sexta-feira, 18 de março de 2022

Porrajmos, o holocausto cigano esquecido

Por Marlucio Luna


Conhecido pela maioria das pessoas, o termo “Holocausto” sintetiza de forma inequívoca os efeitos da política de extermínio dos judeus implementada pelos nazistas durante a Segunda Guerra Mundial. Mas quantos sabem o significado da palavra romani “Porrajmos”? Em tradução literal da língua falada pelos ciganos, ela quer dizer devorar, mas também passou a designar o processo de eliminação física da etnia pelas tropas de Hitler e de seus aliados — um holocausto pouco divulgado que assassinou meio milhão de ciganos dos grupos Rom, Sinti, Lalleri, Lovari, Kalderash e Manouches.

Enquanto a perseguição aos judeus virou fonte de inspiração para jornalistas, escritores e cineastas, o Porrajmos praticamente foi apagado da História. Mesmo sendo vítima do mesmo roteiro das atrocidades cometidas pelos nazistas — prisões arbitrárias, deportação para campos de extermínio e de concentração, trabalhos forçados, esterilização compulsória, tortura, fuzilamentos e execuções nas câmaras de gás —, o povo cigano precisou esperar 25 anos até que pudesse começar a contar os horrores sofridos durante a Segunda Guerra Mundial.



Histórico de perseguições — Cristalizou-se no imaginário popular a figura do cigano como alguém sempre envolvido em trapaças, roubos, violência e práticas de magia negra. Tal visão serviu de combustível para fomentar o preconceito na Europa desde a Idade Média. No século XII, o imperador alemão Karl IV decretou o extermínio de todos os homens ciganos em idade adulta. Já as mulheres e as crianças deveriam ter as orelhas cortadas, como forma de punição e de identificação de sua origem.

Na Espanha, durante o período da Inquisição, as ciganas eram alvos constantes de acusações de prática de bruxaria. A tradição milenar da quiromancia, a leitura das mãos, serviu como base para a abertura de diversos processos no Tribunal do Santo Ofício. Na visão dos seguidores de Torquemada, essa era uma prova inequívoca de “pacto com o demônio”. Também houve casos em que homens e mulheres ciganos receberam penas duríssimas pelo suposto uso da sensualidade para enfeitiçar os católicos.

No fim do século XIX, o governo alemão criou a Nachrinchtendienst in Bezug auf die Zigeuner (Central para Combate à Moléstia Cigana). A agência de informação tinha como objetivo registrar, controlar e manter sob severa vigilância os ciganos que viviam no país. A preocupação das autoridades se baseava no “comportamento altamente perigoso” desse grupo étnico. Uma das principais diretrizes da Central estabelecia a proibição de interação social entre ciganos e o resto da população.

A perseguição aos ciganos se intensificou na Alemanha com a chegada de Hitler ao poder, em janeiro de 1933. Vistos como “seres inferiores”, “antissociais”, “incompatíveis com a vida em sociedade” e “ameaça à pureza ariana”, os roma (plural de rom), os sintis, os kalderash, os lovaris, os lalleris e os manouches começaram a ser caçados pela polícia alemã e pelas SA, as milícias paramilitares do Partido Nazista. 

Em março de 1938, um relatório encaminhado ao comandante das SS nazistas e responsável pela criação e operação dos campos de concentração e de extermínio, Heinrich Himmler, sugeria “o início da solução definitiva do problema cigano a partir de um ponto de vista racial”. Cabe destacar que “solução definitiva” era um eufemismo tecnocrático usado como sinômimo de eliminação física, assassinato. Assim como os judeus, o povo cigano deveria desaparecer.

O início do terror — Em maio de 1940, as SS deportaram cerca de 2.500 ciganos roma e sintis residentes em Hamburgo e Bremen para campos de concentração na Polônia. A ação contou não apenas com o apoio dos membros do partido nazista, mas também de amplos setores da população alemã, reforçando a ideia de que o preconceito contra a etnia encontrava eco na sociedade.

Em meados de 1941, 5.007 roma, sintis e lalleris que viviam na Áustria foram deportados para o gueto em Lodz, na área central da Polônia, ocupando uma seção separada dos judeus. Nos primeiros meses, metade dos ciganos levados morreu de fome, frio e falta de medicamentos. No ano seguinte, os sobreviventes seguiram para o Campo de Extermínio de Chelmno, a 50 quilômetros de Lodz.

Antes da adoção das câmaras de gás como instrumento para extermínio, os ciganos eram assassinados a tiros pelas tropas alemãs e forças paramilitares simpatizantes do nazismo. Na Polônia, onde os ciganos ocupavam há séculos áreas rurais, a perseguição foi intensa nos vilarejos. Historiadores e investigadores soviéticos identificaram 180 locais de fuzilamento de homens, mulheres e crianças de origem cigana. Os corpos estavam em grandes valas comuns.

O fuzilamento de ciganos também se transformou em prática habitual nas regiões invadidas pelo exército alemão, principalmente na antiga Iugoslávia e nos territórios invadidos na União Soviética. A caçada muitas vezes contou com a colaboração da população local, em sua maioria católica — a mesma religião dos ciganos. Apenas os muçulmanos residentes nessas áreas demonstraram solidariedade e protegeram o grupo étnico perseguido, evitando que muitos tivessem como destino o fuzilamento ou os campos de concentração. 

Extermínio com método variável — O Porrajmos assumiu contornos distintos. Nas áreas anexadas ao Reich Alemão, a regra era simples. Homens e mulheres aptos seguiam para os campos de concentração e áreas de trabalhos forçados. Crianças, velhos e doentes tinham como destino as câmaras de gás nos campos de extermínio ou o fuzilamento. 

Já nos países com governos tutelados pelo regime nazista, as medidas adotadas excluíam o fuzilamento, limitando-se às ordens de deportação para os campos de concentração, o que não reduz a parcela a culpa desses governos. A Romênia, por exemplo, enviou sua população cigana para a Transnístria, uma região ocupada pelos nazistas entre a Ucrânia e a Moldávia. A administração alemã local determinou o fuzilamento apenas dos homens adultos, deixando que mulheres, idosos e crianças fossem abandonados e morressem de fome e frio. A justificativa para a tal diferença de tratamento era de ordem prática: não “desperdiçar” munição.

O governo colaboracionista de Vichy também teve sua participação no Porrajmos. Depois de uma longa e sistemática caçada, enviou para o campo de Auschwitz-Birkenau, na Polônia, ciganos que viviam na França, bem como os roma que eram refugiados da Guerra Civil Espanhola.

A exceção ficou por conta da parte da Tchecoslováquia, que manteve sua autonomia tolerada por Hitler. Lá, os ciganos escaparam da aniquilação física, porém continuaram sendo alvo de preconceito e da eliminação sistemática de direitos civis. Contudo a “sorte” cigana se deu por conta de uma opção estratégica da burocracia. O governo tcheco priorizou a perseguição aos judeus, deixando os ciganos como alvo de uma segunda etapa de limpeza étnica.  

A partir de 1942, a maioria dos ciganos presos estava concentrada em Auschwitz-Birkenau, ainda que outros campos de trabalhos forçados e de extermínio mantivesse roma, sintis, kalderash, lovaris, lalleris e manouches presos. Enquanto os judeus traziam em seus uniformes listrados a estrela amarela, os ciganos eram identificados com um triângulo marrom costurado nas roupas. Os administradores dos campos procuraram mantê-los apartados dos judeus. A justificativa: o “espírito rebelde” do cigano podia “contaminar e influenciar” algum tipo de resistência ou rebelião.

O auge do terror ocorreu em 2 de agosto de 1944. Naquele dia, 4.300 ciganos inaptos ao trabalho (crianças, idosos e doentes) foram assassinados nas câmaras de gás de Auschwitz-Birkenau. Dos 23 mil ciganos enviados para Auschwitz-Birkenau, pelo menos 19 mil morreram de fome, exaustão, doenças infecciosas ou assassinados nas câmaras de gás. Não há um número oficial, mas existem registros de envio de ciganos para os campos de Chelmno, Belzec, Sobibor, Treblinka, Bergen-Belsen, Sachsenhausen, Buchenwald, Dachau, Maulthausen e Ravensbrück.

Vozes das vítimas — Mesmo sem estatísticas oficias confiáveis, os pesquisadores estimam que entre 220 mil e meio milhão de ciganos tenham sido assassinados na Europa durante o Porrajmos. Os números têm como base relatos de sobreviventes dos campos de extermínio e de habitantes das regiões onde ocorreram as perseguições, análise de documentos encontrados nos arquivos nazistas e estudos acadêmicos. 

O esforço para manter viva a história do Porrajmos contrasta com o esquecimento a que foi relegado o holocausto cigano logo após o fim da Segunda Guerra. Os argumentos usados para relativizar os crimes cometidos contra esse grupo étnico se baseavam nos já conhecidos estereótipos: a vida à margem da sociedade, o comportamento antissocial, a prática de pequenos delitos e a quiromancia. Dessa forma, a perseguição não teria viés racial, mas social.

