Um brinde aos amigos de sempre do mundo da liberdade:
Rogério Weber
Paolo d’Aprile
Marcos da Costa
Edu Alves
O Amor é lindo, mas seus desdobramentos e implicações são jogos dos deuses, são a contingência e o acaso. Imagine uma associação de supremacia branca formada pela classe de trabalhadores rurais dos EUA; em seguida imagine assaltos a banco com armamento pesado e estratégias paramilitares; assassinatos de judeus, negros, gays e latinos no Harlem, San Francisco. Por fim, agentes infiltrados do FBI entre esses grupos e o envolvimento apaixonado dessa agente com um dos pilares dos ataques terroristas em solo estadunidense.
Todos esses ingredientes estão no filme Betrayed, de 1988, dirigido pelo grande mestre Κώστας Γαβράς ... ôpa, desculpem ... Costa-Gravas, com roteiro do não menos fabuloso Joe Eszterhas. Filme impactante e que, dando uma olhada nos dias de hoje, 34 anos depois, parece nos apresentar um retrato do que anda acontecendo no panorama político-econômico nas Américas. Ali estás o ovo da serpente e nas linhas abaixo vamos ver o porquê.
Como não se trata de uma obra unidimensional, há a exposição das ideias que permeiam o supremacismo branco. Um diálogo faz isso com maestria: perguntado sobre os exercícios de caça, ou seja, em uma floresta erma, pôr a correr um negro enquanto tentam abatê-lo como a uma presa, um típico red neck responde:
"O banco levou minha fazenda e o Vietnã, o meu filho. Bancos, policiais negros, judeus [no caso, associam a figura sionista ao capital especulativo – aparte meu] e asiáticos [China dominando o capitalismo ou os ascendentes Tigres Asiáticos, que são o alvo para multinacionais aumentarem suas taxas de lucro sob um regime semi-escravagista – aparte idem] estão roubando o nosso país".
Oras bolas, toda a origem da crítica que leva à xenofobia, ao racismo, à homofobia é uma crítica ao sistema financeiro, o que leva a uma conclusão simples: o que deve ser combatido não é o imigrante, o judeu, o negro, o gay ou qualquer outro segmento social sobre os quais uma classe frustrada se acha superior; o que deve ser combatido é o sistema de acumuladores e gestores da miséria mundial.
O fascismo pega essa realidade (que todos sabem no fundo ser a única causa da acumulação e miséria excessivas) e, com a ajuda do medo de violências aumentado pelas redes de TV com o jornalismo marrom de glamourização da morte e do desespero — do aumento da criminalidade exponencialmente sobre crimes contra o patrimônio — e o fanatismo religioso: que transformam a crítica ao sistema em algo diverso da ação contra ela, transformam a crítica ao essencial em racismo, homofobia, sempre com o intuito de alienar o verdadeiro problema: todos terem o que comer e onde morar.
O que tem a ver a decadência do segmento mais branco e rural dos Estados Unidos com o neonazismo brasileiro que está no governo federal (e que vem sendo dourada em pílulas com declarações e desmentidos, aguardando haver a aceitação pela opinião pública do nazismo puro mesmo)?
A base popular eleitoral de Trump era e é a dos supremacistas brancos que identificam a decadência de sua classe com a imigração e ao abandono da religião protestante evangélica, sendo que o líder do Partido Nazista estadunidense, Rocky Suhayda, declarou publicamente apoio ao Republicano ainda em campanha.
O pensamento do supremacismo branco está na formulação de uma resposta de frustração pelo ódio. Explico: brancos trabalhadores estadunidenses se consideram vítimas de racismo praticado pelos negros; vítimas dos judeus (Nova “Judiork” e “Sicago”, por aí vai) e dos asiáticos que, ou lhes roubam o trabalho, ou lhes roubam a própria produção em si (montadoras, indústrias que saem dos EUA à procura de fontes de trabalho semi-escravo).
Essa crítica subvertida ao problema de uma economia que tem bilionários do mundo - 2.153 ao todo - com mais riqueza do que 60% da população – 4,6 bilhões de pessoas (fonte: https://www.oxfam.org.br/noticias/bilionarios-do-mundo-tem-mais-riqueza-do-que-60-da-populacao-mundial/?gclid=CjwKCAiA6seQBhAfEiwAvPqu11j5AXLU1aXiUfY0WLpjrbf9ORvQFQgBbjyGjsSVpMa1bdkgr9Wk1RoCABoQAvD_BwE) – e, por sua vez, joga a culpa desta calamidade nas costas de imigrantes, negros, gays, esquerda etc etc.
