de 2021

Dignidade menstrual: uma urgência para o Brasil

 

Ilustração Carol Cospe fogo

Por Marília Arraes* 


Uma em cada quatro adolescentes brasileiras não tem um pacote de absorventes à mão quando a menstruação chega. Quase 20% não têm acesso à água em casa e mais de 200 mil estudam em escolas com banheiros sem condições de uso. Garantir a dignidade menstrual para meninas e mulheres brasileiras sempre foi uma das minhas preocupações. 

E foi por isso que desde que cheguei à Câmara Federal, em 2019, iniciei uma série de ações, pesquisas e articulações que culminaram com a uma proposta que nos levou a criação de um programa nacional que garante o acesso a produtos de higiene menstrual e ações de educação e divulgação de informações sobre a saúde menstrual.

Em 2019, apresentamos o primeiro projeto com foco no tema. Na ocasião, focamos na distribuição gratuita de absorventes para estudantes, em situação de vulnerabilidade, de escolas públicas de todo o país. Na sequência, outras dezenas de propostas se somaram à proposição inicial. 

No dia 14 de setembro deste ano, o projeto - que já havia sido aprovado na Câmara dos Deputados – foi votado e aprovado no Senado. Estava criado o Programa Nacional de Promoção e Proteção à Saúde Menstrual, uma iniciativa inédita, que tem como objetivo central garantir a saúde e a dignidade para milhares de meninas e mulheres.

Tabu e desinformação

O programa atenderá, inicialmente, estudantes de baixa renda matriculadas em escolas públicas; mulheres em situação de rua ou em situação de vulnerabilidade social extrema; presidiárias e apreendidas, recolhidas em unidades do sistema penal e pacientes internadas em unidades para cumprimento de medida socioeducativa.

A menstruação é um processo natural do ciclo reprodutivo feminino, começando na puberdade — em média, aos 13 anos — e encerrando por volta dos 50. Apesar de ser algo rotineiro, ocorrendo uma vez por mês (caso não haja fecundação), o assunto ainda é tabu para muitas pessoas, cercado de desinformação e falta de acesso a absorventes e outros itens de higiene.

O relatório Pobreza menstrual no Brasil: desigualdades e violações de direitos, publicado recentemente pelo Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA) e pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), evidencia a urgência em políticas públicas de saúde para zelar pela dignidade humana de meninas e mulheres que sofrem cotidianamente com a escassez de condições adequadas para o período menstrual.

Falta de acesso e infraestrutura

Pobreza menstrual é uma expressão utilizada para denominar a falta de acesso a produtos de higiene menstrual, de infraestrutura sanitária adequada em casa e na escola e de conhecimentos necessários para esse período do ciclo reprodutivo. As brasileiras que mais sofrem com essa situação são as que vivem em condições de pobreza e vulnerabilidade em ambientes rurais ou urbanos.

 O levantamento analisou dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de meninas entre 10 e 19 anos por meio da Pesquisa Nacional de Saúde (PNS 2013), da Pesquisa Nacional de Saúde Escolar (PeNSE 2015) e da Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF 2017-2018), totalizando 15,5 milhões de brasileiras.

 Em se tratando dos domicílios, cerca de 713 mil meninas vivem sem acesso a banheiros, 900 mil não têm acesso a água canalizada e 6,5 milhões não possuem redes de esgoto em casa. Quando o assunto é infraestrutura escolar, 321 mil alunas estudam em estabelecimentos que não possuem banheiros em condições de uso. Mais de 4 milhões de meninas não possuem à sua disposição algum requisito mínimo de higiene, como papel, água ou sabão.

Problemas de saúde e evasão escolar

Quase 50% das garotas analisadas enfrentam, ainda, algum grau de insegurança alimentar. Cerca de 1 milhão delas vivem em situação de precariedade alimentar grave. Nesses casos, as famílias priorizam o consumo de alimentos em detrimento dos gastos com absorventes e outros produtos de higiene menstrual.

 Quando não há o acesso adequado a esses produtos, muitas mulheres improvisam permanecendo com o mesmo absorvente por muitas horas ou utilizando pedaços de pano, roupas velhas, jornal e até miolo de pão, resultando em problemas que variam desde alergia e candidíase até a síndrome do choque tóxico potencialmente fatal. A saúde emocional também é outro problema sério, ocasionando um aumento de evasão escolar.