A relativização do Porrajmos durou 25 anos. Apenas em abril de 1971, com a realização do Primeiro Congresso Mundial Romani, em Londres, teve início o processo de resgate histórico dos crimes cometidos contra a população cigana na Segunda Guerra Mundial. Na ocasião, foi apresentada a proposta de criação de uma comissão para investigar as atrocidades perpetradas contra os grupos Rom, Sinti, Kalderash, Lovari, Lalleri e Manouches.

O congresso estabeleceu como linhas de ação a luta contra o preconceito, o combate ao anticiganismo e o reconhecimento dos ciganos como nação. O movimento, iniciado em 1971, hoje reúne ONGs, grupos de mobilização e organismos governamentais que atuam na promoção de políticas públicas contra a exclusão social e econômica dos ciganos. 

O nacionalismo cigano é uma construção abstrata, baseada na história de um povo originário da Índia, com cultura e idioma próprios, além do trabalho de divulgação permanente do Porrajmos. A ideia busca estabelecer um sentimento de pertencimento comum entre os distintos grupos ciganos.

Em 1979, o parlamento da antiga Alemanha Ocidental reconheceu o direito dos ciganos à indenização pelos efeitos do Porrajmos. No entanto poucos usufruíram da medida, pois o número de sobreviventes era reduzido. Já o Parlamento Europeu estabeleceu o 2 de agosto, data do massacre em Auschwitz-Birkenau, como o Dia Memorial Europeu do Holocausto para os Sinti e os Roma.

Na tentativa de registrar as atrocidades cometidas pelos nazistas contra os ciganos, foi criado o portal Voices of the Victims (www.romarchives.eu), mantido pelo The Documentation and Cultural Centre of German Sinti and Roma. Ele reúne depoimentos de sobreviventes, cartas enviadas — na maioria das vezes de forma clandestina — por ciganos perseguidos, artigos de pesquisadores e documentos oficiais relativos ao Porrajmos. Além disso, o portal busca colocar em discussão questões da cultura cigana, divulgar a produção artística e estimular a articulação entre os grupos que compõem a etnia.

O trabalho desenvolvido pelos criadores do portal Voices of the Victims ganha maior relevância justamente no momento em que os grupos de extrema direita se expandem na Europa. Os ciganos se tornaram novamente alvo de perseguições e ataques em vários países. A sombra de um novo Porrajmos paira e assusta um dos mais antigos grupos étnicos.

domingo, 13 de março de 2022

Modos, meios e formas de produção agrícola

por: Mario Lucio Machado Melo Junior,

engenheiro agrônomo


A agricultura humana evoluiu muito desde os primórdios do surgimento de nossa espécie, e hoje, contraditoriamente, ainda convivemos com essas práticas ancestrais entrelaçadas com outras supermodernas e tecnificadas. Para exemplificar, vamos fazer uma viagem ao tempo das cavernas. Os grupos humanos, para se alimentarem, praticavam a caça e o extrativismo há pelo menos 195 mil anos. Em pleno Século XXI encontramos diversos grupos humanos ainda neste estágio de modo produtivo, inclusive aqui no Brasil. Esta forma não utiliza nenhum insumo externo para aumentar quantitativamente a produção, sem produzir excedentes expressivos, de forma geral, ecologicamente em equilíbrio, convivendo, muitas vezes de forma não pacífica, com outros meios e formas de produção que surgiram durante o passar dos anos e não se tornaram hegemônicas, tais como: em pequenas propriedades familiares; em grandes propriedades com trabalho escravo (ou análogo); em grandes propriedades com trabalho assalariado; em pequenas e grandes propriedades com uso de mecanização de diversos graus/ formas de tração, dependências tecnológicas de insumos e energia externos às propriedades.

As contradições e conflitos de interesse são evidentes, não ocorrendo um convívio pacífico entre os rurícolas, como podemos constatar pelo enorme número de mortes de trabalhadores, líderes sindicais, dos povos indígenas ou de militantes dos movimentos sem-terra e/ou conservacionistas (como Chico Mendes). Nestes casos, sempre ocorre o predomínio dos grupos política e economicamente dominantes com submissão por coerção dos interesses dos mais frágeis por pura omissão das autoridades públicas, que deveriam cumprir a Constituição e as leis complementares e regulatórias.

A partir da década de 1970, surgiu um forte movimento de resistência contra a guerra do Vietnam, onde o exército americano usava desfolhantes químicos para bombardear as rotas de abastecimento das tropas norte vietnamitas, similares aos herbicidas já usados nas lavouras de seu país. Em ambos os casos foram constatados os efeitos colaterais de doenças neurológicas e cancerígenas nos soldados que retornaram do Vietnam e nos trabalhadores rurais dos cinturões de produção de milho, soja e algodão americanos.

Simultaneamente, no Brasil em 1971, o engenheiro agrônomo José Lutzenberger largava sua carreira como funcionário da indústria agroquímica alemã Basf, tornando-se ecologista no Rio Grande do Sul. Na década de 1980, ele foi ministro do Meio Ambiente no Governo Collor por indicação dos crescentes e populares movimentos ambientalistas. As críticas dele, bem como de outros — por exemplo da professora engenheira agrônoma Anna Maria Primavesi e da pesquisadora engenheira agrônoma Johanna Döbereiner — aos agrotóxicos e ao modelo agroquímico de agricultura dita “moderna” ou “revolução verde” tinham fundamentação científica e comprovação prática real, influenciando uma legião de estudantes de Agronomia, e hoje de uma série de outras profissões, seguidores das ideias agroambientais de diversas correntes filosóficas, por exemplo a agricultura biodinâmica, fundamentada nas teorias antroposóficas do filósofo austro-húngaro Rudolf Steiner. Tudo isso gerou, posteriormente, um arcabouço legal de controle do uso abusivo e indiscriminado de agrotóxicos e todo um trabalho de produção e ecoconsumo dos “orgânicos” no Brasil (paralelamente com experiências semelhantes nos demais países do mundo que não convem aqui citar).

Certamente esse movimento cresceu entre os produtores e consumidores e não ficou sem resposta raivosa e forte reação das classes dominantes. Empresas e indústrias fabricantes dos agroquímicos que funcionam simultaneamente com sementes geneticamente modificadas e patenteadas, formaram um pacote tecnológico só, contendo: maquinário próprio; adubos químicos; sementes modificadas; agrotóxicos; equipamentos de irrigação; maquinário de colheita e, finalmente, silos de secagem e armazenamento primário. Estes setores, em geral, formados por conglomerados multinacionais, em combinação com o comércio, os bancos e empresas transportadoras terrestres, fluviais e ferroviários, saindo das regiões produtoras diretamente para os portos de exportação, não tardaram a reagir no Congresso e no Governo para desqualificar os modelos agroecológicos e destruir as leis, regulamentos e normas que disciplinavam a fabricação, o transporte, o armazenamento e o uso irresponsável, indiscriminado e abusivo desses produtos que tanto prejudicam a saúde dos trabalhadores, consumidores e do ambiente (água, solos e seres vivos que habitam). Hoje, em um governo rendido e estes setores, circulam toneladas de produtos químicos sem rótulo e bula de aplicação — prescritos por pessoas sem a devida qualificação ou ética comercial —, proibidos nos países de origem de sua fabricação e vendidos aqui sem nenhum controle institucional, até pela internet.

Enquanto isso, os produtores que já perceberam essa armadilha e ciranda sem fim e que, quando ocorre qualquer variação climática ou instabilidade “dos mercados internacionais”, pagam sozinhos toda a conta. Mesmo os pequenos produtores e os agricultores familiares que optaram pela produção agroecológica, por motivos de filosofia, ideologia, fé (Fundação Mokiti Okada) ou mesmo por percepção da perversa realidade destrutiva ambiental (modificações climáticas), esses já estão sendo sufocados pelo complexo e caro sistema de certificação, processamento, legalização, transporte e comercialização no qual o lucro líquido é completamente insuficiente para sua manutenção e retorno do capital investido inicialmente. Isso não é apenas um problema aqui no Brasil, mas, sim, mundial. Trataremos dessas questões no próximo artigo. 

TRAÍDOS

Um brinde aos amigos de sempre do mundo da liberdade:

Rogério Weber

Paolo d’Aprile

Marcos da Costa

Edu Alves


O Amor é lindo, mas seus desdobramentos e implicações são jogos dos deuses, são a contingência e o acaso. Imagine uma associação de supremacia branca formada pela classe de trabalhadores rurais dos EUA; em seguida imagine assaltos a banco com armamento pesado e estratégias paramilitares; assassinatos de judeus, negros, gays e latinos no Harlem, San Francisco. Por fim, agentes infiltrados do FBI entre esses grupos e o envolvimento apaixonado dessa agente com um dos pilares dos ataques terroristas em solo estadunidense.

Todos esses ingredientes estão no filme Betrayed, de 1988, dirigido pelo grande mestre Κώστας Γαβράς ... ôpa, desculpem ... Costa-Gravas, com roteiro do não menos fabuloso Joe Eszterhas. Filme impactante e que, dando uma olhada nos dias de hoje, 34 anos depois, parece nos apresentar um retrato do que anda acontecendo no panorama político-econômico nas Américas. Ali estás o ovo da serpente e nas linhas abaixo vamos ver o porquê.