Culmina a subversão da crítica com a frustração pessoal de uma classe em plena decadência com a ascensão do neonazismo nos EUA com a eleição de Trump para a presidência do país. Isso por que o projeto do republicano soube captar a frustração da classe média pauperizada e a decadência industrial do país.
A propaganda ideológica de transformar um magnata em um dínamo da retomada econômica dos pobres é de um cinismo hediondo, mas, como dito acima, existe todo um aparato ideológico inculcado nas mentes desse segmento estadunidense, a começar com o arquétipo WASP, que, de fato, hoje representa apenas 43% da população, mas se apega a um passado de plena predominância (em 1976, por exemplo, 8 em cada 10 estadunidenses se identificavam como brancos protestantes). Hoje, ao que tudo indica, os WASP se tornaram minoria (fonte: https://www.ihu.unisinos.br/78-noticias/571977-estamos-no-fim-dos-eua-cristaos-brancos-o-que-isso-significa).
Nada além de frustração advém dessa mudança, pois a base de Trump e do Partido Republicano tenta catalisar essa margem que, nas próximas eleições já serão inócuas: pelo que tudo indica esse salto xenófobo do cristianismo branco foi um estertor de um segmento que perdeu seu protagonismo. Daí o tom de ódio provocativo e sarcástico em concomitância com o vazio de propostas econômico-políticas. Não há projetos, apenas o oportunismo fascista sobre o desespero de trabalhadores envoltos desde a infância em uma ideologia nacionalista de predestinação protestante que enlouquece frente à decadência das finanças.
Esse é o fundo dos acontecimentos do filme de Costa-Gravas, pois Gary Simmons é o líder de um grupo de supremacistas brancos, que associam a decadência de suas atividades com a ascensão de negros, judeus, latinos e gays. Condecorado na guerra do Vietnã, apresenta-se como um estereótipo do americano trabalhador do campo que resiste ao debacle de economia do país, mas passa a pertencer a uma organização com braços político, eclesiástico e com muito armamento. À época, a opinião pública sempre foi condescendente com esse movimento, entendendo como uma coisa de simplórios, sem entender que promoviam ataques terroristas e roubos a banco (este último para angariar fundos para uma vindoura revolução).
Acontece que os Estados Unidos sofrem mais ataques terroristas de sua extrema direita ("deadly right wing attacks") do que do jihadismo: a plataforma New America analisou todos os casos de terrorismo desde o 11 de setembro e constatou que, dentre os 251 assassinatos que se caracterizam desta maneira, a extrema direita matou 114 e o islamismo extremo, 104.
Uma agente do FBI, Catherine Weaver, a excelente Debra Winger, se infiltra na célula neonazista chefiada por Gary; ambos se apaixonam; ele, em um rompante de honestidade total para formar o relacionamento, mostra a ela a atividade de seu grupo, pondo um negro a correr como presa de um exercício de caça. Por mais que ame Gary, Catherine não consegue deixar de sentir uma extrema ojeriza a tudo o que lhe é revelado e, com isso, sua lealdade ao FBI prevalece sobre seus sentimentos passionais.
As investigações foram iniciadas após o assassinato de um radialista liberal judeu. A palavra ZOG é o enleio, pois fora pichada sobre o corpo do comunicador (e é a sigla do exercício de caça praticado pelos supremacistas).
Em nosso salto temporal, encontramos muitos elementos de comunicação do que está sendo denunciado no filme de 1988 e o que andamos vivendo agora, mas em sua forma embrionária: o ovo da serpente!
Pois se foi o discurso de ódio inflamado pela frustração de uma classe média em extinção nas zonas rurais dos Estados Unidos que formou as células neonazistas e reavivou a Ku Klux Klan: foi esse sentimento de impotência que lançou laços de representação política e terrorista com ataques e assaltos a banco precisos e estratégicos. Tudo isso deságua na eleição de Trump, sendo que este encarna o estereótipo do protestantismo branco, o qual se encontra em declínio, estando cada vez mais nublado por cidadãos que não querem professar fé alguma ou compactuar com justificativas cada vez mais absurdas das acumulações e violência aos direitos de igualdade ou mesmo sobrevivência do povo.
Estar cego sobre uma realidade que exige mudanças e acessos para equilíbrio da própria civilização, o trumpismo é um câncer que combate as instituições que garantem um mínimo de coesão social, frente ao anarcocapitalismo (ou capitalismo cocainômano) excessivamente desagregador e destruidor.
Aqui abaixo da linha do Equador, mais especificamente o Brasil, surge a figura repugnante de um incompetente que, para a lembrança da importância da filosofia, transmite a essência do que seja a BOÇALIDADE DO MAL. Fala-se aqui, por mais claro que seja, do Lepra, do Inominado, do Capitão dos Estúpidos, enfim, DELE!