 A pobreza menstrual é uma triste constatação de negligência por parte das autoridades para garantia mínima da dignidade feminina. É urgente investimentos em infraestrutura e acesso aos produtos de menstrual. Os absorventes poderiam ser disponibilizados em postos de saúde, por exemplo, assim como já é feito com preservativos e medicamentos — e a taxação de impostos poderia ser reduzida para baratear esses produtos. O saneamento básico em escolas deveria ser uma obrigação, assim como nos lares brasileiros. 

Os dados apresentados demonstram a necessidade prioritária de políticas públicas para reverter o problema e é isso que estamos fazendo e continuaremos a fazer!



*Marília Arraes é deputada federal (PT-PE) em primeiro mandato e a única mulher da bancada pernambucana na Câmara.  Antes foi por três vezes vereadora do Recife, onde iniciou sua atuação política no movimento estudantil e de juventude. É advogada formada pela Universidade Federal de Pernambuco e neta do ex-governador Miguel Arraes. 

*Carol Andrade é conhecida como Carol Cospe Fogo, trabalhou em agências de publicidade como diretora de arte e ilustradora. Cartunista e chargista. É a primeira mulher a receber o prêmio Angelo Agostini como melhor cartunista/caricaturista do Brasil em 2019. Colaboradora do coletivo Pavio Curto

Por que devemos nos envolver com as mudanças climáticas e ficar de olho na realização da COP 26?



1ª parte

Por Angelo José Rodrigues Lima*

Ilustração Carol Cospe Fogo


Para iniciar a conversa, O que são mudanças climáticas? 

A conversa sobre mudanças climáticas se inicia quando o matemático francês Jean Baptiste Joseph Fourier (1768-1830) foi o primeiro a considerar a atmosfera da Terra uma grande estufa, o que criava um ambiente favorável à vida de plantas e animais. Ele afirmou que os gases atmosféricos absorvem energia (calor), elevando a temperatura da superfície da Terra.

O efeito estufa é um fenômeno natural que faz com que a temperatura da superfície da Terra seja favorável à existência de vida no planeta. Se ele não existisse, a temperatura média da superfície da Terra seria -18°C, ao invés dos 15°C que temos hoje, ou seja, 33°C menor.

Para entender o efeito estufa, pense em um ônibus parado sob a luz do sol. Os raios chegam como radiação solar visível, passam pelos vidros e aquecem o interior (calor). Esse calor (radiação infravermelha) procura sair pelos vidros, mas tem dificuldade de passar por eles. Ou seja, uma parte fica presa dentro do ônibus, aquecendo-o.

O mesmo ocorre com a atmosfera da Terra. Alguns gases, como vapor d’água e gás carbônico (CO2), funcionam como o vidro do ônibus, deixando entrar a radiação ultravioleta, mas dificultando o retorno do calor para o espaço.

Quando aumenta a concentração de gases na atmosfera (por exemplo, do gás carbônico), o efeito estufa fica mais intenso e, portanto, fica mais difícil o calor ir para o espaço. Essa diferença causa o aquecimento da baixa atmosfera, elevando a temperatura média da Terra e causando mudanças climáticas, que são alterações significativas do clima que estão acontecendo em todo o planeta que se relaciona com o aquecimento global.

O aquecimento global é o aumento da temperatura média dos oceanos e da camada de ar próxima à superfície da Terra, que pode ser consequência de causas naturais e atividades humanas. Isto se deve principalmente ao aumento das emissões de gases na atmosfera.

Mas o aquecimento da terra não seria apenas parte de um ciclo, algo natural? 

Sim, é verdade que a terra já passou por vários ciclos de temperaturas. Porém o aquecimento que está acontecendo agora é inédito. Tanto as temperaturas estão ficando altas, quanto a velocidade das mudanças da temperatura.


Tela de computador com texto preto sobre fundo branco

Descrição gerada automaticamente

Interface gráfica do usuário

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Figura 1: Dados da mudança de temperatura média no planeta desde 1880 até 2019.


Qual a leitura da figura? 