Como não se trata de uma obra unidimensional, há a exposição das ideias que permeiam o supremacismo branco. Um diálogo faz isso com maestria: perguntado sobre os exercícios de caça, ou seja, em uma floresta erma, pôr a correr um negro enquanto tentam abatê-lo como a uma presa, um típico red neck responde:

"O banco levou minha fazenda e o Vietnã, o meu filho. Bancos, policiais negros, judeus [no caso, associam a figura sionista ao capital especulativo – aparte meu] e asiáticos [China dominando o capitalismo ou os ascendentes Tigres Asiáticos, que são o alvo para multinacionais aumentarem suas taxas de lucro sob um regime semi-escravagista – aparte idem] estão roubando o nosso país".

Oras bolas, toda a origem da crítica que leva à xenofobia, ao racismo, à homofobia é uma crítica ao sistema financeiro, o que leva a uma conclusão simples: o que deve ser combatido não é o imigrante, o judeu, o negro, o gay ou qualquer outro segmento social sobre os quais uma classe frustrada se acha superior; o que deve ser combatido é o sistema de acumuladores e gestores da miséria mundial.

O fascismo pega essa realidade (que todos sabem no fundo ser a única causa da acumulação e miséria excessivas) e, com a ajuda do medo de violências aumentado pelas redes de TV com o jornalismo marrom de glamourização da morte e do desespero — do aumento da criminalidade exponencialmente sobre crimes contra o patrimônio — e o fanatismo religioso: que transformam a crítica ao sistema em algo diverso da ação contra ela, transformam a crítica ao essencial  em racismo, homofobia, sempre com o intuito de alienar o verdadeiro problema: todos terem o que comer e onde morar.



O que tem a ver a decadência do segmento mais branco e rural dos Estados Unidos com o neonazismo brasileiro que está no governo federal (e que vem sendo dourada em pílulas com declarações e desmentidos, aguardando haver a aceitação pela opinião pública do nazismo puro mesmo)?

A base popular eleitoral de Trump era e é a dos supremacistas brancos que identificam a decadência de sua classe com a imigração e ao abandono da religião protestante evangélica, sendo que o líder do Partido Nazista estadunidense, Rocky Suhayda, declarou publicamente apoio ao Republicano ainda em campanha.

O pensamento do supremacismo branco está na formulação de uma resposta de frustração pelo ódio. Explico: brancos trabalhadores estadunidenses se consideram vítimas de racismo praticado pelos negros; vítimas dos judeus (Nova “Judiork” e “Sicago”, por aí vai) e dos asiáticos que, ou lhes roubam o trabalho, ou lhes roubam a própria produção em si (montadoras, indústrias que saem dos EUA à procura de fontes de trabalho semi-escravo). 

Essa crítica subvertida ao problema de uma economia que tem bilionários do mundo - 2.153 ao todo - com mais riqueza do que 60% da população – 4,6 bilhões de pessoas (fonte: https://www.oxfam.org.br/noticias/bilionarios-do-mundo-tem-mais-riqueza-do-que-60-da-populacao-mundial/?gclid=CjwKCAiA6seQBhAfEiwAvPqu11j5AXLU1aXiUfY0WLpjrbf9ORvQFQgBbjyGjsSVpMa1bdkgr9Wk1RoCABoQAvD_BwE) – e, por sua vez, joga a culpa desta calamidade nas costas de imigrantes, negros, gays, esquerda etc etc.

Culmina a subversão da crítica com a frustração pessoal de uma classe em plena decadência com a ascensão do neonazismo nos EUA com a eleição de Trump para a presidência do país. Isso por que o projeto do republicano soube captar a frustração da classe média pauperizada e a decadência industrial do país. 

A propaganda ideológica de transformar um magnata em um dínamo da retomada econômica dos pobres é de um cinismo hediondo, mas, como dito acima, existe todo um aparato ideológico inculcado nas mentes desse segmento estadunidense, a começar com o arquétipo WASP, que, de fato, hoje representa apenas 43% da população, mas se apega a um passado de plena predominância (em 1976, por exemplo, 8 em cada 10 estadunidenses se identificavam como brancos protestantes). Hoje, ao que tudo indica, os WASP se tornaram minoria (fonte: https://www.ihu.unisinos.br/78-noticias/571977-estamos-no-fim-dos-eua-cristaos-brancos-o-que-isso-significa).

Nada além de frustração advém dessa mudança, pois a base de Trump e do Partido Republicano tenta catalisar essa margem que, nas próximas eleições já serão inócuas: pelo que tudo indica esse salto xenófobo do cristianismo branco foi um estertor de um segmento que perdeu seu protagonismo. Daí o tom de ódio provocativo e sarcástico em concomitância com o vazio de propostas econômico-políticas. Não há projetos, apenas o oportunismo fascista sobre o desespero de trabalhadores envoltos desde a infância em uma ideologia nacionalista de predestinação protestante que enlouquece frente à decadência das finanças.

Esse é o fundo dos acontecimentos do filme de Costa-Gravas, pois Gary Simmons é o líder de um grupo de supremacistas brancos, que associam a decadência de suas atividades com a ascensão de negros, judeus, latinos e gays. Condecorado na guerra do Vietnã, apresenta-se como um estereótipo do americano trabalhador do campo que resiste ao debacle de economia do país, mas passa a pertencer a uma organização com braços político, eclesiástico e com muito armamento. À época, a opinião pública sempre foi condescendente com esse movimento, entendendo como uma coisa de simplórios, sem entender que promoviam ataques terroristas e roubos a banco (este último para angariar fundos para uma vindoura revolução).

Acontece que os Estados Unidos sofrem mais ataques terroristas de sua extrema direita ("deadly right wing attacks") do que do jihadismo: a plataforma New America analisou todos os casos de terrorismo desde o 11 de setembro e constatou que, dentre os 251 assassinatos que se caracterizam desta maneira, a extrema direita matou 114 e o islamismo extremo, 104.

Uma agente do FBI, Catherine Weaver, a excelente Debra Winger, se infiltra na célula neonazista chefiada por Gary; ambos se apaixonam; ele, em um rompante de honestidade total para formar o relacionamento, mostra a ela a atividade de seu grupo, pondo um negro a correr como presa de um exercício de caça. Por mais que ame Gary, Catherine não consegue deixar de sentir uma extrema ojeriza a tudo o que lhe é revelado e, com isso, sua lealdade ao FBI prevalece sobre seus sentimentos passionais.

As investigações foram iniciadas após o assassinato de um radialista liberal judeu. A palavra ZOG é o enleio, pois fora pichada sobre o corpo do comunicador (e é a sigla do exercício de caça praticado pelos supremacistas). 

Em nosso salto temporal, encontramos muitos elementos de comunicação do que está sendo denunciado no filme de 1988 e o que andamos vivendo agora, mas em sua forma embrionária: o ovo da serpente!

Pois se foi o discurso de ódio inflamado pela frustração de uma classe média em extinção nas zonas rurais dos Estados Unidos que formou as células neonazistas e reavivou a Ku Klux Klan: foi esse sentimento de impotência que lançou laços de representação política e terrorista com ataques e assaltos a banco precisos e estratégicos. Tudo isso deságua na eleição de Trump, sendo que este encarna o estereótipo do protestantismo branco, o qual se encontra em declínio, estando cada vez mais nublado por cidadãos que não querem professar fé alguma ou compactuar com justificativas cada vez mais absurdas das acumulações e violência aos direitos de igualdade ou mesmo sobrevivência do povo. 

Estar cego sobre uma realidade que exige mudanças e acessos para equilíbrio da própria civilização, o trumpismo é um câncer que combate as instituições que garantem um mínimo de coesão social, frente ao anarcocapitalismo (ou capitalismo cocainômano) excessivamente desagregador e destruidor.

Aqui abaixo da linha do Equador, mais especificamente o Brasil, surge a figura repugnante de um incompetente que, para a lembrança da importância da filosofia, transmite a essência do que seja a BOÇALIDADE DO MAL. Fala-se aqui, por mais claro que seja, do Lepra, do Inominado, do Capitão dos Estúpidos, enfim, DELE! 

Uma caricatura que consegue ser pior do que Figueiredo falando, consegue por meio da frustração e da ideologia de dominação e servilismo popular se impor e vai cumprindo sua função de promover discursos de ódio, imitando ridiculamente um “patriotismo” associado a um desejo de sair vendendo tudo o que for estratégico ao país (que só não é posto em prática por total incompetência do minonstro Ipiranga) – não podemos esquecer do Acordo de Salvaguarda Tecnológico (AST), que, na prática, deu Alcântara para o Trump. Agora para qualquer cidadão ou autoridade brasileira ou estrangeira que queira acessar o local tático para lançamento de foguetes espaciais, tem que pedir permissão aos States!

Esquizofrenia pessoal que se espraia aos órgãos diretamente ligados à Administração Pública federal, transpõe para nossas plagas o vazio do discurso à moda Trump; traveste uma xenofobia e um fanatismo religioso (na base do “Deus acima de tudo, PORRA!!!”) totalmente estranhos à história do comportamento brasileiro e mesmo estranho aos interesses de qualquer pessoa decente no território nacional. 