Uma caricatura que consegue ser pior do que Figueiredo falando, consegue por meio da frustração e da ideologia de dominação e servilismo popular se impor e vai cumprindo sua função de promover discursos de ódio, imitando ridiculamente um “patriotismo” associado a um desejo de sair vendendo tudo o que for estratégico ao país (que só não é posto em prática por total incompetência do minonstro Ipiranga) – não podemos esquecer do Acordo de Salvaguarda Tecnológico (AST), que, na prática, deu Alcântara para o Trump. Agora para qualquer cidadão ou autoridade brasileira ou estrangeira que queira acessar o local tático para lançamento de foguetes espaciais, tem que pedir permissão aos States!
Esquizofrenia pessoal que se espraia aos órgãos diretamente ligados à Administração Pública federal, transpõe para nossas plagas o vazio do discurso à moda Trump; traveste uma xenofobia e um fanatismo religioso (na base do “Deus acima de tudo, PORRA!!!”) totalmente estranhos à história do comportamento brasileiro e mesmo estranho aos interesses de qualquer pessoa decente no território nacional.
O que o Inominado faz — e ele não é tão estúpido como quer aparentar ser — é replicar nos espaços dos aparelhos de Estado o ódio que insufla a classe média produtora de insumos estadunidense que, por sua vez, formou grupos neonazistas como forma de resistência à especulação desenfreada e à decadência de seu poder aquisitivo. Por outro lado, este mesmo desvio da crítica à origem real dos problemas de gestão da miséria engendrou o trumpismo e, como cópia caricata e atrasada, irrompeu no Brasil o neonazismo.
Voltando ao filme, ataques terroristas em escolas, em igrejas frequentadas por negros estão na pauta dos extremistas brasileiros para macaquear os estadunidenses: além dos praticados pelos militares nos estertores da ditadura, de 1978 a 1987 — classificados assim pelo próprio SNI —, temos o ataque ao Porta dos Fundos em 2019 e a ressurreição tão esperada do Integralismo.
É dar tempo ao tempo para vermos o desenvolvimento do nazismo no Brasil —até o presente o que vemos é a tentativa ainda deflagrada de o presidente e seus asseclas declararem frases de efeito e lemas nazistas e aguardar a reação da opinião pública: esta, por enquanto, ainda não aceita esse tipo de ideologia.
E quanto aos assaltos a bancos promovidos por células nazistas formada por brancos cristãos protestantes para arrecadar fundos para uma vindoura revolução? Acontece aqui?
Como mostrado no filme são organizados e possuem armamentos pesados. Pergunta: o que aconteceu em Criciúma (Santa Catarina), Cametá, Belém do Pará, Ipixuna do Pará; São Domingos do Capim (Pará); interior de São Paulo: Ourinhos; Botucatu; e Araraquara?
Talvez o que se chama amedrontadamente de “Novo Cangaço” seja um meio de angariar fundos para o nazismo auriverde. Os indícios batem: discurso de ódio, projeto político vazio, estímulo aberto ao ressurgimento do nazismo; apoio de grupos paramilitares (milícias); o uso da frustração popular e a artificialidade de um messias político; tudo encaminha para uma ligação entre o que se propaga ideologicamente pelo comando do país e essa nova prática de assaltos — isso é uma especulação, mas encontra um esteio no filme do Costa-Gravas. Pensemos e pensemos rápido antes que seja tarde!
A realidade muitas vezes imita a ficção!
Catherine é descoberta como agente infiltrada por Gary, o amor se expressa até o último encontro entre os dois. Quando Gary é morto pela amada, a expressão do amor está nos olhos marejados de lágrimas dos dois envolvidos. Contudo, antes desse desfecho (não aguentei e contei o final), a filha do líder da extrema direita entende por meio de Catherine que podemos nos expressar livremente, mas não podemos maltratar pessoas (antes a menina expusera toda a lavagem cerebral que vem desde o berço nesses meios, quando diz antes de dormir “negros e judeus devem morrer”).
Assim, depois de tudo o que passou, a agente volta para a localidade para reencontrar a filha de seu amado. A criança defende Catherine frente a uma multidão açodada de ódio, sabem que fora ela a responsável pela morte de Gary. A ideia magistral é: aquela turba está dominada pelo pensamento nazista da extrema direta, está seduzida pelo ódio, mas aquela linda garota já está com a semente da liberdade e vai germinar.
O intuito deste texto é lançar mais uma semente e que germine em boa terra!
GUILHERME MAIA