A temperatura média da Terra foi totalmente alterada. Em 2019, já se dizia que haveria 70% de chance de 2020 ser o ano mais quente de todos os tempos. E isto foi confirmado em 2020.

Mas o que é COP? Qual o significado desta sigla? Qual a importância das COPs?

A história da abordagem se inicia principalmente com a realização de conferências que trataram de discutir sobre acordos internacionais para enfrentar as mudanças climáticas.

A primeira reunião que apresentou em suas negociações rodadas específicas sobre
as alterações climáticas aconteceu em 1992 durante a Conferência das Nações Unidas
sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento no Rio de Janeiro (ECO-92), da qual resultou o
texto da Convenção do Clima, assinado e ratificado por 175 países, reconhecendo a
necessidade de um esforço global para o enfrentamento das questões climáticas. Com a entrada em vigor da referida Convenção, os representantes dos diferentes países passaram a se reunir anualmente para discutir a sua implementação, estas reuniões são chamadas de Conferências das Partes (COPs.)

Conferência das Partes (COP – Conference of the Parties) é o órgão supremo da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, adotada em 1992. É uma associação de todos os países membros (ou “Partes”) signatários da Convenção, que, após sua ratificação em 1994, passaram a se reunir anualmente a partir de 1995, por um período de duas semanas, para avaliar a situação das mudanças climáticas no planeta e propor mecanismos a fim de garantir a efetividade da Convenção.

Portanto, já foram realizadas 25 Conferências das Partes (COPs) e agora em 2021 acontecerá a 26ª Conferência das Partes, que será realizada em Glasgow, na Escócia.

Como parte do preparativo destas Conferências, o IPCC prepara relatórios para discussão entre seus membros, mas o que é o IPCC?

Criado em 1988 pela Organização Mundial de Meteorologia (WMO) e pelo Programa de Meio Ambiente das Nações Unidas (UNEP), o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) é um órgão científico sob os cuidados das Nações Unidas (ONU). Ele não busca conduzir pesquisas ou coletar dados, mas analisar as informações científicas, técnicas e socioeconômicas mundiais, para compreender as mudanças climáticas, divulgando de tempos em tempos um relatório sobre o tema.

estrutura do IPCC é dividida em cinco partes. Enquanto as principais decisões são tomadas por uma assembleia de representantes dos governos, as revisões e relatórios do IPCC são efetuados por três grupos de trabalho. O “Grupo de Trabalho I” é responsável pela “base física e científica da mudança do clima”; o “Grupo de Trabalho II” se ocupa do “impacto da mudança de clima, adaptação e vulnerabilidade”; e o “Grupo de Trabalho III” analisa a “mitigação das mudanças climáticas”. Além desses três grupos, há ainda a “Força Tarefa de Inventários Nacionais de Gases de Efeito Estufa”, que desenvolve e define uma metodologia para calcular e reportar a emissão dos gases de efeito estufa.

Como o IPCC colabora com as Conferências entre as Partes?

Por meio de suas avaliações, o IPCC determina o estado do conhecimento sobre a mudança do clima, identifica onde há consenso na comunidade científica, e em que áreas mais pesquisas são necessárias. Os relatórios resultantes da avaliação do IPCC devem ser neutros, relevantes para a política, e não devem ser prescritivos. Além disso, as avaliações constituem insumos fundamentais para as negociações internacionais que visam ao enfrentamento da mudança do clima.

Os Relatórios de Avaliação do IPCC consistem nas contribuições de três Grupos de Trabalho e em um Relatório de Síntese que integra essas contribuições e quaisquer relatórios especiais preparados durante o mesmo ciclo de avaliação. Os Relatórios Especiais do IPCC tratam de questões específicas acordadas entre os países membros, e os Relatórios de Metodologia fornecem diretrizes práticas para a preparação de inventários de gases de efeito estufa. O IPCC já produziu pelo menos seis grandes relatórios.

Em seu mais recente relatório, publicado há dois meses, o IPCC, indicou que, no atual ritmo, em no máximo duas décadas será atingido o patamar de 1,5ºC de aquecimento.