O que o Inominado faz — e ele não é tão estúpido como quer aparentar ser — é replicar nos espaços dos aparelhos de Estado o ódio que insufla a classe média produtora de insumos estadunidense que, por sua vez, formou grupos neonazistas como forma de resistência à especulação desenfreada e à decadência de seu poder aquisitivo. Por outro lado, este mesmo desvio da crítica à origem real dos problemas de gestão da miséria engendrou o trumpismo e, como cópia caricata e atrasada, irrompeu no Brasil o neonazismo.

Voltando ao filme, ataques terroristas em escolas, em igrejas frequentadas por negros estão na pauta dos extremistas brasileiros para macaquear os estadunidenses: além dos praticados pelos militares nos estertores da ditadura, de 1978 a 1987 — classificados assim pelo próprio SNI —, temos o ataque ao Porta dos Fundos em 2019 e a ressurreição tão esperada do Integralismo. 

É dar tempo ao tempo para vermos o desenvolvimento do nazismo no Brasil —até o presente o que vemos é a tentativa ainda deflagrada de o presidente e seus asseclas declararem frases de efeito e lemas nazistas e aguardar a reação da opinião pública: esta, por enquanto, ainda não aceita esse tipo de ideologia.

E quanto aos assaltos a bancos promovidos por células nazistas formada por brancos cristãos protestantes para arrecadar fundos para uma vindoura revolução? Acontece aqui?

Como mostrado no filme são organizados e possuem armamentos pesados. Pergunta: o que aconteceu em Criciúma (Santa Catarina), Cametá, Belém do Pará, Ipixuna do Pará; São Domingos do Capim (Pará); interior de São Paulo:  Ourinhos; Botucatu; e Araraquara?

Talvez o que se chama amedrontadamente de “Novo Cangaço” seja um meio de angariar fundos para o nazismo auriverde. Os indícios batem: discurso de ódio, projeto político vazio, estímulo aberto ao ressurgimento do nazismo; apoio de grupos paramilitares (milícias); o uso da frustração popular e a artificialidade de um messias político; tudo encaminha para uma ligação entre o que se propaga ideologicamente pelo comando do país e essa nova prática de assaltos — isso é uma especulação, mas encontra um esteio no filme do Costa-Gravas. Pensemos e pensemos rápido antes que seja tarde!

A realidade muitas vezes imita a ficção!

Catherine é descoberta como agente infiltrada por Gary, o amor se expressa até o último encontro entre os dois. Quando Gary é morto pela amada, a expressão do amor está nos olhos marejados de lágrimas dos dois envolvidos. Contudo, antes desse desfecho (não aguentei e contei o final), a filha do líder da extrema direita entende por meio de Catherine que podemos nos expressar livremente, mas não podemos maltratar pessoas (antes a menina expusera toda a lavagem cerebral que vem desde o berço nesses meios, quando diz antes de dormir “negros e judeus devem morrer”).

 Assim, depois de tudo o que passou, a agente volta para a localidade para reencontrar a filha de seu amado. A criança defende Catherine frente a uma multidão açodada de ódio, sabem que fora ela a responsável pela morte de Gary. A ideia magistral é: aquela turba está dominada pelo pensamento nazista da extrema direta, está seduzida pelo ódio, mas aquela linda garota já está com a semente da liberdade e vai germinar.

O intuito deste texto é lançar mais uma semente e que germine em boa terra!


GUILHERME MAIA 


quarta-feira, 15 de dezembro de 2021

POR QUE DEVEMOS NOS ENVOLVER COM AS MUDANÇAS CLIMÁTICAS E FICAR DE OLHO NA REALIZAÇÃO DA COP 26? - PARTE 2

Por Angelo José Rodrigues Lima

No primeiro artigo sobre o tema, tratamos de explicar o que são mudanças climáticas e o que são e para que servem as Conferência das Partes (COPs).

Neste artigo, antes de tratarmos das metas e objetivos da COP 26, é importante deixar claro que toda a sociedade brasileira e mundial deve se envolver com este tema porque as mudanças climáticas já são uma realidade e estão impactando enormemente a vida das pessoas e ampliarão ainda mais os problemas sociais, econômicos e ambientais do Brasil e do Mundo.

Em segundo lugar, em um país e um mundo com tamanha desigualdade social e econômica, as mudanças climáticas irão ampliar estas desigualdades e continuar impactando as populações mais vulneráveis social e economicamente falando.

Portanto, devemos nos envolver, porque as mudanças climáticas e as COPs estão relacionadas com a nossa qualidade de vida.


E as metas da COP 26? Quais eram?

Considerando os vários estudos realizados e apresentados pelos diversos relatórios elaborados pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) que é o órgão científico para assessorar a realização das Conferências, segundo o artigo “Quais são as metas da COP26 e o que elas representam na atualidade”**, as metas eram:

1. Promover a rede zero global em meados do século 

A redução de emissões será um dos principais pontos abordados. A meta é que os governos apresentem estratégias de impactos positivos para diminuir os gases poluentes até 2030 e alcançar emissões líquidas zero até 2050. Outra questão é a diminuição do aquecimento global e a manutenção de 1,5 grau de aumento ao alcance até o final do século, já que a previsão na conferência em Paris, era atingir bem acima de 3 graus até 2100. Segundo a agenda oficial do evento, para que isso aconteça, os países precisarão de:

    • Acelerar a eliminação do carvão;

    • Reduzir o desmatamento;

    • Acelerar a mudança para veículos elétricos;

    • Expandir o mercado de crédito de carbono;

    • Incentivar o investimento em energias renováveis.

2. Adaptar-se para proteger as comunidades e habitats naturais

As mudanças climáticas vêm causando retrocessos para a sociedade e a biodiversidade. A frequência de temperaturas extremamente elevadas, incêndios ocasionados por secas e o aumento das doenças respiratórias são alguns dos episódios alarmantes que têm ocorrido. Espera-se que, na COP26, iniciativas sejam desenvolvidas para mitigar os prejuízos a curto prazo e que os países produzam uma comunicação de adaptação com as práticas e planejamentos. Para isso, os governos devem:

    • Favorecer a adaptação aos efeitos da mudança climática;

    • Proteger e restaurar ecossistemas;

    • Construir defesas e sistemas de alerta;

    • Infraestrutura resiliente e agricultura para evitar a perda de casas;

    • Meios de subsistência e qualidade de vida.

3. Mobilizar finanças 

Segundo o plano de ação da COP26, para que as duas primeiras metas sejam de fato concretizadas, é necessário que os países cumpram a promessa de "mobilizar pelo menos US $100 bilhões em financiamento climático por ano", imposta na última conferência realizada em 2015. Além disso, também precisam investir e promover finanças sustentáveis. Toda decisão financeira precisa levar em consideração o clima, expandindo:

    • Alianças entre empresas e investidores;

    • Cadeias de suprimentos resilientes;

    • Parcerias com o terceiro setor;

    • Financiamento dos setores público e privado aos países mais pobres e a cooperação internacional.

4. Trabalhar juntos

Por fim, para que a agenda seja efetiva é fundamental que os países trabalhem juntos. A colaboração deve moldar os resultados, acordos e negociações entre governos, empresas e a sociedade civil. Espera-se que além dos planos estratégicos contra as mudanças climáticas, parcerias sejam feitas entre os países e soluções estipuladas. Para isso, é preciso:

    • Garantir que a voz de todos seja ouvida;

    • Ter transparência e transformar ambição em ação;

    • Incentivar todos os países a cumprir seus compromissos;

    • Finalizar o Livro de Regras de Paris (as regras detalhadas que tornam o Acordo de Paris operacional).


Quais foram as metas alcançadas na realização da COP 26?

Para uma grande maioria de especialistas e ambientalistas, a principal avaliação dos resultados alcançados pela COP 26 realizada agora em novembro de 2021, é de que as metas estabelecidas são insuficientes para dar conta dos impactos das mudanças climáticas.

Por exemplo, em relação aos recursos estabelecidos, o rascunho do acordo prevê US$ 100 bilhões até 2023 para ações contra as mudanças climáticas em países em desenvolvimento. Este valor é o mesmo previsto no acordo de 2009, que não foi cumprido e hoje é visto como insuficiente, pois os problemas só aumentaram de 2009 para 2021.

Segundo, por exemplo, Carlos Nobre, “os países ricos têm colaborado muito pouco”.

Outra questão apontada por Nobre, “é que o Brasil apresentou metas desafiadoras na COP-26 e precisa “de um gigantesco esforço” para cumpri-las. O País se comprometeu a zerar o desmatamento ilegal até 2030 e reduzir as emissões de carbono e metano. As metas, porém, foram recebidas com desconfiança devido às posturas do governo na COP de 2019, que foi um entrave para as negociações”.


Que acordo, podemos dizer significativo, foi alcançado na COP 26?

Para não ficar somente dizendo que as metas foram insuficientes, a COP 26, enquanto não apresentou metas de corte de emissões compatíveis com o Acordo de Paris, líderes de mais de uma centena de países assinaram na COP26, em Glasgow, documentos em que se comprometem a deter a derrubada de florestas e a reduzir em 30% as emissões de metano até 2030.

Talvez, este seja o único ponto positivo da COP 26.


Por que seria importante e urgente chegar a um acordo substancial de redução de metas na COP 26?