E é neste contexto que os líderes mundiais voltam a se reunir a partir de 31 de outubro em Glasgow, na Escócia, para a 26ª Conferência sobre Mudanças Climáticas da ONU (COP-26), onde discutirão o fato de que o Planeta está em um ponto crítico em relação às mudanças climáticas, que estamos muito atrás do cumprimento do Acordo de Paris e em um caminho que pode ser catastrófico se ações drásticas não forem tomadas para parar com o aquecimento global.

Nesta primeira parte do artigo, tentamos mostrar como é o funcionamento da COP e o que gira em torno dela. Na segunda parte do artigo, na próxima edição do Pavio Curto, falaremos dos efeitos das mudanças climáticas e como isso vem ampliando os desafios para garantirmos qualidade de vida para toda a população do mundo.

* Doutor em Geografia em Análise Ambiental e Dinâmica Territorial (UNICAMP/2018), Mestre em Ciências de Planejamento Energético, área de concentração em Planejamento Ambiental (COPPE/UFRJ/2000); Especialista em Instrumentos Jurídicos, Econômicos e Institucionais para o Gerenciamento de Recursos Hídricos (UFPB/2000) e Biólogo (UFRRJ/1988). Atualmente ocupa o cargo de Secretário Executivo do Observatório da Governança das Águas.

* Carol Andrade é conhecida como Carol Cospe Fogo, trabalhou em agências de publicidade como diretora de arte e ilustradora. Chargista e cartunista, é a primeira mulher a receber o prêmio Angelo Agostini como melhor cartunista/caricaturista do Brasil em 2019.Colaboradora do coletivo Pavio Curto

Milton Santos - Intelectual da Periferia, Pensador do Mundo


 Ilustração Cacinho 

Por Jorge Luiz Barbosa*

Milton Santos nasceu no interior da Bahia, em Brotas de Macaúbas, em 3 de maio de 1926. Educado pelos pais, professores do ensino básico, Milton Santos segue para Salvador ainda muito moço para completar seus estudos em um ginásio-internato. Ali, já começou a lecionar, aos 15 anos de idade, para os alunos mais novos. 

Seu interesse dedicado à geografia, à filosofia e à história já começaria a formar sua cultura científica, social e humanística.  Formou-se em Direito, em 1948, na UFBA, formação/ profissão praticamente exclusiva para famílias brancas, abastadas e de mando na sociedade baiana e brasileira. 

O advogado estava apenas no diploma. O caminho seguido era mesmo o de professor de geografia, consolidado em 1958, com a sua Tese de Doutorado O Centro da Cidade de Salvador, defendida na Universidade de Estrasburgo (França).  Sua habilidade para ensinar foi sempre acompanhada da qualidade de sua escrita. Daí ter combinado o exercício de redator do jornal A Tarde com o de docente de geografia humana da Universidade Católica de Salvador e da Universidade Federal Bahia, até ser preso e exilado com o Golpe Civil-Militar em 1964. 

Crítica ao capitalismo

O exílio, com seus sofrimentos de solidão e de imposição de ausências, fez Milton Santos viver em desassossego. Morar em cidades diferentes (Paris, Bordeaux Toulouse, Nova York, Toronto, Lima, Dar-es-Salaam, Caracas) para ensinar em universidades diferentes, vivendo situações instáveis de trabalho, acabaram por forjar o intelectual e cidadão cada vez mais atento, ousado e profundamente crítico às condições sociais vividas em geografia plurais. 

Seus livros As cidades do Terceiro Mundo e o Espaço Dividido: os dois circuitos da economia nos países dos subdesenvolvidos — publicados em 1971 e 1975, respectivamente, em francês e inglês, originados no nomadismo — são demonstrativos da consolidação de um intelectual que afina a leitura do Brasil e da América Latina para entender o mundo.  

Sua construção intelectual defendia um território de fala e de escuta do conhecimento tão bem expressa na obra ético-política O Trabalho do Geógrafo nos Países do Terceiro Mundo. Intelectual do mundo fazendo da periferia a centralidade da crítica ao capitalismo. 

Milton Santos retorna ao Brasil no fim dos anos de 1970 (inclusive para que seu filho Rafael nascesse baiano). Volta a lecionar nas universidades brasileiras (UFRJ, USP e UFBA, onde recupera sua cátedra interrompida), trazendo uma bagagem de livros e artigos publicados em diversos idiomas. Todavia, seu olhar para mundo e para Brasil torna-se cada vez mais apurado, sensível e inventivo. 