Porque estamos atrasados. A ciência aponta os riscos há décadas e o último relatório do IPCC é a continuidade disso. Não falamos mais do que pode acontecer, mas do que já ocorre e do que precisamos fazer para tentar impedir que se agrave. Passar de 1,5° C de elevação de temperatura será terrível. Para evitar que isso aconteça, teríamos que reduzir as emissões em 50% até o fim desta década.


Qual a posição da sociedade? 

Primeiro, todos nós que trabalhamos com a questão ambiental, científica, etc; precisamos cada vez mais popularizar a discussão sobre o tema, incluindo a questão das mudanças climáticas.

O Brasil e o Mundo já têm um passivo ambiental, social e econômico bastante suficiente para sabermos que temos de agir, os relatórios do IPCC e outros relatórios no Brasil, como o caso dos relatórios do MAP Biomas, apontam o aumento do desmatamento dos biomas brasileiros; por exemplo, foram derrubadas 24 árvores por segundo em 2020 e a perda de 15,7% da superfície de água no Brasil.

Além disso, com a concentração de renda aumentando, temos cada vez mais uma economia voltada somente para os mais ricos, com isso, aumenta o desemprego no Brasil e o mapa da fome, portanto, sem emprego e com fome.


Como a grande maioria da sociedade irá tratar do tema ambiental e das mudanças climáticas?

É fundamental que saibamos demonstrar que tudo está interligado, ou seja, o aumento da desigualdade, o aumento da fome, termos crise hídrica e energética, termos as mudanças climáticas, acontecem pelo fato de termos um modelo de desenvolvimento que foca apenas no crescimento econômico e não no desenvolvimento humano e na sustentabilidade ambiental, social e econômica.

No centro do debate para resolvermos isso, está o modelo de desenvolvimento. A sociedade precisa ser convocada e mobilizada não só para enfrentar as questões pontuais, mas especialmente para tratar sobre qual o modelo de desenvolvimento nós queremos.

É preciso ficar claro que caso não consigamos discutir o modelo de desenvolvimento, só conseguiremos correr atrás do prejuízo, ou seja, não resolveremos os desafios de acabar com a fome, com o desemprego e os impactos das mudanças climáticas.

O modelo de desenvolvimento é o centro do debate para de fato resolvermos a questão da fome, das mudanças climáticas, do aumento do desemprego e de tantos outros que temos até hoje.


DEZEMBRO DE 2021


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

** Artigo pode ser acessado pelo link: https://origoenergia.com.br/blog/quais-as-metas-da-cop26

https://www.ipcc.ch/report/ar6/wg1/downloads/report/IPCC_AR6_WGI_Full_Report.pdf - último relatório do IPCC.

https://s3.documentcloud.org/documents/21097010/global_methane_pledge_final_text79.pdf

https://ukcop26.org/glasgow-leaders-declaration-on-forests-and-land-use/

https://mapbiomas.org/superficie-de-agua-no-brasil-reduz-15-desde-o-inicio-dos-anos-90 

https://mapbiomas.org/pais-perdeu-24-arvores-por-segundo-em-2020



 

Kakistocracia, Teoria da Estupidez e bolsonarismo

Por Marlucio Luna


A kakistocracia é definida como o país ou estado governado pelos piores, pelos menos qualificados e menos escrupulosos de seus cidadãos. A palavra deriva dos vocábulos gregos kakistoi (piores) e kratos (poder). Há dúvidas sobre quem formulou o conceito: alguns apontam o sociólogo inglês Frederick M. Lumley; outros o atribuem ao filósofo italiano Michelangelo Bovero. Independentemente de quem seja o “pai” do termo, o fato é que ele se aplica perfeitamente ao atual (des)governo brasileiro.

Desde a posse, em janeiro de 2019, Bolsonaro procurou se cercar dos piores e menos competentes quadros. Um juiz corrompido foi para o Ministério da Justiça; um diplomata alvo de chacota entre seus pares subiu ao mais alto posto do Itamaraty; o Ministério da Educação caiu nas mãos de um economista medíocre e portador de graves distúrbios no uso adequado da língua portuguesa; um defensor do desmatamento e da liberdade para exploração predatória (e ilegal) dos recursos naturais aboletou-se no comando da pasta do Meio Ambiente; um general incompetente (com perdão do pleonasmo) e sobre o qual pairam dúvidas acerca do republicanismo assumiu as rédeas do genocídio na pandemia de Covid. Isso também vale para áreas como Direitos Humanos, Cultura, Reforma Agrária e Infraestrutura, entre outras. Mas para coroar a ascensão dos ineptos ao poder, a economia nacional passou a ser pilotada por um ultra-hiper-mega-superneoliberal, mais reconhecido pela desastrosa carreira acadêmica e por ser um especialista na especulação financeira.

Os resultados dessa seleção de craques da kakistocracia podem ser vistos e sentidos nas ruas, nos supermercados, nos postos de combustíveis, nos hospitais, nas escolas e universidades públicas, na Amazônia, em toda a sociedade. O país entrou oficialmente em recessão no dia 2 de dezembro, quando o IBGE anunciou queda do PIB pelo terceiro trimestre consecutivo. A inflação acumulada nos últimos 12 meses já supera a casa dos 10% e o desemprego fechou o mês de novembro em 12,6%. A Amazônia registra sucessivos recordes de desmatamento. O Enem de 2021 teve 44% menos inscritos na comparação com o anterior, sendo que o número de candidatos pobres foi 77,4% menor. O desmonte do estado se mostra visível até para um cego. E, para quem não se impressiona com a frieza dos números, basta flanar pelas avenidas das grandes e médias cidades brasileiras. Terá a oportunidade de verificar de perto o aumento brutal do número de famílias vivendo sob marquises ou em praças.

Então, por que, diante do fracasso retumbante em todas as áreas, o (des)governo Bolsonaro ainda registra nas pesquisas de opinião a média robusta de 15% de avaliações como ótimo ou bom? A análise política, a História e a Sociologia fornecem alguns indícios que justificam o fenômeno. Entretanto, são insuficientes para explicá-lo de forma mais consistente. É aí que a Psicologia entra.

Orgulho da estupidez — O alemão Dietrich Bonhoeffer, um teólogo e membro da resistência antinazista, analisou as condições que propiciaram a ascensão de Hitler ao poder na década de 1930. Ao constatar a adesão incondicional da população alemã, incluindo a maioria das lideranças religiosas, às ideias no nacional socialismo, ele fez um alerta: “A estupidez é um inimigo pior que o mal. Diferente da estupidez, o mal tem as sementes da sua própria destruição”. Bonhoeffer acredita que, ao contrário do canalha e do mal-intencionado, o estúpido não peca pela falta de caráter ou por uma repentina perda da razão. Insere-se em uma categoria sociopsicológica, algo mais complexo — e muito mais perigoso.

O teólogo alemão recorre aos mecanismos de funcionamento do cérebro para explicar a estupidez. A mente humana atua de forma heurística, sempre buscando atalhos por meio de vieses cognitivos. A estupidez, então, se aproveita do fato de o homem ser um animal social e usa essa sociabilidade como base. Surge então o efeito rebanho. O estúpido orgulha-se de si mesmo, pois tem a chancela do grupo, de seus pares, da “sua maioria”.

A análise de Bonhoeffer sobre o período da consolidação do poder nazista e da escalada bélica alemã mostra como a estupidez funciona no sentido de tornar “naturais” ideias já ultrapassadas pela civilização. Qualquer semelhança com os tempos atuais na frágil democracia brasileira não será mera coincidência.

“Contra o estúpido não temos defesa. Nem os protestos nem a força podem afetá-lo. O raciocínio é inútil. Fatos que contradizem preconceitos pessoais podem simplesmente ser desacreditados — na verdade, ele pode contra-atacar criticando-os e, se forem inegáveis, podem simplesmente ser deixados de lado como exceções triviais. Portanto, o estúpido, diferentemente do canalha, está completamente satisfeito consigo mesmo. (...) Nunca mais tentaremos persuadir a pessoa estúpida com razões, pois isso é sem sentido e perigoso.”

Desta forma, quando o grupo age de forma estúpida, o indivíduo se sente empoderado e se orgulha de sua própria condição. Respostas simples para questões complexas lhe bastam. A repetição de slogans, clichês e chavões sem qualquer conexão com a verdade alimenta o comportamento do rebanho. No fundo, apenas reproduzem a escalada irracional de compromisso, conceito psicanalítico que aponta a persistência em uma decisão que já causou prejuízos à pessoa apenas por já ter investido muito nessa decisão.

O bolsonarismo se alimenta do comportamento de rebanho e, principalmente, da estupidez enraizada nos seguidores do incapaz inquilino do Palácio do Planalto. Eles interditam o debate e saúdam a kakistocracia em vigor como a “salvação” contra as ameaças de sempre: comunismo, destruição dos valores tradicionais — tais como pátria, família, cristianismo — o perigo do globalismo, entre outros despropósitos carentes de qualquer fundamento lógico.

Mais uma vez, Bonhoeffer traça o perfil do estúpido, o nazista raiz — figura hoje tida como caricata, porém extremamente semelhante àquele tio do churrasco da família ou àquele colega de trabalho que se informa apenas pelos grupos de WhatsApp.

“Em uma conversa com ele, quase se sente que não se trata de maneira alguma de uma pessoa, mas de slogans e coisas do gênero que se apoderaram dele. Ele está enfeitiçado, cego, maltratado e abusado em seu próprio ser. Tendo assim se tornado uma ferramenta irracional, a pessoa estúpida também será capaz de qualquer mal e ao mesmo tempo incapaz de ver que isso é mau.”

Fenômeno expandido — A kakistocracia bolsonarista é filha dileta do governo Trump. Representa cópia fidedigna do modelo gestado nas eleições de 2016 nos Estados Unidos — desde as estratégias torpes da campanha presidencial até a fixação pela escolha dos piores quadros. O discurso calcado na “pós-verdade”, um eufemismo para mentiras descaradas, também é um pastiche das ideias disseminadas por Donald Trump.

Bolsonaro colocou no mesmo patamar “verdade” e “mentira”. Fatos, dados estatísticos, evidências científicas, estudos, nada disso importa para esses 15% de fiéis seguidores, os estúpidos aos quais Bonhoeffer se referiu. O país chegou a um nível tão baixo que, comparando-se as equipes ministeriais, até o governo golpista de Michel Temer parece uma reunião de luminares.

O economista italiano Carlos Cipolla, em seu livro “As leis básicas da estupidez humana”, parte do pensamento de Bonhoeffer para diferenciar os “bandidos” (não no sentido estritamente criminal da palavra) dos estúpidos. No primeiro caso, os indivíduos desfrutam diretamente de vantagens materiais ou pessoais derivadas de ações indevidas. Estes são os beneficiários — e muitas vezes os líderes — do sistema kakistocrático. Já “estúpido” causa transtornos sem qualquer ganho para si, tendo apenas a satisfação de ostentar a estupidez e se sentir parte o rebanho. 

O “bandido” se utiliza de ferramentas como boatos, discursos de ódio, discriminação e assédio para atacar seus opositores. Já o estúpido as reproduz de forma automática, sem qualquer tipo de análise racional sobre a veracidade do que dissemina. O fato de isso gerar ganhos e vantagens a terceiros não importa para o membro do rebanho. Ele se compraz em buscar a anulação da opinião divergente, daquele que não se parece com ele ou o silenciamento de quem não compartilha a sua estupidez.

Este modelo de governo inepto e corrupto, baseado em ataques à democracia e no desprezo pelas mais elementares noções de respeito à dignidade humana, continua sendo “ótimo/bom” para um vasto contingente de eleitores. Buscar o debate com os zumbis bolsonaristas, além de ineficaz, pode estimular o recrudescimento da violência latente no rebanho. 

Bonhoeffer terminou seus dias no campo de concentração de Flossenbürg. Foi enforcado uma semana antes da libertação dos prisioneiros pelas tropas aliadas. Naquele momento, os alemães já tinham percebido o erro cometido. No entanto, “os 15%” de Hitler continuavam fiéis ao führer e ainda dispostos a seguir o rebanho, “a sua maioria”. Não será diferente com o gado bolsonarista. Mesmo com a provável derrota eleitoral, permanecerão defendendo empedernidamente a kakistocracia. Se necessário, recorrerão a qualquer expediente ilegal, ilícito ou imoral. Afinal de contas, apenas a “verdade” deles pode prevalecer.

O próximo ano, ao contrário das visões otimistas da parcela significativa das forças progressistas, será duro. Seria bom não esquecer do alerta que Dante colocou na entrada do inferno: “Abandone toda a esperança aquele que por aqui entrar”.

A urgência de uma reforma agrária ampla no Brasil

Por Mario Lucio Machado Melo Junior

Esse assunto é tão complexo e profundo, envolto em nebulosos preconceitos que, só ao falar as palavras “REFORMA” e “AGRÁRIA”, as pessoas viram a página ou ensurdecem,  certamente achando que já sabem tudo, pois sua formação ideológica já tem um rótulo para isso, levando a um ledo engano.

A proposta de reforma agrária, resumidamente, surgiu na Europa, no período de transição entre o feudalismo monárquico e o republicanismo burguês, da luta direta entre os senhores feudais e seus vassalos pela posse do meio de produção de alimentos, vulgarmente chamada de TERRA. Sabemos o resultado dessa disputa: os senhores feudais perderam seu domínio político, econômico e social e os governos republicanos da Europa, agora nas mãos da burguesia comercial e industrial promoveram, entre outras ações, a reforma agrária em seus territórios, que provocou uma revolução tecnológica, industrial, trazendo riqueza, conforto, saúde e educação, principalmente para as populações urbanas, mas indiretamente e em menor grau para as rurais.

Em muitas das colônias europeias, isso também ocorreu, como nos Estados Unidos da América, Austrália e Nova Zelândia, que promoveram a ocupação de seus territórios, buscando aumentar sua base de produção de alimentos, criando um mercado consumidor de produtos industrializados, obviamente alcançando um rápido processo de desenvolvimento econômico e social. No Brasil, como é fácil de observar, nem a ocupação do campo e a distribuição das terras ocorreu dessa forma. Hoje, a “burguesia” brasileira diz que reforma agrária é sinônimo de socialismo = comunismo, como se a propriedade individual da terra fosse uma coletivização da apropriação do meio de produção. Esses, precisam estudar melhor o que é o capitalismo. 

Já os “socialistas” afirmam que é um processo social revolucionário, como se no comunismo a propriedade das terras não fosse coletiva, do Estado, e só o trabalho individual. Esses precisam estudar melhor o que é o socialismo. Em resumo, esses argumentos, da maneira como são apresentados, revelam generalizações “ideologizadas” (no mundo do imaginário), totalmente desprovidos de fundamentação lógica real.

No Brasil

Aqui no Brasil a luta pela reforma agrária foi capitaneada pelos trabalhadores rurais superexplorados pelos latifundiários, organizados em seus sindicatos; pelos filhos de pequenos produtores rurais em seus minifúndios, principalmente no sul do país, procurando novas fronteiras agrícolas; pelas militância das pastorais de igrejas cristãs em todo o país, buscando uma solução idílica e utópica; e por pessoas pobres, miseráveis, excluídas de todas as oportunidades de acesso a qualquer meio de produção, fora da pirâmide econômica. Ponha-se no lugar dessas pessoas olhando para todos os latifúndios improdutivos do país e o mar de terras devolutas da União, sem nenhum uso produtivo e eles, habituados a produzir para outros, sem nenhuma oportunidade de entrar, pacificamente, nesse processo. 

Do outro lado está a elite agrária do país, formada por pessoas herdeiras de grandes latifúndios originários do processo de colonização e sustentáculos dos nobres escravocratas do império, bem como de novos grileiros de terras devolutas da União, visando à ocupação de vastas áreas com gado criado extensivamente ou à produção vegetal em larga escala, de produtos voltados para a exportação.

Está aí formada a equação matemática para: a) prosperidade, distribuição de riquezas, fortalecimento social da nação, dignidade cidadã, segurança alimentar; ou b) pobreza, exclusão econômica, concentração de renda, conflitos sangrentos, entre outros.

A reforma agrária é um fato concreto, deve fazer parte de um projeto político nacional para o seu desenvolvimento, deve ser uma decisão tomada conscientemente pela sociedade, com prazos, metas e propósitos definidos. Os resultados devem ser avaliados e as políticas públicas de investimento na infraestrutura e demais meios de apoio devem ocorrer simultaneamente, sem atrasos e descompassos. 

Os ideólogos podem disputar as mobilizações pró ou contra as propostas que acharem corretas e justas, aliás como sempre foi feito na história da humanidade, porém reduzir o destino de uma grande parcela da população brasileira a um cabo de guerra, num jogo de palavras desprovido de sentido fático, ultrapassa os limites do razoável, sensato e aceitável. Por tais motivos, estou absolutamente convencido da importância e urgência de uma reforma agrária para o rápido desenvolvimento econômico, social e político do país, o que certamente possibilitará um aumento de nossas consciências e experiências para alcançarmos formas e estágios de organização superiores, mais condizentes com nossa existência humana. 

Agricultura familiar

Muito bem, se o que já foi apresentado não é suficiente para você entender a importância da reforma agrária, aqui vai o último e mais importante argumento. A agricultura altamente tecnificada, mecanizada, consumidora de insumos importados controlados pelas multinacionais, voltada para a exportação bruta de comodities, que não são consumidas aqui no Brasil, promove riquezas para uma pequena elite que domina o poder político no congresso nacional com a famosa bancada ruralista. 

Já a agricultura familiar é alicerçada no trabalho familiar, com máquinas de pequeno porte, respeitando o meio ambiente, consumindo insumos produzidos em pequena escala de resíduos de outros processos produtivos e integrados da própria propriedade, empregando milhares de pessoas em suas cadeias produtivas e consumidoras. O mais importante é que gera mais de 70% de todos os alimentos consumidos na mesa da população, distribuindo renda e promovendo a segurança alimentar. Sabe o que é o dínamo alimentador da agricultura familiar? A Reforma Agrária!!!

Nos próximos artigos vamos discutir as formas de produção agrícola existentes e como elas impactam o meio ambiente e a saúde de toda a sociedade. Como promover a segurança alimentar da população e o acesso de todos, a preços justos.