Globalização

Milton Santos revoluciona a geografia brasileira com o seu livro Por uma Geografia Nova (1978) e daqui atiça reflexões originais para a geografia mundial (recebeu, em 1994, o Prêmio Internacional de Geografia Vautrin Lud; além dos títulos de doutor honoris causa em mais de 20 universidades pelo mundo ao longo de sua carreira). Seus estudos, pesquisas e ensaios se multiplicam em livros, artigos (inclusive em jornais) e conferências. 

Seu empenho em compreender as relações sociais, os meios técnicos e a produção do espaço geográfico revelam-se em seus mais recentes trabalhos Técnica, espaço, tempo: globalização e meio técnico-científico informacional (1994), Da totalidade ao lugar (1996), Metamorfose do espaço habitado (1997), que desembocam na sua obra maior: A Natureza do Espaço (1996), no qual buscou “a criação de uma teoria geral do espaço humano como uma contribuição da geografia à reconstrução da teoria social“.

Em 2000, publica Por uma outra globalização, do pensamento único à consciência universal. Pensador da Periferia colocando o mundo sob a crítica à globalização: “o estágio atual da globalização está produzindo mais desigualdades (...) crescem o desemprego, a pobreza, a fome a insegurança do cotidiano, num mundo que se fragmenta e onde se ampliam as fraturas sociais”.

Herança escravocrata

O debate ardorosamente crítico da globalização não deixa em segundo plano as profundas contradições da cidadania mutilada em nosso país: “O modelo cívico brasileiro é herdado da escravidão, tanto o modelo cívico cultural como o modelo cívico político. A escravidão marcou o território, marcou os espíritos e marca até hoje as relações sociais. “

  A coragem crítica esteve sempre envolvida com a criação de sínteses para desvelamento da sociedade e seu espaço produzido. São referenciais importantes os conceitos de formação socioespacial, território usado, espaço como sistema de objetos e ações, meio técnico científico-informacional que se envolvem decisivamente com as questões relativas à cidadania, ao direito e à justiça em seus escritos publicados e falas públicas.  E assim alimentava sua convocação às utopias: “O mundo é formado não apenas pelo que já existe, mas pelo que pode efetivamente existir. “

A crença nas possibilidades da mudança estava depositada nos lentos, justamente homens e mulheres que viviam seus territórios comuns, suas esperanças compartilhadas, suas lutas cotidianas por direitos.  Favelas e periferias ganhavam o centro do debate do legado intelectual, ético e político de Milton Santos. 

 

“Ser negro no Brasil é, com frequência, ser objeto de um olhar enviesado.”

“O poder da geografia é dado pela sua capacidade de entender a realidade em que vivemos.”

“A força da alienação vem dessa fragilidade dos indivíduos, quando apenas conseguem identificar o que os separa e não o que os une.”

Milton Santos

 

* Professor Titular de Geografia da UFF/RJ; fundador do Observatório de Favelas e do Instituto Maria e João Aleixo

* Cacinho é formado pela Faculdade de Cinema e TV da Universidade Salgado de Oliveira – UNIVERSO/ Juiz de Fora, em 2006, foi responsável pelo Núcleo de Animação da Groia Filmes, até o ano seguinte, quando abriu sua própria produtora, a AGente QUE FEZ – ANIMAÇÕES, também em Juiz de Fora/MG, tem mais de 20 curtas metragens e muitos prêmios em festivais de cinema e animação. Ministra oficinas e cursos de animação em escolas, universidades, clubes e festivais de cinema e vídeo. Foi chargista do jornal impresso TRIBUNA DE MINAS, durante o ano de 2018. Em 2019, funda em sociedade com o chargista André Ribeiro a revista digital DUAS BANDAS E UM CUJUNTINHO, que é uma homenagem a extinta revista BUNDAS do Ziraldo e em 2020 junto com o Coletivo PAVIO CURTO do qual é coordenador, iniciou os trabalhos de charges, caricaturas, ilustrações e animações para a revista digital de mesmo nome.