A saúde e o meio ambiente

Por Sylvio da Costa Junior

A saúde como campo de pesquisa e trabalho dialoga com um conjunto de áreas que fogem do escopo strictu sensu da saúde, propriamente dita. A saúde quando olha apenas para si mesma se reduz ao campo da prática clinica, com suas condutas, protocolos e manejos assistenciais. Porém, não se faz saúde pública sem dialogar com o campo da educação, com o campo do meio ambiente, com o campo da economia e etc.

Como bem colocada em nossa Constituição Federal, no Artigo 196: “A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas SOCIAIS e ECONÔMICAS que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”. Ou seja, não se faz nem se produz saúde sem olharmos e dialogarmos com outras áreas distantes, em um primeiro olhar, com a prática clínica. 

Exemplos para isso não faltam, entre os quais podemos citar a mortalidade materna ou as cáries dentais. Na mortalidade materna, a variável que mais influi no aumento do indicador é o grau de escolaridade da mãe. Quanto menor a escolaridade da mãe, maior a mortalidade materna; assim como a cárie dentária, quanto menor o grau de escolaridade do indivíduo, maior a prevalência de cárie dental. Ou seja, duas variáveis fora do escopo da saúde com claros marcadores sobre não apenas a saúde da população, mas com desdobramentos sobre a organização dos serviços de saúde. 

Principais ameaças — Isto posto, estamos há varias décadas convivendo com epidemias causadas pela expansão da vida humana sobre o meio ambiente, que vai desde do aumento das grandes cidades até a alimentação de animais nem sempre próprios para o consumo humano. Como diria Monteiro Lobato no conto “Cidades Mortas”, o Brasil não é um pais de grandes animais, grandes mamíferos ou enormes predadores, como os países africanos ou nos campos gelados da Rússia, aqui nossas florestas têm como principais ameaças ao homem animais diminutos, pequenos, como mosquitos e fungos. Nossas grandes e exuberantes florestas quentes e úmidas são meios naturais e milenares de um enorme conjunto de arbovirus (vírus que naturalmente vivem em artrópodes ou mosquitos). 

A ampliação desordenada sobre a floresta provocou no inicio do século XX a famosa guerra da vacina, uma guerra contra a rápida expansão da febre amarela silvestre, principalmente na cidade do Rio de Janeiro. Passados mais de cem anos, hoje a febre amarela é uma doença endêmica na região Centro-Oeste e na Amazônia. O que dizer então da dengue? Mosquito da fauna silvestre que, quando contaminado pelo vírus da dengue, não só tem levado a população ao sofrimento, e até a morte, como desorganizado sistemas municipais de saúde em surtos quase sempre nos meses de março e abril. 

Há mais exemplos, como chikungunya e zika, vírus transmitido pelo mesmo mosquito da dengue. Hoje a região da Serra do Mar, que vai do litoral do Paraná até o Rio de Janeiro, pode ser considerada uma região endêmica dessas arbovirozes. Vieram para ficar.

Viemos há quase dois anos uma pandemia por Covid-19, que foi precedida por duas outras —Sars e Mers, com origens similares: o consumo e convívio com animais sem a devida avaliação sanitária, onde mais uma vez o meio ambiente, em seus animais silvestres e nativos, convivem de maneira nada harmoniosa com a espécie humana.

Qualquer um que tenha vivido os anos de 2020 e 2021 sabe o custo da sanha humana sobre o meio ambiente para os sistemas de saúde, para a economia e em vidas perdidas. A Covid-19 é uma doença que também veio para ficar. Doença respiratória, de fácil transmissão e adaptada nossa espécie. Mais uma de dezenas, porém nada nos aponta que será a última. 

Não vivemos no planeta Terra, somos o planeta Terra, assim como todas as formas de vida aqui existentes. Assim, não é sábio a expansão desenfreada sobre a natureza, quer pelo avanço criminoso sobre a florestas para criação de gado ou quer pela falta de planejamento sobre a vegetação nativa das grandes cidades, para citar dois exemplos bem brasileiros. Para citar um exemplo brasileiro mais atual ainda, é um péssimo caminho nosso atual presidente (infelizmente) incentivar o garimpo ilegal na região Amazônica, com destruição da floresta e despejo de metais pesados, como mercúrio, nos rios da região. 

Degradação ambiental — Reforçando essa tese, no 11º Congresso Brasileiro de Epidemiologia da Associação Brasileira de Saúde Coletiva Abrasco), realizado nos dias 18 e 19 de novembro, foi divulgado um documento intitulado “Carta dos Epidemiologistas à População Brasileira”, no qual são denunciados os riscos à sociedade brasileira e à sociedade global os crimes ao meio ambiente promovidos pelo governo protofascista brasileiro, e suas as consequências reais para saúde e para vida.

Não temos outra casa, não temos outro planeta e não temos saída, senão a convivência harmoniosa com todas as formas de vida aqui existentes. A saúde sozinha não dá conta de cuidar das pessoas adoecidas pela degradação ambiental provocada pelo homem. Indo mais além: ou revemos nosso modo de produção capitalista ou seremos mais um animal em vias de extinção. 

Nosso modo de produção capitalista, gerador de uma irracional poluição que atinge a todos, promotor de um claro esgotamento de nossos recursos naturais e, principalmente, pai da miséria e pobreza econômica da maioria da população do planeta, está nos levando ao penhasco, a todos, sem exceção, até mesmo aos pouquíssimos beneficiados pelo capitalismo global, hoje altamente financeirizado. Não há investimento em saúde que dê conta de cuidar dos doentes advindos da ganância do modo de capitalista, no qual a ética do individual se sobrepõe a ética do coletivo.

O homem pode ser extinto do planeta, mas a vida não. A vida é mais ampla e de infinitas possibilidades.

quarta-feira, 10 de novembro de 2021

Desmistificando a reforma agrária

 Por  Mario Lucio Machado Melo Junior

É impressionante a quantidade de mentiras, invenções, preconceitos, fábulas, interpretações desconexas e inverossímeis que me motivaram a escrever esse artigo para trazer o significado legal, político e social do processo de reforma agrária no Brasil, sem emitir juízo pessoal sobre o assunto, pelo menos nesse artigo.


Histórico

O governo de João Goulart, também conhecido como Jango, ocorreu entre 1961 e 1964, sendo marcado por forte ebulição política. Nesse governo, dentre as principais reivindicações populares estavam as “Reformas de Base”, entre elas as reformas agrária, educacional, eleitoral, tributária, bancária e urbana. Contudo, a que mais causou mobilização social para ser implementada foi a reforma agrária. A radicalização foi inevitável entre as Ligas Camponesas e os ruralistas do Congresso Nacional. 

Certamente a propaganda e a contrapropaganda dessa época criaram a falta de entendimento entre as pessoas, o que se estende até hoje. Mesmo assim, o propósito dessas propostas foi esmiuçado e amplamente debatido no meio da sociedade, até a queda do governo de João Goulart, o qual sofreu um golpe, sendo substituído pelo regime militar em 1964, gestão do marechal Castelo Branco — que promulgou a Lei Federal nº 4.504, de 30 de novembro de 1964, que dispõe sobre o Estatuto da Terra.


Constituição Federal

Hoje, a Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada em 5 de outubro de 1988, dedica o Capítulo III – Da política agrícola e fundiária da reforma agrária e define:

Que compete à União desapropriar por interesse social, para fins de reforma agrária, o imóvel rural que não esteja cumprindo sua função social, mediante prévia e justa indenização em títulos da dívida agrária, com preservação do valor real, resgatáveis no prazo de até vinte anos, a partir do segundo ano de sua emissão, e cuja utilização será definida na Lei nº 8.629, de 25 de fevereiro de 1993;

As benfeitorias úteis e necessárias serão indenizadas em dinheiro;

São isentas de impostos federais, estaduais e municipais as operações de transferência de imóveis desapropriados para fins de reforma agrária;

Não podem ser desapropriadas para fins de reforma agrária: a) a pequena e média propriedade rural, assim definida em lei, desde que seu proprietário não possua outra; b) a propriedade produtiva.

Os beneficiários da distribuição de imóveis rurais pela reforma agrária receberão títulos de domínio ou de concessão de uso, inegociáveis pelo prazo de dez anos, depois de emitidos.

A Lei nº 8.629, de 25 de fevereiro de 1993, regulamenta e disciplina disposições relativas à reforma agrária, previstas no Capítulo III, Título VII, da Constituição Federal de 1988. Resumidamente, a Constituição e essa Lei desmitificam as seguintes questões sobre a reforma agrária:


  1. Existem critérios bem definidos para a escolha de terras para fins da reforma agrária;

  2. A terra e as benfeitorias desapropriadas são pagas a preço de mercado;

  3. Os custos dessa desapropriação e outros feitos pela União são rateados entre os beneficiários que recebem títulos provisórios até a quitação desses investimentos;

  4. Se, por algum motivo, o beneficiário sai da área a que foi destinado, sem comunicar ao Incra, não poderá ser beneficiado em nenhuma outra área no Brasil e a pessoa que ficou em seu lugar é cadastrada no banco de candidatos, se tiver perfil para isso. O lote é reintegrado judicialmente ao Incra, por reintegração de posse, e destinado a outra família cadastrada, que assumirá os custos do assentamento.


Função social

Assim, fica bem claro que o dono de terras que não esteja cumprindo sua função social, ou seja, produzindo, não é prejudicado financeiramente. O imóvel não é tomado, ele é pago a preço de mercado. O beneficiário é selecionado, hoje, criteriosamente, pois suas informações pessoais são cruzadas com vários bancos de dados de instituições oficiais dos três poderes da República, em todo o território nacional. O lote da reforma agrária não é dado, tem um custo que é assumido pelo beneficiário. Se ele sair do assentamento original sem comunicar ao Incra, é automaticamente desqualificado do processo, não sendo mais possível ser beneficiário. 

O lote remanescente é imediatamente reintegrado, judicialmente ao Incra e destinado à outra família cadastrada e selecionada, não havendo forma legal de compra ou venda particular de terras destinadas ao processo de reforma agrária. Quem souber de alguma forma de ocorrência de irregularidade pode e deve acionar o Ministério Público, que certamente tomará as medidas legais cabíveis de correção.

Quando jovens, filhos de pequenos agricultores, resolvem se casar, constituindo suas próprias famílias e querem continuar na atividade produtiva agropecuária, procuram se estabelecer em terras, não encontram espaço para iniciar sua atividade, pois existe uma especulação do valor das terras, principalmente as que não cumprem sua função social. Isso se aplica também a trabalhadores rurais ou mesmo outras pessoas que aspiram entrar na pequena produção rural familiar. Sem a reforma agrária, mesmo essa imposta pelas elites agrárias, é impossível começar uma atividade produtiva, de megarrisco, imobilizando inicialmente um capital de alto valor em terras, ferramentas, equipamentos, insumos e máquinas, além do capital anual de custeio das safras. Isso gera uma profunda insatisfação de amplos setores da sociedade e insegurança política e social. Mesmo com essa reforma agrária legalizada e “aceita” pela bancada ruralista, ela anda em passos de tartaruga, quando anda, pois os sucessivos governos não viabilizam os instrumentos operacionais, institucionais e financeiros para realizá-la de forma ampla e massiva. 


Produtividade

Um número significativo de assentamentos — conquistados pelas entidades organizadas que representam os que lutam pela reforma agrária — se emanciparam com produção e produtividade espantosos. Existem cooperativas e associações produzindo alimentos saudáveis e outros insumos agrícolas, proporcionando rendimentos líquido muito superior ao capital especulativo das bolsas de valor a seus filiados ou outros pequenos agricultores familiares no entorno de suas regiões produtivas. 

Por que então existe tanta oposição da grande imprensa, da bancada ruralista do congresso, dos banqueiros, e de setores conservadores da sociedade ao processo de uma reforma agrária ampla no Brasil?

Nos próximos artigos apresentarei as razões pelas quais defendo uma ampla reforma agrária, os modelos produtivos realizados no Brasil e seus fundamentos tecnológicos e filosóficos. Falarei também sobre o sistema de comercialização e armazenamento globalizado e as políticas públicas reivindicadas pelos agricultores familiares, bem como sobre a necessidade de uma estratégia de segurança alimentar planejada nacionalmente.


Graduado pela UFRRJ em Engenharia Agronômica, modalidade fitotecnia, em 1981, durante a graduação foi monitor da disciplina de fertilidade dos solos e líder estudantil na agronomia. Fez pós-graduação em engenharia de irrigação e drenagem em 2002 na UFRRJ. É extensionista rural desde 1982 e foi requisitado para exercer funções públicas na Secretaria de Estado de Planejamento e Controle em duas gestões, Diretor Técnico e Presidente da empresa onde trabalha e, também foi Superintendente do Incra no Estado do Rio de Janeiro no período de 2004 a 2009.


terça-feira, 9 de novembro de 2021

Dignidade menstrual: uma urgência para o Brasil

 

Ilustração Carol Cospe fogo

Por Marília Arraes* 


Uma em cada quatro adolescentes brasileiras não tem um pacote de absorventes à mão quando a menstruação chega. Quase 20% não têm acesso à água em casa e mais de 200 mil estudam em escolas com banheiros sem condições de uso. Garantir a dignidade menstrual para meninas e mulheres brasileiras sempre foi uma das minhas preocupações. 

E foi por isso que desde que cheguei à Câmara Federal, em 2019, iniciei uma série de ações, pesquisas e articulações que culminaram com a uma proposta que nos levou a criação de um programa nacional que garante o acesso a produtos de higiene menstrual e ações de educação e divulgação de informações sobre a saúde menstrual.

Em 2019, apresentamos o primeiro projeto com foco no tema. Na ocasião, focamos na distribuição gratuita de absorventes para estudantes, em situação de vulnerabilidade, de escolas públicas de todo o país. Na sequência, outras dezenas de propostas se somaram à proposição inicial. 

No dia 14 de setembro deste ano, o projeto - que já havia sido aprovado na Câmara dos Deputados – foi votado e aprovado no Senado. Estava criado o Programa Nacional de Promoção e Proteção à Saúde Menstrual, uma iniciativa inédita, que tem como objetivo central garantir a saúde e a dignidade para milhares de meninas e mulheres.

Tabu e desinformação

O programa atenderá, inicialmente, estudantes de baixa renda matriculadas em escolas públicas; mulheres em situação de rua ou em situação de vulnerabilidade social extrema; presidiárias e apreendidas, recolhidas em unidades do sistema penal e pacientes internadas em unidades para cumprimento de medida socioeducativa.

A menstruação é um processo natural do ciclo reprodutivo feminino, começando na puberdade — em média, aos 13 anos — e encerrando por volta dos 50. Apesar de ser algo rotineiro, ocorrendo uma vez por mês (caso não haja fecundação), o assunto ainda é tabu para muitas pessoas, cercado de desinformação e falta de acesso a absorventes e outros itens de higiene.

O relatório Pobreza menstrual no Brasil: desigualdades e violações de direitos, publicado recentemente pelo Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA) e pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), evidencia a urgência em políticas públicas de saúde para zelar pela dignidade humana de meninas e mulheres que sofrem cotidianamente com a escassez de condições adequadas para o período menstrual.

Falta de acesso e infraestrutura

Pobreza menstrual é uma expressão utilizada para denominar a falta de acesso a produtos de higiene menstrual, de infraestrutura sanitária adequada em casa e na escola e de conhecimentos necessários para esse período do ciclo reprodutivo. As brasileiras que mais sofrem com essa situação são as que vivem em condições de pobreza e vulnerabilidade em ambientes rurais ou urbanos.

 O levantamento analisou dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de meninas entre 10 e 19 anos por meio da Pesquisa Nacional de Saúde (PNS 2013), da Pesquisa Nacional de Saúde Escolar (PeNSE 2015) e da Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF 2017-2018), totalizando 15,5 milhões de brasileiras.

 Em se tratando dos domicílios, cerca de 713 mil meninas vivem sem acesso a banheiros, 900 mil não têm acesso a água canalizada e 6,5 milhões não possuem redes de esgoto em casa. Quando o assunto é infraestrutura escolar, 321 mil alunas estudam em estabelecimentos que não possuem banheiros em condições de uso. Mais de 4 milhões de meninas não possuem à sua disposição algum requisito mínimo de higiene, como papel, água ou sabão.

Problemas de saúde e evasão escolar

Quase 50% das garotas analisadas enfrentam, ainda, algum grau de insegurança alimentar. Cerca de 1 milhão delas vivem em situação de precariedade alimentar grave. Nesses casos, as famílias priorizam o consumo de alimentos em detrimento dos gastos com absorventes e outros produtos de higiene menstrual.

 Quando não há o acesso adequado a esses produtos, muitas mulheres improvisam permanecendo com o mesmo absorvente por muitas horas ou utilizando pedaços de pano, roupas velhas, jornal e até miolo de pão, resultando em problemas que variam desde alergia e candidíase até a síndrome do choque tóxico potencialmente fatal. A saúde emocional também é outro problema sério, ocasionando um aumento de evasão escolar.

 A pobreza menstrual é uma triste constatação de negligência por parte das autoridades para garantia mínima da dignidade feminina. É urgente investimentos em infraestrutura e acesso aos produtos de menstrual. Os absorventes poderiam ser disponibilizados em postos de saúde, por exemplo, assim como já é feito com preservativos e medicamentos — e a taxação de impostos poderia ser reduzida para baratear esses produtos. O saneamento básico em escolas deveria ser uma obrigação, assim como nos lares brasileiros. 

Os dados apresentados demonstram a necessidade prioritária de políticas públicas para reverter o problema e é isso que estamos fazendo e continuaremos a fazer!



*Marília Arraes é deputada federal (PT-PE) em primeiro mandato e a única mulher da bancada pernambucana na Câmara.  Antes foi por três vezes vereadora do Recife, onde iniciou sua atuação política no movimento estudantil e de juventude. É advogada formada pela Universidade Federal de Pernambuco e neta do ex-governador Miguel Arraes. 

*Carol Andrade é conhecida como Carol Cospe Fogo, trabalhou em agências de publicidade como diretora de arte e ilustradora. Cartunista e chargista. É a primeira mulher a receber o prêmio Angelo Agostini como melhor cartunista/caricaturista do Brasil em 2019. Colaboradora do coletivo Pavio Curto